A Campanha Nacional de Alfabetização de 1961 em Cuba foi possível graças ao esforço de 271 mil educadores voluntários – sendo 121 mil alfabetizadores.
Julia Andrade Ew | Florianópolis (SC)
“Cuba, Cuba! Estudo, trabalho e fuzil! Lápis, cartilha, manual, alfabetizar, alfabetizar: Venceremos!”. Assim cantavam os jovens alfabetizadores cubanos que se somavam aos milhares a uma das façanhas mais incríveis realizadas pela primeira revolução socialista da América Latina. O ano era 1961: a jovem revolução, que já tinha derrotado a ditadura de Fulgêncio Batista, implementado a reforma agrária e urbana e nacionalizado a grande indústria, precisava agora enfrentar uma das chagas mais tristes da miséria: o Analfabetismo.
Ainda em 1960, Fidel Castro convoca o povo cubano para somar-se às tarefas centrais do ano seguinte: a defesa da revolução contra os ataques do imperialismo norte-americano e a erradicação do analfabetismo. Para ele, uma educação revolucionária é condição para uma profunda defesa da revolução e da liberdade de um povo. O governo revolucionário prepara e disponibiliza as armas para a luta contra o analfabetismo: um manual para os jovens professores, chamado “Alfabetizemos!”, com orientações sobre didática, sobre vida coletiva (solidariedade, disciplina, humildade), formação político-ideológica e militar. A contracapa dizia que uma escola não é um prédio, mas a relação profunda entre professores e alunos, em qualquer lugar, até mesmo debaixo de uma árvore. Esse manual era acompanhado por um documento de alfabetização matemática, voltada para o desenvolvimento da economia nacional, cujo lema era “Produzir, economizar e organizar”.
A outra arma era uma cartilha chamada “Venceremos!”, com exercícios para a alfabetização dos trabalhadores. Essa cartilha trazia elementos da realidade e interesse dos trabalhadores mais simples, como a reforma agrária. Já no dia 1° de janeiro de 1961, é oficialmente iniciada a campanha por meio de turmas de alfabetizadores voluntários que passaram por treinamento para cumprir a tarefa. Em fevereiro, 200 alfabetizadores são enviados para a Ciénaga de Zapata e, em março, 640 para a serra do Escambray, um dos territórios mais visados pela infiltração da CIA, a Agência Central de Inteligência dos EUA.
Estudar e lutar, lutar e estudar
Para cumprir com a tarefa da alfabetização nos lugares mais rurais de Cuba era necessário enfrentar um grande desafio: o banditismo contrarrevolucionário. Em janeiro de 1961, o governo de John F. Kennedy anunciou o rompimento das relações dos Estados Unidos com Cuba, e aprofundou seguiu com a política adotada, desde 1959, de financiar bandos terroristas armados que buscavam derrotar o governo revolucionário ocupando partes do território e espalhando medo no povo por meio de assassinatos, incêndios de vilarejos, escolas e demais ações de criminosas de sabotagem. No dia 05 de janeiro de 1961, um desses bandos assassina brutalmente um alfabetizador de apenas 18 anos: Conrado Benítez era um jovem negro, de origem muito humilde, e foi assassinado por cometer o crime de ensinar camponeses pobres a ler e escrever. Fidel pronuncia um discurso dizendo que este professor seguirá como professor mesmo depois de morto, e oficializa as Brigadas Conrado Benítez de Alfabetização, às quais mais de 100 mil jovens estudantes se incorporam voluntariamente.
Os bandos contrarrevolucionários assassinaram mais de 200 pessoas inocentes, dentre elas, o Brigadista Manuel Ascunce Domenech, professor de apenas 16 anos, que fazia parte da Associação de Jovens Rebeldes (AJR) e tinha, em abril daquele ano, ocupado sua escola com outros estudantes para defendê-la de ataques mercenários. Manuel e Pedro Lantigua, camponeses que estavam sendo alfabetizados pelo jovem, foram torturados e enforcados com arames farpados na serra do Escambray. A verdade é que a educação e a cultura eram inimigas da CIA. Nessa dura condição, professores, exército revolucionário, milícias revolucionárias e o povo em geral eram um só na defesa da educação e da pátria. Os operários e guerrilheiros foram convocados a reforçar a campanha de alfabetização. “É possível que nenhuma força militar na história do mundo tenha levado, juntas, estas duas ferramentas: seu fuzil e sua cartilha de alfabetização”, declara Fidel.
O papel da juventude
Silvio Rodriguez, um dos maiores nomes da música cubana, conta sua experiência como alfabetizador no documentário “Mi primera tarea”. Silvio saiu de casa para alfabetizar em outra província com apenas 14 anos: “Foi a primeira vez que participei de uma tarefa social, de algo para o meu país”. A maioria dos alfabetizadores da brigada Conrado Benítez tinha entre 13 e 17 anos. Saíam de suas casas para viver com os camponeses em outras províncias, participavam da jornada de trabalho no campo durante o dia, para alfabetizar no turno da noite. O símbolo dessas brigadas era um lampião, visto que a maior parte dos locais de estudo, em áreas rurais remotas, não tinha eletricidade.
Os jovens, que foram para os rincões mais afastados do país para ensinar, acabaram sendo os que mais aprenderam. Conheceram a vida do povo simples do campo, aprenderam a plantar e a colher, e muitos tiveram a oportunidade de alfabetizar seus heróis, os trabalhadores que lutavam nos pelotões em Playa Girón contra a invasão organizada pelos EUA ou nas milícias revolucionárias nas montanhas para libertar Cuba da exploração imperialista.
E como foi possível essa epopeia? Silvio afirma que a revolução fez algo simples: pediu aos estudantes secundaristas que se privassem de um ano de sua escola para ajudar os que não sabiam. “Os jovens são ávidos por viver tarefas grandes, nobres, que os façam crescer. Quando os jovens se metem em miséria é porque não há grandeza à vista, mas se há grandeza, ali eles vão!”.
Território livre do analfabetismo!
No dia 05 de novembro de 1961, a cidade de Melena del Sur foi a primeira a erradicar 100% do analfabetismo. No evento de celebração e levantamento da bandeira da alfabetização na cidade, Fidel afirma para os alfabetizadores: “Vocês já terminaram aqui? Pois bem, imediatamente reforcem outros municípios. Isso é como a guerra. Uma unidade tomou posição e imediatamente leva suas forças para onde a batalha é mais dura!”. E, assim, cidade após cidade, ia levantando a bandeira de “Território Livre do Analfabetismo”.
Cartas e mais cartas chegavam a Havana, capital do país, enviadas por gente muito simples, que, finalmente, poderia se expressar por meio da escrita. “Ler é emocionante!”, afirmou Joaquim, camponês alfabetizado durante o ano de 1961. Maria Manuela, camponesa, mãe de quatro filhos, afirmou: “Não tenho com o que pagar isso que agora a revolução faz por mim, mas, se necessário, eu também serei alfabetizadora, quando saiba o bastante!”. “Há muito trabalho no campo. É preciso sacrificar o sono para estudar. Mas não importa. Quando eu deixar de ser analfabeto, me tornarei alfabetizador voluntário lá nos arrozais!”, afirmou Miguel Figeredo, camponês que abrigou um brigadista em sua casa.
Finalmente, no dia 22 de dezembro de 1961, Fidel pronunciou um discurso na Praça da Revolução, em Havana, anunciando a vitória na batalha contra o analfabetismo para milhares de alfabetizadores e alfabetizados que vinham de todos os cantos do país. Uma vitória que foi fruto do trabalho coletivo e da ampla mobilização das massas! Graças ao esforço de 271 mil educadores voluntários – sendo 121 mil alfabetizadores populares; 100 mil brigadistas Conrado Benítez; 15 mil brigadistas Patria o Muerte (brigada de operários) e outros 35 mil professores voluntários –, 707.212 pessoas aprenderam a ler e a escrever. Para efeito de comparação: em 1961, o índice de analfabetismo no Brasil era de 50,5% e na Bolívia de 67,9%. Cuba foi o primeiro país das Américas a se ver livre do analfabetismo!
Que belo exemplo de disposição para trabalhar pelo bem comum da humanidade! Aquela juventude que, voluntariamente, enfrentou duras viagens nas serras, banditismo armado, perseguições, medo, cansaço, o assassinato de nove companheiros brigadistas alfabetizadores e cumpriu corajosamente sua tarefa revolucionária, não se acomodou com a façanha realizada e foi à Praça da Revolução não para pedir prêmios ou descanso, mas para afirmar unânime e cheia de vontade: “Fidel, diga-nos agora que outra coisa temos que fazer!”.
Fontes:
- Documentário “Mi Primera Tarea”
- En Marcha Con Fidel – 1961, de Antonio Núñez Jiménez
- Campaña Nacional de Alfabetización: Ecured.cu
- Protagonismo e processos formativos: um estudo de caso da alfabetização em Cuba (1961). Melo, Amaral e Colombo, 2022.
*Matéria publicada na edição impressa nº 301 do jornal A Verdade