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quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Apagões de energia são consequência da privatização

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Péssimo serviço da Enel deixa milhões sem luz em São Paulo. Em entrevista ao jornal A Verdade, economista Paulo Kliass indica que reestatização, fim do Arcabouço Fiscal e investimento massivo em infraestrutura podem ser caminho para enfrentar descaso da empresa privatizada

Guilherme Arruda | São Paulo (SP)


Nos últimos meses, a população de São Paulo sofreu com uma série de apagões causados pelo descaso da Enel, empresa privatizada que fornece serviços de energia elétrica. Em novembro de 2023, cerca de 4 milhões de pessoas da capital paulista ficaram sem luz. Desde o início de março, regiões do Centro voltaram a sofrer com apagões, chegando a ficar cinco dias sem luz. No extremo sul da cidade, a luz ainda não foi totalmente reestabelecida em alguns bairros, que continuam no escuro.

“Aqui no Jardim Varginha e no Jardim São Bernardo, estamos enfrentando diariamente queda de energia entre as 18h e 20h. No bairro aqui do lado, no Itajaí, chegou a ficar das 17h às 06h do dia seguinte. Já perdemos eletrodomésticos e a Enel não se responsabilizada por nada. O canal de atendimento é péssimo e só dão previsões que não são cumpridas. Isso aconteceu o mês de dezembro inteiro e parte de fevereiro. Nas mídias, só estão noticiando a situação do Centro. O Estado nunca olha para o que os extremos passam”, relata Victor Brito, morador do extremo sul paulistano.

Para entender mais sobre a causa dos apagões e a relação da falta de luz com a privatização da distribuição de eletricidade na maior cidade do país, conversamos com Paulo Kliass, doutor em Economia e membro da Carreira de Especialista em Políticas Públicas do serviço público federal. Ele defende a reestatização da Enel para enfrentar o desrespeito da empresa com a população.

Luz deve ser bem público

No Brasil, o fornecimento de energia elétrica começou com a chegada de empresas de países imperialistas com interesses econômicos em nosso país, como a canadense Light, presente em São Paulo e no Rio de Janeiro. Kliass lembra que o povo brasileiro sempre lutou pelo caráter público dos serviços de energia.

“Às vésperas do golpe de 1964, as forças conservadoras articulavam-se contra os progressistas também devido à estatização da Companhia de Energia Elétrica (CEE), filial da multinacional norte-americana Bond & Share, pelo governador gaúcho Leonel Brizola, que gerou um debate nacional”, ele explica. Por conta da ação, o jornal norte-americano Washington Post afirmou que Brizola era um “candidato a Fidel Castro” que transformaria o Brasil em uma nova Cuba.

Nessa mesma época, o presidente João Goulart criou a Eletrobrás, uma empresa estatal que coordenaria as empresas locais de distribuição de energia. A partir daí, o fornecimento de energia funcionou num sistema público e estatal, com o Governo Federal controlando as empresas estaduais, contando, às vezes, com a participação dos governos locais na gestão dessas empresas. Nessa época, houve uma grande expansão do número de pessoas que recebiam luz em suas casas.

Porém, na década de 1990, aconteceu a transferência do patrimônio e das ações de empresas públicas de vários setores, como o da energia, para mãos privadas. Isso começou com o presidente Fernando Collor e continuou com o presidente Fernando Henrique Cardoso.

Em São Paulo, a Eletropaulo, empresa pública que prestou esse serviço por décadas, foi privatizada em 2001. Depois, em 2018, foi vendida para a Enel, empresa de origem italiana que é um congolomerado de acionistas do mercado financeiro. Desde então, as denúncias de queda de energia que duram vários dias e da dificuldade de receber assistência técnica se multiplicam. Além disso, ano após ano, a Enel impõe aumentos na conta de luz que pesam cada vez mais no bolso das famílias trabalhadoras.

Durante o governo fascista de Bolsonaro, a situação piorou. “Quando Paulo Guedes assumiu como superministro da Economia, no início do governo, e mesmo na época de campanha, ele tinha uma promessa: privatizar 100% das empresas estatais no Brasil”, relembra Kliass. Uma das empresas privatizadas durante seu governo foi a Eletrobrás.

“Na hora que se privatiza, muda o espírito do empreendimento. O capital privado não está preocupado com o atendimento à população. Ele só está pensando na rentabilidade, e isso significa reduzir despesas e aumentar receitas”, afirma o economista. Em outras palavras, encarecer a conta e piorar a qualidade do serviço, como tem acontecido em São Paulo.

“Os únicos beneficiados pela privatização foram as empresas, os grupos econômico-financeiros que participaram desse processo e adquiriram patrimônio público estratégico e rentável a preços baixos. Os grandes prejudicados foram as famílias, que viram uma queda na qualidade do serviço e um aumento desproporcional das tarifas”, denuncia.

Agências não regulam

Quando as privatizações foram feitas nos anos 1990, o governo criou a Aneel, uma agência que deveria fiscalizar e regular as empresas que assumiram os serviços de energia. Porém, o que se viu desde então foi a “captura” da agência reguladora pelos interesses privados. “As empresas reguladas estabeleceram uma estratégia de influenciar a cabeça dos dirigentes dessa agência”, explica Kliass.

Em casos de apagão, a Aneel poderia impor multas pesadas e outras penalidades sobre a empresa privatizada, inclusive cassar o direito da empresa de continuar operando, mas há uma complacência das direções, que não fazem valer o poder que a lei lhes oferece.

Hoje, quando os contratos estão acabando, em vez de os governos ameaçarem a retirada da concessão caso as empresas não melhorem os serviços, “sempre ocorre um arranjo político, comercial e econômico para dar continuidade ao processo de concessão”, denuncia.

Solução é reestatizar a Enel

Ao jornal A Verdade, Kliass explica que dois caminhos são possíveis para retirar o serviço público de energia das mãos privadas, no caso da Enel, em São Paulo: a intervenção e a reestatização.

Na intervenção, o governo nomeia novos diretores para a empresa. “O governo pode dizer ‘vocês não são mais responsáveis porque vocês não foram competentes o suficiente para tocar o serviço de energia de acordo com o esperado’ e, por um período, nomear outras pessoas para serem uma diretoria sob intervenção”.

“Essa nova diretoria pode tomar medidas preventivas para melhorar a qualidade do serviço e anunciar que vai ficar um tempo sem remunerar o acionista capitalista, porque a prioridade é a oferta de serviço público para a população”. E continua: “Se o governo tivesse feito isso nas primeiras situações em que essa crise energética se concretizou, provavelmente a gente já teria outro realidade”.

Já na estatização, a empresa que presta o serviço de energia sairia de vez da mão dos empresários estrangeiros e voltaria a ser pública. “Se a empresa fosse estatizada, muito provavelmente teríamos as condições de recuperar o processo histórico de expansão da rede de geração e transmissão de eletricidade que existia quando o serviço era bem feito, nas mãos do Estado”, opina Paulo Kliass. Isso aconteceria porque os recursos gerados, que hoje são apropriados na forma de lucro pelos acionistas, seriam reinvestidos.

Nesse sentido, intervir ou estatizar seriam um primeiro passo para devolver a energia para as mãos do povo, mas não o suficiente, lembra o economista. Kliass afirma que são necessários novos investimentos. “A realidade do complexo de energia elétrica no Brasil é que ele exige muito investimento, e a tradição brasileira é que esse tipo de investimento em infraestrutura seja pesadamente capitaneado pelo Estado. Mas, para recuperar esse investimento público, precisamos mudar o Arcabouço Fiscal, mudar essa mentalidade de Déficit Zero”, aponta.

São vários os países que estão realizando reestatizações para resolver o problema da precarização dos serviços públicos, como apontamos na matéria É possível reestatizar as empresas brasileiras privatizadas” (A Verdade, nº 267). “É o caso da água na França, na Espanha e na Itália, porque o serviço do setor privado não estava correspondendo àquilo que se esperava”, diz Kliass.

Sabesp e transportes em risco

Apesar do escancaramento da crise da Enel em São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) desenvolve uma investida para privatizar também a Sabesp, empresa pública que fornece serviços de água e esgoto, e o Metrô e a CPTM, na área dos transportes.

Mas o povo paulista já demonstrou que está insatisfeito com o serviço privatizado de energia e que não quer mais privatizações em nenhum serviço público. Nos últimos meses, os movimentos sociais e a Unidade Popular (UP) se engajaram na luta contra as intenções privatistas de Tarcísio. Agora, com a volta dos apagões, a UP lança a palavra de ordem “Enel reestatizada já!” e convoca os trabalhadores a participarem desta campanha.

Matéria originalmente publicada na edição impressa nº 289 do jornal A Verdade, na 1ª quinzena de abril de 2024

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