Para compreendermos a atual situação dos servidores público da previdência, saúde e trabalho, o jornal A Verdade entrevistou o diretor do Sindprevs/RN (Sindicato dos Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social no Estado do Rio Grande do Norte) para, além de compreender a “política de morte”, divulgar a luta dos servidores públicos do INSS.
Petrus Mafra* | Natal – RN
TRABALHADOR UNIDO – No dia 16 de junho de 2024, os servidores da base da FENASPS – INSS e Ministérios da Saúde (MS) e do Trabalho (MTE) iniciaram sua greve, o qual 11 estados do Brasil – incluindo o Rio Grande do Norte –, já estão com processo de greve por tempo indeterminado, enquanto os outros 16 – incluindo o Distrito Federal –, estão em processo de paralisação. No RN, o movimento está se movendo em todas as agências da capital e dos interiores.
Em plenária nacional ocorrida no dia 13 de junho, foi aprovada a mobilização com a greve, bem como atos em todos os estados. A pauta emergencial colocada na mesa de negociação com o Governo Federal tem pontos como: recomposição das perdas salariais; reestruturação das carreiras e serviços previdenciários; cumprimento de acordos da última greve, ocorrida em 2022; incorporação das gratificações ao vencimento básico; redução na jornada de trabalho para 30 horas semanais; revogação da Instrução Normativa 24 e 52/2023, exigindo o fim do teletrabalho e fim do programa de gestão de desempenho; condições dignas de trabalho e direito ao trabalho; fim do assédio moral; e defesa de todos os servidores, sejam ativos, aposentados e/ou pensionistas
Confira a entrevista com Cícero Silva, diretor do Sindprevs.
A Verdade – Como tem sido feito o desmonte da previdência social de maneira nacional e aqui no estado?
Cícero: A previdência social vem sofrendo um processo de desmonte no intuito de mudar o sistema atual (de solidariedade) para o de capitalização privado, ou seja, a privatização da previdência social. Desde meados dos anos 2008. A FENASPS (Federação Nacional dos Servidores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social), já vinha denunciando ao governo a necessidade de novos concursos públicos para reposição da força de trabalho. Hoje, nós estamos com um déficit de 60% de nossa mão de obra, e aí o que acontece. Como os concursos recentes nomearam uma quantidade irrisória de servidores, não havendo reposição da força de trabalho, o aumento da demanda mesmo antes da pandemia de COVID gerou um acúmulo de benefícios que, oficialmente, são em torno de 1 a 2 milhões de processos não despachados no prazo legal de 45 dias. Mesmo assim, os governos vêm fechando agências da previdência social em vários estados como São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso, etc. E, aqui no Rio Grande do Norte, essa política é mais violenta. Só aqui na gerência executiva de Natal, tivemos o fechamento da APS (Agência da Previdência Social) Norte, a agência da ribeira foi fechada um pouco antes, e agora mais recentemente, em março deste ano, o fechamento da APS Natal Sul. Com isso, há um acúmulo de demandas para outras agências, que já não tem servidores suficientes, e mesmo assim, ainda insistem no modelo de gestão que privilegia a institucionalização do atravessador dentro da previdência. Porque hoje tudo é feito através do agendamento eletrônico e nós temos uma grande quantidade de pessoas em idade avançada, beneficiários da previdência ou pessoas com deficiência, acidentadas, etc., que vão ter dificuldades de acessar o sistema.
Como a luta tem se desenvolvido de maneira mais específica na questão da previdência?
Nosso sindicato aqui no estado, juntamente com outros sindicatos filiados a FENASPS, lutam no sentido da existência de concurso público para recomposição da força de trabalho, restabelecendo o que existia na previdência social e o que é necessário, pelo menos, para reposição em virtude da demanda. Outra coisa que defendemos, é que nossa jornada de trabalho seja de 30h, porque sendo 30h, teremos possibilidade de realizar concurso público para mais vagas e manter as agências com servidores suficientes para atender as demandas da população, em um período maior. Mas, as propostas dos governos têm ido na contramão a essas demandas, que querem fechar e implantar um sistema de capitalização, semelhante ao que foi implantado no Chile, onde hoje as pessoas fizeram uma revisão na previdência chilena, voltando ao regime de contribuição solidariedade. Esse modelo chileno, foi implantado pelos “Chicago Boys”, da turma do antigo Ministro da Economia, Paulo Guedes. E, infelizmente, no governo Lula, continua vigente esse projeto, e a nossa luta é: pela manutenção das agências abertas, pela volta do atendimento presencial sem necessidade de agendamento eletrônico, e pela garantia dos direitos conquistados nas últimas greves nossas, como, por exemplo, a incorporação do vencimento básico das nossas gratificações e reposição salarial dos últimos 7 anos.
Após a reforma da previdência, o que mudou em termos de atendimento e nos direitos dos servidores?
A emenda constitucional 103/2019 (Reforma da Previdência), retirou direitos não só da classe trabalhadora, em geral, mas também dos servidores públicos. As regras de aposentadoria (nos programas de transição, ou mesmo no modelo atual) ela exclui entre outras coisas, insalubridade, periculosidade, as aposentadorias especiais estão praticamente extintas. E, nós que somos servidores do serviço público hoje, temos que obedecer às mesmas regras do regime geral em termos de contribuição e idade. Então, por exemplo, eu, que sou servidor do INSS há 20 anos, e já tinha mais 10 anos de outras atividades pelo regime anterior, eu me aposentaria daqui há 5 anos. Mas, com a aprovação da Reforma da Previdência, eu só vou me aposentar daqui a 10 anos. Isso é um exemplo básico. Mas, desde as microrreformas ou reformas internas feitas de modo administrativas desde o governo Lula 2002 a 2004, os governos Dilma e Temer, e a emenda 103/2019, a retirada de direitos foi enorme, principalmente em relação à questão das pensões e dos benefícios de prestação continuada, que tiveram regras colocadas que dificultaram ainda mais o acesso aos benefícios.
Uma das maiores maldades implementadas pelos últimos governos, isso desde 2015 para cá, foram: o INSS digital, o agendamento eletrônico e o teletrabalho. Isso praticamente exclui grande parte da população brasileira, e em consequência, da classe trabalhadora do atendimento presencial. Então, os processos são em uma fila virtual, e uma pessoa que poderia procurar uma agência para saber o andamento do processo, para saber os prazos, etc., na verdade, não tem a quem recorrer, tem que ficar acompanhando pelo celular ou pela internet, ou pelo telefone 45 a 60 dias. A média dos despachos de aposentadoria gira em torno, hoje, de 2 a 4 meses. Enquanto isso, as pessoas estão morrendo. Porque isso é uma política de morte. Uma pessoa que está trabalhando e sofre do acidente ou se afasta por motivos de doenças e precisa receber medicamentos, ela pode ter um benefício por incapacidade (antigo auxílio-doença) que pode demorar até 6 meses para ser implantando, interferindo em muitos casos, na qualidade de vida e na compra de medicamentos, uma vez que para muitos, essa é a única fonte de renda.
A campanha nacional dos servidores federais está tomando um corpo. O que o Sindprevs tem feito para engrossar essa luta?
O nosso sindicato vem acompanhando as deliberações através do FONASEFE (Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais), entretanto, nas últimas deliberações de greve geral do FONASEFE, o nosso sindicato foi o único que entrou em greve e segurou essa greve por mais de 60 dias. Esse ano, vamos ter uma plenária nacional da nossa federação, que deve rejeitar a proposta do governo federal de recomposição das perdas e reajustes, e devemos estar deflagrando greve geral. Então, nós estamos as movimentações nacionais. Mas, muitas vezes, a gente precisa tomar uma posição de forma independente. O que não quer dizer que não estamos apoiando as lutas das universidades e institutos federais, mas quando entramos em greve, nossa greve tem um impacto social muito forte, porque a mídia se revolta e diz que estamos tirando direitos das pessoas que precisam da previdência social. Essa mesma mídia que se omite sobre o déficit de servidores que temos hoje, da dificuldade do nosso sistema, dos golpes e fraudes que são dados no INSS, dos grandes devedores que a previdência tem, que são em maioria das vezes, bancos e grandes empresas nacionais. Então, esse momento é um momento de muita reflexão. Em nossa plenária, encaminhamos o processo de greve.
Qual a principal demanda e bandeira dessa luta? Como a categoria tem se somado nas lutas?
Hoje, o sindicato e a federação defendem 30 horas para todos, recomposição das perdas salariais, reajuste real de salário, um plano de cargos, carreiras e salários. Defendemos também que o atendimento volte a ser presencial nas agências e que o INSS desenvolva uma política pública que valorize o servidor, com adicional de qualificação, com acompanhamento dos programas sociais de recuperação de servidores. Então, são demandas grandes e históricas da categoria, que defendemos junto com o conjunto da classe trabalhadora.
O que é necessário para defender a previdência social e os serviços públicos dos ataques?
A defesa da previdência social se faz, em primeiro lugar, entendendo que a previdência social tem uma função…. social e pública. Então, o primeiro passo é ser totalmente contrário à privatização da previdência. Em segundo lugar, é desmistificar e tirar a venda do mito que diz que a previdência social tem um rombo, e para isso, temos que acompanhar o processo da Auditoria Cidadã da Dívida Pública, mostrando que os grandes devedores do brasil, são os que estão interessados na privatização dos serviços públicos. Nesse sentido, não é só a previdência social que tem esse risco. Assim nós vimos por exemplo, o processo de sucateamento e privatização da Petrobrás e assim vai acontecer com as outras coisas. Então, a luta das categorias do serviço público tem que ser unificada, mas não somente entre nós servidores públicos, mas com toda a classe trabalhadora. Porque no final das contas, quem perde com a privatização de qualquer serviço público, é o conjunto da classe trabalhadora inteiro.
Como está o desenvolvimento da luta aqui no estado?
O Sindprevs/RN sempre foi um sindicato na vanguarda da luta da classe trabalhadora aqui no estado, mas com tudo isso, assim como os outros sindicatos, nós sofremos bastante com o último período de governo, onde o fascismo impôs a desfiliação em massa de sindicalizados, regras que dificultavam a contribuição sindical, e aí nós estamos no processo de reorganização. Mas, assim como fazemos as reuniões semanais da Diretoria, fazemos assembleias que convocam todo o conjunto de nossa categoria para deliberar assuntos como a greve e as lutas. O que não podemos aceitar é que o governo federal apresente propostas distintas para o mesmo tipo de servidores, e principalmente que desqualifique a necessidade de reajuste, recomposição e direitos de isonomia para a categoria do serviço público, no que se refere aos aposentados. Nós não vamos deixar ninguém para trás. Nós vamos lutar por todo mundo que fez e faz parte do serviço público, seja ativo, aposentado ou pensionista. Os direitos devem ser iguais”.
Mande um recado para a classe trabalhadora.
A classe trabalhadora deve se entender como classe social. Entender que os seus direitos, as suas necessidades e os seus objetivos são diferentes das necessidades e objetivos da classe dominante, da burguesia. Por isso, há também, uma falsa impressão que servidores públicos são uma casta social, uma classe social acima do conjunto da classe trabalhadora. Na verdade, não! Nós somos trabalhadores iguais aos trabalhadores da iniciativa privada. A diferença é que nós exercemos o serviço público que o estado precisa oferecer de acordo com as suas prerrogativas constitucionais. Então, a classe trabalhadora tem que se unificar e enfrentar qualquer um que ataque seus direitos. Qualquer governo que tente tirar direitos da classe trabalhadora, para depois de conquistar esses direitos que tentam retirar, avançar na conquista de novos direitos. Forte abraço e vamos à luta”.
*Petrus Mafra é militante do Movimento Luta de Classes (MLC).