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segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Povo Guarani-Kaiowá resiste em Douradina (MS)

Em julho de 2024, o povo Guarani-Kaiowá retomou seu território em MS, enfrentando ataques armados de fazendeiros e milícias rurais. A luta Guarani-Kaiowá faz parte de uma resistência histórica contra o avanço do agronegócio.

Douglas Soares e Rafael Bittencourt | Mato Grosso do Sul (MS)


BRASIL – No dia 13 de julho deste ano, o povo Guarani-Kaiowá decidiu retomar seu território histórico na região de Douradina, Mato Grosso do Sul, após anos de espera pela demarcação da Terra Indígena Panambi Lagoa Rica. Esse é um longo processo de retomada e, desde 2011, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) publicou o Relatório de Identificação e Delimitação, que garantia 12 mil hectares para a demarcação.

No entanto, no dia seguinte à ação de ocupação das terras, ocorreu o primeiro ataque armado de fazendeiros e jagunços. As cenas foram aterrorizantes: veículos em alta velocidade perseguindo homens, mulheres e crianças. Os ataques não cessaram. Após o triste episódio, os ruralistas montaram um acampamento armado em frente à Retomada Yvy Ajere. Essa repressão contou com o apoio dos deputados fascistas Marcos Pollon e Rodolfo Nogueira (PL), além do Sargento Prates (PL), candidato a vereador em Dourados (MS) nestas eleições.

A área onde está localizado o acampamento da milícia rural pertence a Cleto Spessato, um ruralista conhecido pela Justiça sul-mato-grossense. Em 2015, Cleto foi acusado de pulverizar agrotóxicos sobre o Território Indígena Guyra Kambi’y, na região de Dourados. Apesar das imagens gravadas pelos indígenas, Cleto foi inocentado. Sua defesa alegou a pulverização de adubo foliar e não agrotóxico e que a aeronave agrícola aplicou o produto a pelo menos 12 metros de distância do território indígena. O caso demonstra, de forma didática, como o Judiciário opera em favor dos poderosos.  

Aos poucos, o acampamento da milícia rural começou a instituir um regime de terror psicológico. Refletores de alta potência iluminavam os indígenas durante toda a noite, enquanto fogos de artifício e tiros eram disparados. Além disso, várias caminhonetes, postas em linha, faziam acelerações constantes e acendiam os faróis, intensificando o clima de medo e intimidação. Esse cenário de terror se repetiu por dias seguidos. No dia 18 de julho, ocorreu o roubo de vários pertences e ferramentas dos indígenas.

A situação atingiu proporções inéditas em conflitos fundiários na região. Movimentos sociais, partidos e coletivos lançaram uma campanha de solidariedade. A Unidade Popular (UP) participou ativamente, ajudou na arrecadação de mantimentos e ofereceu apoio à resistência Guarani-Kaiowá, que, apesar dos ataques e provocações, demonstraram que a organização e a coragem são fundamentais para a luta.

Após a visita dos movimentos de solidariedade aos Guarani-Kaiowá, a milícia rural intensificou seus ataques. Iniciou-se uma nova fase de violência: no dia 02 de agosto, um ataque particularmente brutal resultou em feridos por balas de borracha e armas letais, com cerca de dez pessoas feridas, seis delas em estado grave.

Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), as agressões começaram logo após a saída de agentes da Força Nacional do local, que ameaçaram um dos indígenas antes de deixar a região: “pega teu povo e sai daqui ou vocês vão morrer”.

No dia seguinte, 03 de agosto, ocorreu um novo ataque entre o acampamento ruralista e a retomada Yvy Ajere. Os ruralistas avançaram à noite com caminhonetes, tratores e armas, atacando os indígenas. Este episódio foi ainda mais emblemático pela falta de ação da Força Nacional de Segurança presente no local, que permitiu os ataques livres e interviu apenas quando a violência escalou. Percebe-se, novamente, a quem o Estado burguês e seu aparato servem e obedecem. A ação foi gravada por pessoas presentes no local.

“Vão cavar covas aqui para jogar a gente tudo dentro. Pode fazer isso. Se querem Guarani e Kaiowá fora daqui, matem a gente. Enterrem aqui e aí podem plantar soja por cima. Essa é a vontade do Governo? Isso que quer a Justiça? Então façam isso logo, matem a gente tudo. Jagunçada atira na gente, destrói o pouco que temos e a Força Nacional só olha, Governo vem aqui e não faz nada. Saiam daqui, desgraçados! É a nossa terra e tão caçando a gente feito animal. Só quero fazer saber que vamos morrer aqui”, declarou um indígena.

Além da inação da Força Nacional de Segurança, outro episódio peculiar foi o cerco realizado pelo Departamento de Operações de Fronteira (DOF). Durante a visita dos movimentos sociais, os agentes abordaram os participantes nas estradas vicinais que ligam a região. Eles fotografaram documentos de identificação e placas de veículos, além de questionarem o grau de parentesco dos ocupantes, suas atividades no local, ocupações e organizações. Coletaram informações sobre a retomada, como o número de pessoas presentes, lideranças, e se mais apoiadores ou indígenas pretendem se dirigir ao local.

A situação mais grave envolveu integrantes do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST). Os policiais do DOF informaram que todos seriam autuados por invasão de propriedade, além de terem sido submetidos a um interrogatório improvisado na estrada de terra. Não é a primeira vez que o DOF serve como uma milícia aos latifundiários da região.

Poucos dias depois, o acampamento Esperança, do MST, em Dourados, próximo à região de Douradina, onde vivem cerca de 300 famílias acampadas, foi atacado por homens em dez caminhonetes e duas motos, que atearam fogo ao redor do acampamento. O ato criminoso é uma retaliação pela solidariedade aos Guarani-Kaiowá.

Já no início deste mês de setembro, mesmo com a presença de um maior contingente da Força Nacional, os ataques à retomada continuaram de forma “silenciosa”, com ameaças veladas e envenenamento de água.

Histórico

Em 1943, a criação da Colônia Agrícola Federal de Dourados sinalizou a marcha colonial para o oeste e prometeu se estabelecer somente em áreas não habitadas por indígenas. No entanto, essa promessa não foi cumprida e resultou na expulsão dos indígenas. Nas décadas seguintes, as áreas ocupadas pelos colonos passaram por intenso desmatamento. Com a chegada da mecanização da agricultura e o avanço do cultivo de soja na região, a mão de obra indígena também foi dispensada. Jogados à própria sorte, sem suas terras e sem meios de subsistência, os Guarani-Kaiowá resistem há anos a um projeto de genocídio continuado.

Os últimos acontecimentos demonstram o constatado há muitos anos no Mato Grosso do Sul e em todo o Brasil: os aparelhos do Estado servem aos burgueses e latifundiários. Não podemos ter ilusões com o Governo Federal de centro-esquerda, que tem demonstrado, cada vez mais suas limitações e retrocessos. Somente o povo organizado pode salvar o povo. Temos muito a aprender com os Guarani-Kaiowá. Organizar, lutar e avançar!

Matéria publicada na edição impressa nº299 do jornal A Verdade

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