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quinta-feira, 21 de novembro de 2024

“Achei que o mundo ia acabar”: relatos de quando São Paulo queimou

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Na região de Ribeirão Preto (SP), 24 de agosto foi o início do pesadelo de queimadas que afeta boa parte do país. Saindo a campo, o jornal A Verdade colheu relatos sobre os acontecimentos daqueles dias, marcados pelo medo das chamas e pelas brigadas de solidariedade da UP.

Matheus Cândido | Ribeirão Preto (SP)


No dia 24 de agosto, uma espessa nuvem de fumaça tomou conta do interior paulista, especialmente na região de Ribeirão Preto. De acordo com especialistas, ela não se originou unicamente das queimadas no Pantanal e na Amazônia que ardem desde julho. Naquele momento, iniciou-se uma onda de incêndios também nas regiões interioranas de São Paulo.

Foram dias de medo e susto, mas também de muita solidariedade entre os trabalhadores. O jornal A Verdade esteve presente conversando com moradores de alguns bairros e cidades atingidas.

Trabalhadores rurais foram os mais afetados

No assentamento de trabalhadores rurais sem-terra Fazenda da Barra, próximo ao conjunto de bairros conhecido como complexo do Ribeirão Verde, visitamos a casa da dona Nívea, atingida duramente pela queimada. “O fogo veio muito forte, numa velocidade enorme, não tinha como apagar mesmo. O rapaz que estava aqui tentou apagar, mas a borracha que ele pegou queimou e ele saiu correndo”, ela lamenta.

Nívea relata que os trabalhadores rurais da região sofreram grandes perdas materiais por conta das queimadas. “Queimou muita ferramenta, maquinário de moer a palha para os cavalos, até o filtro de água aqui queimou. Morreram alguns animais, uma tartaruga, morreram dois cachorros, foi feio. Eu nunca tinha visto essa cena, foi a primeira vez. O fogo veio com força mesmo, esquentou até aqui perto da casa”, revela.

Outros moradores da Fazenda da Barra relataram diversos problemas, como fiação da rede elétrica danificada e derretimento das mangueiras das casas, interrompendo o abastecimento de água e energia do local. Assentados afirmam que os bombeiros foram até o local com pouca água no carro e não combateram o incêndio, acusando os próprios moradores de terem colocado fogo no terreno ao lado de suas próprias residências.

O testemunho ilustra o caráter excludente e violento do aparato de Estado para com o povo trabalhador e periférico, que acaba abandonado e caluniado pelo poder público em meio a uma grande emergência.

Já no bairro do Cristo Redentor, recebemos o relato de uma moradora chamada Clévia. “No sábado colocaram fogo aqui do lado, e eu já estava com a criança trancada dentro de casa, mas assim que eu vi a fumaça corri para a casa da minha irmã”. Ela continua: “Na sexta-feira o ar já estava muito poluído, então eu já estava trancada dentro de casa. Quando eu vi o fogo, eu vi a fumaça crescendo e começou a entrar fumaça pela porta, a rua aqui já não dava para enxergar nada, não dava para ver casa nenhuma.”

Ainda em outro bairro, a Reserva Macaúba, o jornal A Verdade conversou com “Mineiro”, que trabalha nos arredores. “Na sexta-feira (23/8), eu tava roçando um terreno às 17h30. Eu achei que o mundo estava começando a acabar naquele dia, porque eu puxava a respiração e não achava. Minha filha começou a ligar atrás de mim, então eu corri para casa, que era um quarteirão dali, entrei no chuveiro e tomei um banho de água fria. Você não via casa, nem apartamento, nada. Tampou o mundo de terra e poeira, eu realmente achei que o mundo estava acabando”, relembrou o trabalhador rural.

Dias de fogo e destruição

No domingo (25/8) pela manhã, o jornal A Verdade se encaminhou ao bairro Ribeirão Verde, conhecido em Ribeirão Preto por sofrer frequentemente com queimadas. Nosso jornal já havia recebido inúmeros relatos de fogo, e o cenário encontrado foi de destruição ambiental e grande risco para as famílias trabalhadoras do local e suas residências.

Esse cenário desolador se espalhou por diversas outras áreas do bairro que foram visitados pelos correspondentes do jornal entre o domingo e a quarta-feira (25/8 a 28/8) e também por outras cidades dos arredores.

Em Jardinópolis (SP), na região metropolitana de Ribeirão Preto, Cláudio Garcia, morador da cidade, deu seu depoimento ao jornal A Verdade. “A fumaça foi gigantesca, muito grande. Ficamos trancados dentro de casa por causa dela quase o dia inteiro. Você olhava para o céu e só via aquela nuvem escura de queimada”.

Cláudio conta que, ao se deslocar, viu os incêndios se alastrando por toda a região. “Para vir trabalhar, eu pego um ônibus que passa pela rodovia Anhanguera. Na segunda (26/8), na terça (27/8) e até hoje, quarta-feira (28/8), vi incêndios. Próximo à ponte do Rio Pardo, no sentido de quem vem de Jardinópolis ainda tem lugares pegando fogo”.

Frente a essa ameaça às vidas do povo trabalhador, a Unidade Popular pelo Socialismo (UP) e movimentos sociais aliados organizaram brigadas de solidariedade que levaram água potável (bairros inteiros ficaram sem água por mais de 2 dias), atendimento médico preliminar à população e doações aos mais necessitados. Na ação, também houve resgate de animais silvestres. A maioria daqueles que foram localizados já se encontravam mortos.

Agronegócio tem culpa

As queimadas na região de Ribeirão Preto, assim como em boa parte do interior de São Paulo, não são raridade. Geradas, em sua maior parte, pelo alto número de canaviais e pelo uso criminoso do fogo como forma de manejo do terreno, muitas vezes elas são “normalizadas” pelos meios de comunicação e elites locais.

Nesse sentido, os grandes culpados dos incêndios que se alastram e se espalham por todo o estado tem classe e tem nome: são o agronegócio, o abuso da monocultura da cana-de-açúcar e a busca incessante dos latifundiários pelo aumento de seus lucros, que, como revelam as cenas vistas pelo jornal A Verdade, colocam a vida e a saúde do povo de lado, pouco se importando com os riscos e os danos que podem causar.

Até o momento, mais de 34 mil hectares foram destruídos com essas queimadas. É o equivalente a 34 campos de futebol. O governador fascista do estado de São Paulo, Tarcisio de Freitas, disponibilizou 10 milhões de reais para as propriedades atingidas. Contudo, os critérios vagos indicam que a maior parte desse recursos tendo a ser direcionada para os grandes latifundiários, reis dos canaviais no interior paulista.

Enquanto isso, pouco se fala e faz pela saúde do povo afetado e pelas famílias que tiveram seus entes queridos assassinados pelo fogo do agronegócio. A quem ficou, restou apenas tosse, fuligem e cheiro de queimado.

Existe solução para o problema da terra

Como se o cenário de destruição para os trabalhadores não fosse o suficiente, há também o impacto ambiental das queimadas em Ribeirão Preto, ligado à economia da cana de açúcar, diz o biólogo Vinícius, que faz parte da Unidade Popular na cidade: “Já existem estudos que apontam que o solo da região da nossa região está em processo de desertificação. É um terreno em que praticamente só tem monocultura, mas onde havia antes Mata Atlântica. O bosque da cidade, por exemplo, não foi plantado, é mata nativa.”

“Nossa terra não foi feita para suportar toda essa cana, e a gente sente isso no clima. A cada ano que passa, fica pior e as pessoas desenvolvem mais problemas respiratórios”, continua o biólogo militante.

Em seu programa, a Unidade Popular defende uma “reforma agrária popular”, a “nacionalização da terra e fim do monopólio privado da terra”. Hoje, os pequenos e médios agricultores já produzem 70% dos alimentos que chegam à mesa do povo brasileiros, diz o IBGE – enquanto o agronegócio, como testemunhou o jornal A Verdade, traz morte, destruição, fogo e fumaça.

Somente no socialismo, reivindica a UP, quando o lucro não estiver acima dos interesses coletivos e da saúde, é que será possível combater as práticas criminosas com o fogo, que põem a vida dos trabalhadores e o próprio mundo em risco.

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