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quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

“Eu cresci e me formei aqui, numa ocupação do MLB”

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Acompanhe a entrevista com Adriel Cássio, membro da Coordenação Estadual do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) em Minas Gerais.

Edinho Silva | Redação MG


Adriel Cássio tem 23 anos e é membro da Coordenação Estadual do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) em Minas Gerais. É casado e tenho um casal de filhos, Levi Noah, de dois anos, e Eloáh Zoe, de quatro anos. É evangélico e músico. Nasceu na Vila São Jorge, no aglomerado do Morro das Pedras. Quando tinha por volta de seis anos, seus pais se divorciaram e sua mãe ficou sem casa. Ela, Adriel e o irmão moraram em várias casas de aluguel e chegaram a morar em um porão.

Em maio de 2012, aos nove anos, sua família conheceu o MLB e foram morar na Ocupação Eliana Silva, que já sofria o processo de despejo. “Minha mãe sempre nos contava como o despejo foi violento, todo o aparato da polícia para expulsarem as pessoas que não tinham casa. Ela estava ajudando a buscar doações de alimentos e, quando voltou, a ocupação estava cercada pela polícia, um policial chutou a caixa de pão que estava em sua mão e não deixaram os alimentos entrarem”, relata. Aí começa, de fato, sua militância, ainda criança.

A Verdade – Fale sobre sua passagem pela Creche Tia Carminha.

Adriel – A creche cumpre um papel fundamental na ocupação. Foi a primeira construção de alvenaria da comunidade (a Ocupação Eliana Silva II, em Belo Horizonte), mas, antes, já existia um espaço e uma comissão de creche para fazer o cuidado das crianças.

No primeiro momento, a creche cumpre o papel de ter as crianças da ocupação seguras e bem cuidadas, mas, a longo prazo, cumpre outros papéis fundamentais, não só para o Movimento, mas para toda a comunidade, pois toda mãe e pai de família podem sair para trabalhar, sabendo que esse espaço está lá. Muitas mães e pais de família teriam ainda mais dificuldades de ter trabalho e renda sem essa assistência para os filhos.

A creche também ajudou na minha formação, de uma forma muito simples e didática. Aprendi as razões pela qual a gente não tinha casa e por que a luta das ocupações era importante. A creche sempre teve esse cuidado de não ser um depósito de crianças, mas sim de ser um espaço seguro, divertido e que nos ensinasse a pensar sobre o mundo e como transformar esse mundo a partir da luta.

Hoje, quando vou buscar meus filhos, tenho dificuldades de levar eles embora, pois sempre querem ficar mais um pouco.

E depois da creche, como foi sua adolescência e juventude?

Em algum momento, me encontrei um pouco disperso, numa espécie de vazio. Os adultos tinham os seus espaços de organização dentro da ocupação, tinham as assembleias, as reuniões e as lutas, já as crianças, tinham a creche, mas e os jovens?

Então ingressei na União da Juventude Rebelião (UJR) e sempre debatíamos a necessidade de organizar a juventude que vive na periferia, nas favelas e ocupações. Demos o primeiro passo com a criação do “Minha Quebrada”. A ideia era ser uma ação anual com a duração de uma semana. Nas primeiras edições, realizamos oficinas, palestras, campeonatos de futebol e lutas, e tudo isso foi muito bom. Depois, entendemos que o trabalho com os jovens precisa ser uma tarefa cotidiana, que, além das edições, era preciso a construção dos núcleos de jovens do Minha Quebrada. Foi aí que organizamos o movimento estudantil nas escolas da região e a participação dos jovens nas lutas do MLB.

Com a parceria com a Plug Minas, ofertamos cursos como radiocomunicação, fotografia e comunicação, na defesa de que os jovens de favelas e ocupações também pudessem ter direito ao lazer e cultura. Organizamos os “rolezinhos”, para a ida ao cinema e outros espaços culturais. O rolê que marcou mais foi quando fomos assistir ao filme da Marvel “Pantera Negra” e, antes do filme, fizemos uma agitação denunciando o assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson. A ação foi financiada na época por apoiadores que ajudaram na compra dos ingressos, no lanche e no transporte.

Fale da sua participação nas lutas do MLB.

Passei a maior parte da minha vida, até aqui, morando em uma ocupação do MLB. Eu basicamente cresci e me formei aqui. Participei de praticamente todas as lutas do Movimento nesse período, desde a luta contra o despejo e na luta pela urbanização do Vale das Ocupações.

Sempre tem lutas que marcam muito, como quando seguramos o caminhão-pipa da Copasa, para que as ocupações tivessem a água regularizada, ou quando ocupamos a Câmara Municipal para que as ocupações estivessem incluídas no Plano Diretor como áreas de interesse social. Nós ocupamos muitos lugares, na verdade… Foram várias vezes na Prefeitura, também na Cemig, Urbel, Assembleia Legislativa, sem contar as lutas na rua. No início da ocupação, as famílias não eram atendidas no posto, mas depois das lutas que fizemos, agora, além de sermos atendidos, a nossa equipe da UBS se chama equipe vermelha em homenagem ao MLB.

Aos 18 anos, fui eleito para a Coordenação Estadual do Movimento, no Congresso de 2019, e hoje minha principal atuação é na organização das lutas no Vale das Ocupações do Barreiro, que passam por um processo de urbanização, fruto das lutas do MLB e das famílias que aqui vivem. Hoje a Ocupação Eliana Silva já possui água e luz regularizados, coleta de esgoto, coleta de lixo, iluminação pública e CEP nas ruas.

Nas últimas eleições municipais, você foi candidato a vereador em Belo Horizonte pela Unidade Popular. Conte sobre a campanha e os próximos desafios dos movimentos populares.

Eu topei cumprir a tarefa de ser candidato, representando o MLB e a Unidade Popular, por defendermos uma política justa e por mantermos nosso trabalho vinculado às bases. Não à toa, nossa campanha teve como foco principal os trabalhadores. Ao longo da campanha, visitamos cinco fábricas, fomos para as estações de ônibus dialogar com os usuários do transporte público e também nas portas do restaurante popular. Além, claro, das ocupações urbanas e favelas, no sentido de organizar o nosso povo para além do voto no 80, mas principalmente para as lutas diárias que enfrentamos. A luta de classes tem se acirrado e, nessas eleições, quem venceu mais uma vez foi o grande capital, os ricos, quem perdeu foram os pobres. Por isso, o nosso papel é organizar com mais garra ainda nosso povo e lutar pelo poder popular e pelo socialismo.

Qual o papel da esquerda entre os evangélicos? 

O povo negro, favelado e pobre em sua maioria está nas igrejas evangélicas. Pela falta da nossa política, do campo da esquerda nesses espaços, o fascismo e os super ricos têm se aproveitado, usando o nome de Jesus para explorar o nosso povo. Esse lema de “Deus, pátria e família” não é a mesma defesa do Deus da vida, vai contra o evangelho. 

Acredito muito que a esquerda não pode fechar os olhos para as igrejas. Tem muito pastor picareta, mas precisamos disputar as massas evangélicas e os próprios pastores, pois, no central, os evangélicos são pessoas como todas as outras: trabalhadores, sem-teto, famintos e pobres.

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