Em editoriais de grandes jornais em circulação, é frequente a discussão sobre a suposta “ineficiência das empresas públicas” e privatização de estatais. Contudo, a eficiência dessas empresas não deve ser avaliada com base em sua habilidade de gerar lucros, mas sim em sua capacidade de promover externalidades positivas, como o desenvolvimento econômico, a redução da desigualdade social e a defesa da soberania nacional.
João Pedro Souza | Redação PE
BRASIL – A privatização de empresas estatais no Brasil ganhou força com o advento das políticas neoliberais, que começaram a ser implementadas no país na década de 1990, sob a justificativa de modernizar a economia, atrair investimentos estrangeiros e reduzir o papel do Estado. Essa virada ideológica ocorreu no contexto da globalização e da pressão internacional por reformas econômicas, capitaneada por instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. Governos de diferentes países latino-americanos, inclusive o Brasil, passaram a adotar o receituário neoliberal, que defendia a liberalização do mercado, a desregulamentação e a privatização de setores estratégicos da economia.
No Brasil, esse movimento tomou impulso principalmente durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), com o Programa Nacional de Desestatização (PND). Empresas estatais de grande relevância, como a Companhia Vale do Rio Doce e a Telebrás, foram vendidas sob a justificativa de que o Estado era ineficiente em sua gestão e que a iniciativa privada seria capaz de dinamizar a economia e modernizar os serviços. O discurso amplamente difundido na época exaltava a eficiência do setor privado e minimizava o papel das empresas públicas no desenvolvimento econômico e social. Além disso, as privatizações foram vistas como uma maneira de aliviar a dívida pública e equilibrar as contas governamentais, promessas que, com o tempo, se revelaram ilusórias.
Entretanto, a lógica neoliberal ignorou as profundas implicações sociais, econômicas e políticas desse processo. O foco estava na maximização do lucro e na abertura da economia ao capital estrangeiro, sem considerar o impacto a longo prazo da alienação de ativos estratégicos do país e a falta de retorno das riquezas para o povo brasileiro.
Eficiência: um mito conveniente
Um dos principais argumentos a favor da privatização é que as empresas privadas são inerentemente mais eficientes do que as empresas estatais. Este conceito baseia-se na ideia de que a competição de mercado obriga as empresas a inovar, reduzir custos e melhorar a qualidade dos serviços, e se, por exemplo, a Petrobras, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil forem privatizados, os serviços serão entregues com maior eficácia à população. Contudo, esta lógica simplista ignora as particularidades do setor público e as características específicas das empresas estatais no país.
Em editoriais de grandes jornais em circulação, é frequente a discussão sobre a suposta “ineficiência das empresas públicas”. Contudo, a eficiência dessas empresas não deve ser avaliada com base em sua habilidade de gerar lucros, mas sim em sua capacidade de promover externalidades positivas, como o desenvolvimento econômico, a redução da desigualdade social e a defesa da soberania nacional. Quando essas empresas são privatizadas, o foco muda do interesse público para o interesse privado, onde a maximização do lucro torna-se o principal objetivo, frequentemente em prejuízo da população, que acabará arcando com custos elevados nos serviços privatizados, e do país, que entrega suas riquezas nacionais.
A Petrobras, por exemplo, não é apenas uma produtora de petróleo, mas um instrumento de política energética e econômica do Brasil. A Petrobras também exerce uma função vital no controle dos preços dos combustíveis, que têm impacto direto na inflação e na economia doméstica. Atualmente, a empresa tem 47,51% de investidores estrangeiros, portadores de ações negociadas na Bolsa de Nova York. No Brasil, 14,96% são investidores brasileiros, enquanto que apenas 36,61% correspondem ao governo federal. Sob controle e lobby dos acionistas, o foco da empresa está na maximização dos lucros, resultando em aumentos substanciais nos preços de combustíveis, gás de cozinha e outros derivados de petróleo, afetando diretamente as camadas mais vulneráveis da população e a soberania nacional.
Desigualdade social e privatização
A privatização tem sido um vetor de ampliação das desigualdades sociais no Brasil. Com o avanço das políticas de privatização das empresas estatais nos últimos anos, o acesso a serviços essenciais tem se tornado cada vez mais restrito e mais caro. Assim, regiões mais pobres e menos “lucrativas” são frequentemente negligenciadas ou abandonadas, aprofundando o debate sobre as desigualdades regionais e sociais, pois os recursos não estão sendo direcionados para o melhoramento das condições de vida do povo.
Um exemplo claro disso é o setor bancário. A Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil têm historicamente desempenhado um papel crucial na promoção do acesso ao crédito e na inclusão financeira de grupos mais vulneráveis socialmente. À medida que avança a privatização destas instituições públicas, o que vemos cada vez mais é uma política de aumento das taxas de juros e de redução drástica do acesso ao crédito para programas sociais a mando das políticas do Banco Central completamente subservientes à lógica do capital financeiro, prejudicando e endividando várias famílias pobres no país.
Privatização e corrupção: a falácia do combate
Muitos defensores da privatização na mídia tradicional e recentemente nas redes sociais, acreditam que a venda de empresas estatais é uma forma eficaz de combater a corrupção. No entanto, trata-se de uma falácia perigosa que ignora a verdade. A corrupção não é um problema exclusivo das empresas estatais, mas sim um problema estrutural do sistema capitalista, fundamentado no princípio da geração de lucro em detrimento do bem-estar social. Além disso, é o regime de escassez e sucateamento de bens e serviços que promove trocas de favores nos gabinetes das grandes corporações e dos governos a serviço dos ricos.
O fato é que a privatização não elimina a corrupção; ela apenas a transfere para outro âmbito, muitas vezes menos transparente e menos sujeito à fiscalização dos órgãos de controle. Além disso, a própria privatização, muitas vezes, é um processo profundamente corrupto devido aos processos de licitação e contratos duvidosos assinados pelos governos e as grandes empresas multinacionais frequentemente marcada por favorecimentos de empresas estrangeiras, lobby do mercado financeiro, subavaliação de ativos e outras práticas corruptas que resultam em enormes perdas para o Estado e para a sociedade.
A ilusão das receitas imediatas
Outro argumento frequentemente utilizado em favor da privatização é a necessidade premente de obter receitas rápidas para o governo, especialmente em períodos de dificuldades financeiras. Contudo, essa perspectiva é centrada exclusivamente no curto prazo e negligencia os impactos a longo prazo. Embora a alienação de ativos públicos possa gerar receitas imediatas, esses ganhos são temporários e não se repetem. Pior: os bens públicos vendidos deixam de contribuir para as receitas futuras do Estado, criando um déficit fiscal que, ao longo do tempo, pode agravar ainda mais os problemas financeiros do país.
É importante destacar que o impacto do déficit fiscal resultante da privatização, por meio da venda de ativos públicos, é significativo, uma vez que as receitas obtidas são frequentemente destinadas ao pagamento de despesas correntes ou à redução imediata da dívida pública, sem promover uma reestruturação sustentável das finanças públicas. Isso pode desencadear um ciclo vicioso no qual o governo se torna cada vez mais dependente da alienação de bens para manter o equilíbrio orçamentário, esgotando gradualmente seu patrimônio e reduzindo sua capacidade de investimento em áreas estratégicas como educação, saúde, assistência social e infraestrutura.
O caminho real
Considerando os desafios estruturais decorrentes da privatização, a medida mais eficaz para promover o desenvolvimento econômico e reduzir as disparidades no Brasil é a reestatização de todas as empresas que foram privatizadas sob orientação dos trabalhadores e trabalhadoras. Ao recuperar o controle estatal sobre essas empresas, o governo poderia planejar suas atividades de acordo com o interesse coletivo, tornando os conselhos das empresas públicas como órgãos deliberativos, construindo coletivamente políticas que priorizem o desenvolvimento social, a inclusão econômica e a soberania nacional.
A estatização não representa um passo atrás, mas sim uma ação necessária para reparar os equívocos cometidos no passado e edificar um futuro mais equitativo e sustentável. Sob gestão estatal, empresas como a Petrobras, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil poderiam atuar de maneira eficiente no impulso do desenvolvimento social e econômico, na mitigação das desigualdades sociais e regionais e na garantia de que os recursos estratégicos do país sejam alocados em prol do bem-estar da população.
Em um cenário global cada vez mais influenciado pela ideologia neoliberal e pelos interesses corporativos transnacionais, manter o controle estatal sobre setores chave é crucial para assegurar que o Brasil possa traçar seu próprio caminho em direção a um futuro socialista, sem se subordinar às imposições do capital internacional.