Manifestação ocorrida em 14 de setembro lembrou da luta de 4 anos por justiça para luso-angolana vítima de violência policial em Portugal. Cláudia Simões foi condenada à prisão pelo judiciário português enquanto que os policiais que foram seus agressores foram absolvidos.
Marina Formighieri | Lisboa, Portugal
INTERNACIONAL – No dia 14 de setembro ocorreu em Lisboa, Portugal, uma manifestação com centenas de pessoas clamando Justiça por Cláudia Simões e por diversas vítimas da violência racial do estado português. Militantes da Unidade Popular pelo Socialismo se juntaram a diversas organizações antirracistas, movimentos sociais e pessoas de diversas categorias da sociedade que se revoltaram com mais um caso de racismo, xenofobia e violência policial que é acobertado de maneira covarde pelo sistema judiciário, suplicando mais igualdade racial, fim das prisões violentas, da xenofobia e da brutalidade policial no país.
O caso de violência ocorreu em 19 de janeiro de 2020, quando Cláudia Simões, mulher luso-angolana e moradora do bairro Amadora, em Lisboa, ao levar a filha de oito anos para a escola e perceber que a mesma havia esquecido o cartão de transporte de ônibus entrou em conflito com o motorista do veículo, que mesmo após Cláudia relatar que o filho traria o cartão da menina na paragem de destino, foi a rua chamar a polícia.
O policial Carlos Canha, apesar de estar uniformizado, já estava fora do horário de serviço e mesmo assim se dirigiu para atender ao chamado do motorista de ônibus junto de outros dois agentes da polícia. A abordagem de Carlos Canha foi completamente fora das proporções, o agente violentou Cláudia Simões, jogando-a no chão de barriga para cima e enforcando-a, segundo testemunhas que passavam no local. Cláudia, em frente à filha e na tentativa de se defender mordia o agente, tendo consciência de que se o mesmo continuasse a enforcá-la, a mataria. Os dois agentes em serviço não interferiram na abordagem violenta do policial Carlos Canha.
Cláudia, além da imobilização e da violência sofrida no local, alegou ter sofrido violências e insultos a caminho da delegacia. Na viatura, os dois policiais em serviço nada fizeram enquanto Cláudia era agredida com socos, ofensas e puxões de cabelo no banco de trás pelo policial Carlos Canha, o qual nem deveria estar na viatura e muito menos atendo a ocorrências haja visto que não estava em serviço.
O racismo português institucionalizado
Mesmo com vídeos retratando a violência sofrida por Cláudia, laudos médicos e relatos de testemunhas, o Ministério Público (MP) considerou Cláudia nas posições de vítima e ré ao mesmo tempo, em decorrência das mordidas que deu em Carlos Canha em sua defesa, ao ser enforcada e imobilizada com um mata-leão. Os três policiais foram acusados no mesmo processo em decorrência da prisão ilegal e das violências que Cláudia sofreu.
Entretanto, após quatro anos de luta nas ruas, nos tribunais e de um processo longo de revitimização da vítima, o Tribunal Judicial de Sintra condenou Cláudia Simões por “ofensa a integridade física qualificada” aplicando-lhe uma pena de oito meses de prisão por morder o policial Carlos Canha, e inocentou o policial fora de serviço em relação às suas ações para com Cláudia Simões, condenando o mesmo a três anos de prisão apenas por “violentar” e “sequestrar” outros dois homens, Quintino Gomes e Ricardo Botelho, que foram levados a delegacia de polícia. Os dois outros policiais que participaram da abordagem, acusados de abuso de poder por não impedir os abusos de Canha, foram inocentados. Ambos os processos de condenação foram suspensos na execução.
As sentenças apresentadas no Tribunal Judicial de Sintra só evidenciam o que todas as pessoas racializadas que vivem em Portugal já sabem, o estado português constantemente ameniza a violência policial e racial e perpetua a segregação racial por todo o país. As manifestações que ocorrem no país por justiça a Cláudia Simões são também apelos por milhares de trabalhadores e trabalhadoras que habitam e constroem o país e que são constantemente marginalizados e violentados por um estado que se aproveita do seu esforço.
Na manifestação do último sábado (14), que saiu em marcha em frente ao Estabelecimento Prisional de Lisboa rumo a Praça da Martim Moniz, realizou-se ainda uma homenagem e apelo em memória de Danijoy Pontes e Daniel Rodrigues, vítimas do sistema carcerário violento, que morreram em 2021 no Estabelecimento Prisional de Lisboa, com poucos minutos de diferença entre os óbitos. Os jovens tiveram suas mortes consideradas naturais, apesar de nunca terem apresentado problemas sérios de saúde e de em seus obituários existirem várias divergências, suas mães, familiares e amigos lutam por justiça e por uma investigação criteriosa.
A herança colonialista e o racismo estrutural
A resposta do estado português frente ao avanço do racismo e da xenofobia não só é insuficiente como demonstra a passibilidade do mesmo dentro dos espaços de poder do país. É urgente e necessário organizar o povo na luta antirracista e constranger o sistema judiciário, de segurança e legislativo a não só parar com as violências como garantir às pessoas vítimas de racismo direitos iguais e uma vida justa, sem exploração.
Não é de se surpreender que os aparelhos da burguesia que utilizam do estado português se aproveitem das violências raciais e do racismo estrutural para continuar lucrando e explorando as massas de trabalhadores e trabalhadoras negras. Sua história de enriquecimento baseada na escravização dos povos africanos e do tráfico humano é uma cicatriz aberta na África.
Portugal, responsável por colonizar Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe foi responsável por traficar ao menos 5,8 milhões de africanos somente para o Brasil (segundo a Blend, 2023), sem considerar o número de pessoas escravizadas levadas ao país europeu. A brutalidade que acompanha a história da riqueza de Portugal se contrasta com o seu histórico silêncio. Vergonhosamente, somente em 2024 Portugal assumiu a sua responsabilidade histórica com a escravidão e a colonização, o estado fala em “reparação” sem muitos detalhes, mostrando um discurso esvaziado.
Somente a luta dos povos é capaz de superar as contradições impostas por esse sistema opressor que se renova a cada século com tamanha crueldade. Tal qual a luta pela libertação das colônias portuguesas na África que ocorreram em meados de 1975, é preciso entender que para vencer o racismo precisamos derrubar o sistema capitalista, honrando aqueles que deram a sua vida pelos povos livres da África como o grande revolucionário marxista-leninista Amílcar Cabral.