A vida de Vladimir Carvalho foi marcada por grandes contribuições para o cinema brasileiro, pela resistência à ditadura militar e por sua atuação como professor de cinema e preservador dessa arte.
Redação Paraíba
ENTREVISTA – Faleceu, aos 89 anos, no dia 24 de outubro, o cineasta e documentarista paraibano Vladimir Carvalho. Sua vida foi marcada por grandes contribuições para o cinema brasileiro, pela resistência à ditadura militar e por sua atuação como professor de cinema e preservador dessa arte.
Sua primeira grande contribuição cinematográfica se deu por seu trabalho como auxiliar de direção no filme Cabra Marcado Para Morrer, de Eduardo Coutinho. Filme cuja produção começou às vésperas do golpe militar de abril de 1964, e que só teve a produção finalizada em 1984, por causa da perseguição política sofrida. O filme conta a história de João Pedro Teixeira, dirigente das Ligas Camponesas na Paraíba, assassinado por latifundiários em 1962.
Vladimir dirigiu diversos filmes durante as décadas de 1960 e 1970 e se consolidou como um dos nomes influentes do que viria a ser chamado de Cinema Novo, movimento cinematográfico marcado pela denúncia da desigualdade social no Brasil, que trouxe ao cinema brasileiro uma identidade única, sem ser apenas mais uma cópia latino-americana do estilo de produção de cinema de Hollywood.
Um de seus filmes de destaque dentro desse movimento foi o documentário O País de São Saruê, de 1971. O filme relata a vida dura, marcada pela pobreza e pelas secas, dos trabalhadores do sertão paraibano. Mais uma vez, a produção do filme sofreu perseguição política por parte da ditadura militar, sendo mantido sob censura por oito anos.
Para falar mais sobre Vladimir, o jornal A Verdade entrevistou João de Lima, professor de cinema da Universidade Federal da Paraíba.
A Verdade – Como documentarista, qual o lugar de Vladimir Carvalho para o cinema brasileiro?
João de Lima – Vladimir Carvalho está no nascedouro do Cinema Novo, pois fez parte de uma geração muito comprometida com o desenvolvimento de uma cinematografia crítica e, ao mesmo tempo, inventiva em relação aos preceitos estéticos da obra cinematográfica. Fez jornalismo e crítica cinematográfica antes de iniciar sua carreira como cineasta. Está em constante evolução de seu pensamento estético, mesmo que, em algum momento, tenha afirmado que não tinha uma estética definida. Foi amigo, na Bahia, de praticamente todos os artistas que despontaram em diversas áreas da cultura. Glauber Rocha o chamava de “Vertov das caatingas”, em alusão ao mais inquieto e importante dos cineastas da então URSS, que influenciou o mundo inteiro com suas ideias. É, portanto, contemporâneo e atual, pois renovava muito sua obra.
Quais os desafios de fazer cinema no Brasil durante a ditadura militar? Como Vladimir lidou com isso?
Fui assistente de montagem no filme Conterrâneos Velhos de Guerra e pude ver como ele lidava com problemas crônicos do cinema brasileiro, especialmente a falta de políticas estabilizadoras de produção contínua para autores brasileiros. Durante a ditadura civil-militar, muitas vezes circulavam nos festivais listas pedindo a liberação dos filmes que mofavam nas prateleiras da censura, como aconteceu com o filme O País de São Saruê. Vladimir lidava contra a censura acionando as formas de articulação coletiva, como a ABD, da qual foi um dos fundadores, em Brasília, onde estava radicado há anos.
Ele estava animado com o projeto de criação de um Museu do Cinema em Brasília. Como esse novo equipamento público pode impulsionar a produção cinematográfica brasileira?
O Iphan está acolhendo os materiais que Vladimir Carvalho juntou por décadas, e a Cinemateca Brasileira foi depositária, por exemplo, dos negativos do filme Conterrâneos, entre outras obras. Aliás, partes não usadas neste filme serviram a outros projetos, como o filme sobre a invasão da UnB e sobre o movimento de rock na capital federal.
Saudamos todos resistem e lutam pela preservação, semeação e germinação do cinema brasileiro. Viva o Cinema Novo! Viva Vladimir Carvalho!
Matéria publicada na edição 302 do Jornal A Verdade.