A creche e a revolução

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“Fazer a mulher participar do trabalho produtivo social, libertando-a da escravidão doméstica, libertando-a do jugo bruto e humilhante, eterno e exclusivo, da cozinha e do quarto dos filhos, eis a tarefa principal. Esta luta será longa. Exige uma transformação radical da técnica e dos costumes. Mas levará finalmente à vitória completa do comunismo”.  (V. I. Lênin)

Comissão de Creche de São Paulo*


A conjuntura em que estamos vivendo, de crise do sistema capitalista e de avanço do imperialismo e do fascismo no mundo, impõe a nós, comunistas, a urgência de crescer nossa influência na classe trabalhadora, em especial, entre as mulheres. No entanto, só alcançaremos esse objetivo se dermos atenção ao fato de que a maioria das mulheres trabalhadoras é mãe e que, na sociedade atual, as tarefas ligadas à criação dos filhos recaem sobre os ombros das mulheres, pois a maternidade não é amparada pelo Estado burguês.

Em consequência, as mulheres mães, mesmo as que tomaram essa decisão consciente, são responsáveis por uma carga de trabalho doméstico gigantesca (10,4 horas semanais a mais que os homens) e, na maioria das vezes, solitária. Levar e pegar as crianças na escola, cozinhar, arrumar a casa, lavar roupa, comprar, planejar, levar o filho ao médico, etc., é quase tudo realizado pelas mulheres que são mães.

As mulheres ainda são encarregadas do cuidado com os doentes e os idosos. Por isso, as mulheres têm mais dificuldades de participar de uma reunião ou manifestação, por exemplo, do que os homens.

Portanto, quando estamos diante de mães que atuam nos movimentos ou no partido, precisamos levar tudo isso em consideração, precisamos ter empatia, ajudá-las e apoiá-las, garantir as condições concretas para que possa participar da melhor maneira possível.

Isso significa que a plena participação da mãe militante em nossas atividades orgânicas e de massas é uma tarefa política do coletivo, que deve, antecipadamente, discutir e preparar as condições práticas para termos a companheira sempre presente. Não se trata de resolver o problema de uma reunião apenas, pois as mães são mães a vida inteira e a maternidade não pode ser uma contradição para as mulheres se tornarem militantes dos nossos movimentos, dos sindicatos e, inclusive, exercer o papel de dirigentes.

A importância da creche

Uma das formas de apoiar a plena participação das mães militantes em nossas atividades é a creche. Ter creches organizadas por nós, levando em conta não apenas a necessidade das mães, mas também o bem-estar das crianças, é a principal medida para ampliarmos a participação das mães.

No entanto, é comum uma militante pedir ou perguntar se haverá creche na atividade, quando, na verdade, o coletivo deveria ter consciência de que a creche é uma necessidade e, assim, tomar a iniciativa.

Muitas mães, criadas na lógica do individualismo, pensam que seus filhos são um fardo para o coletivo, que vão dar trabalho, que a obrigação é dela, afinal, ela que quis ter filhos e tem vergonha de levantar a questão. Mas, nós, revolucionários, não podemos pensar dessa maneira.

De fato, numa sociedade egoísta, a criação de uma criança é um peso individual; já numa sociedade socialista, a criação de uma criança passa por responsabilidades coletivas na alimentação, educação (de qualidade e perto do local de trabalho da mãe), etc.

Esta era a realidade da União Soviética, em que, a cada três horas de jornada de trabalho, a mãe tinha 45 minutos para ir à creche amamentar seu filho, como relata Alexandra Kollontai em “O Comunismo e a Família”: “Já existem casas para as crianças em fase de amamentação, creches, jardins de infância, colônias e lares para crianças, enfermarias e postos de saúde para os doentes ou que precisam de cuidado especial, restaurantes, refeitórios gratuitos, roupas e calçados para as crianças dos estabelecimentos de ensino. Tudo isso não demonstra suficientemente que a criança sai do marco estreito da família, passando o peso de sua criação e educação dos pais à coletividade?”.

Coletivizar o cuidado

Além disso, é imprescindível compreender a criança como um indivíduo, um ser humano que tem direitos, vontades, capacidade de se comunicar, criticar, pensar, tudo fase de formação, e que precisa da ajuda dos adultos para se desenvolver. Assim, respeitar a criança e auxiliá-la a desenvolver o entendimento da autonomia sobre seu corpo, com pequenos gestos (como pedir licença ao fazer a higiene na criança), são fundamentais.

Claro que na função de ajudar a criança a se desenvolver não vamos deixá-la “fazer tudo que quer”, porque, efetivamente, ela ainda é um ser em formação. Por exemplo, não vamos deixar de dar banho porque a criança está se colocando contra, mas temos que conversar, explicar, usar recursos lúdicos, cantar, comunicar de forma que ela entenda. Antes de anunciar o que vai ser feito, precisamos conversar com as crianças, explicar cada coisa que estamos fazendo. Enfim, elevar nossa consciência para respeitar as crianças como seres humanos e com direitos é uma imposição da nossa realidade atual.

Nesse sentido, a creche não pode ser um “puxadinho” das nossas reuniões, mas sim um espaço pensado para alguém que tem o direito de estar ali, e ter um momento prazeroso, educativo e também político, pois nosso objetivo é educar nossas crianças com a ideologia da nossa classe. Assim, antes de organizar a creche, temos que debater esse espaço enquanto um lugar que é um direito da criança e da mãe.

Lembremos ainda que, desde a primeira infância, as crianças são bombardeadas com diversas propagandas e desenhos infantis que promovem e exaltam a ideologia burguesa e, como disse Paulo Freire: “Educar é um ato político. Ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com os outros de forma neutra”.

O que propomos

Quando organizamos uma creche, é necessário levarmos em consideração as especificidades das crianças, sua faixa etária, e preparar os encontros pensando previamente nas atividades que serão realizadas. Em um encontro de lideranças indígenas, por exemplo, por que não fazer uma creche colocando músicas dos artistas originários e desmistificar a ideia racista de “índio”? Pode-se pegar o mapa do território e descobrir com as crianças quais são as terras originárias ou falar de indígenas em contextos urbanos. Assim, constrói-se terreno para que a retomada e a demarcação de terras seja um assunto presente na vida da criança.

Bola é brinquedo de menino e panela é brinquedo de menina? Para nós, não! Então, na creche, ensina-se a brincar com a bola em diversos jogos para que todos tenham familiaridade com a dinâmica e se entenda que brinquedo é de criança, independente se é menina ou menino.

Numa atividade do Movimento de Mulheres Olga Benario, na creche, pode-se perguntar às crianças o que elas pensam da divisão de brinquedos de menina e de menino, levantando repertório para identificar quais assuntos precisam ser aprofundados com o objetivo de quebrar estereótipos de gênero.

Camaradas, de forma alguma cuidar de uma criança deve ser visto como uma atividade menor, porque estamos contribuindo para formar nossas crianças segundo os princípios do comunismo e da nossa organização. As creches em nossas atividades e reuniões são tão políticas quanto as atividades em si e coletivizar o cuidado das crianças é também uma tarefa da revolução!

Por fim, apresentamos algumas orientações para o cuidado dos filhos e filhas dos e das nossas camaradas:

– Escolher com antecedência os e as camaradas que ficarão com a tarefa dos cuidados das crianças.

– Garantir os horários de alimentação das crianças, independentemente dos horários da reunião.

– Sempre oferecer água às crianças.

– As brincadeiras e atividades devem ser preparadas com antecedência.

– Levar materiais de recreação para as atividades, sabendo separar por faixa etária (bebês, crianças menores, crianças a partir dos 8 anos, etc.), pois, para cada uma, existem interesses diferentes).

– Orientar os(as) camaradas responsáveis a verificarem a fralda das crianças pequenas.

– Em nossas ocupações, devemos garantir brinquedotecas.

– Muitas vezes, deixamos as crianças direto na tela do computador, do tablet ou do celular, mas as telas prejudicam o desenvolvimento das crianças, em especial, as pequenas. Portanto, devemos evitar este recurso!

Para avançarmos nesse trabalho, publicaremos, posteriormente, outros textos sobre o tema no site do jornal A Verdade.

Se nos empenharmos nessa tarefa, com certeza, as crianças terão seu direito respeitado e criaremos melhores condições para formarmos muitas mulheres revolucionárias.

*Esse texto foi escrito por várias mãos com o objetivo de contribuir no avanço do nosso trabalho entre as mulheres trabalhadoras e o cuidado coletivo com seus filhos.

Matéria publicada na edição impressa nº 301 do jornal A Verdade