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quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

As lições do livro “O Grande Norte”

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Lançado em 1954 pela coleção Romances do Povo, “O Grande Norte” fala sobre a instauração do socialismo numa das regiões mais distantes da Rússia, além de trazer lições sobre o esforço individual que devemos fazer no dia a dia para construirmos um mundo novo.

Clóvis Maia | Redação Pernambuco


CULTURA – Lançado no Brasil no ano de 1954, o romance “O Grande Norte” surpreende, seja pela densidade da leitura, pela pesquisa realizada pelo autor ao tratar do livro ou as lições incutidas ao longo da obra, condensadas por uma escrita primorosa. Não por acaso, o autor, Tikhón Siomúchkin recebeu o prêmio Stálin de Literatura no ano de 1949, maior prêmio de literatura na URSS.

O livro foi lançado no Brasil como 4º volume da coleção Romances do Povo, sob supervisão de Jorge Amado, pela Editora Vitória e foi responsável por popularizar a leitura dos chamados romances socialistas bem como a formação de gerações de leitores ainda hoje, haja vista a procura pelos exemplares seja na internet ou nos sebos por todo o país.

A Editora Vitória foi fundada em 1944 e lançou cerca de 30 romances de cunho socialista e humanista, bem diferente do que estava sendo lançado e produzido na época pelos chamados “Cânones literários”, ou seja, os autores que a imprensa burguesa aclama como bom de ser lido ou não. A Editora Vitória lançou outras obras de cunho político também, tendo encerrado suas atividades por força do golpe de 1964 que proibiu seu funcionamento.

Respeito à realidade social local

O Romance se passa nas regiões geladas da URSS, próximas ao Polo Norte. Tikhón Siomúchkin viveu na região, pesquisou e viveu com os moradores da região, o que lhe motivou a escrever seu histórico romance. Histórico, pois relata um processo real, fruto das modificações sociais e políticas na Rússia após a revolução de Outubro de 1917.

Os Chukchis eram povos nômades, nativos da Sibéria, presentes no mar de Bering, oceano Ártico. Viviam em Yarangas, tendas feitas de madeira e peles de renas, e tinham como principal atividade econômica e de subsistência a caça, a criação de renas ou a pesca de animais marinhos como a morsa, além do comércio com os estrangeiros. Comércio esse pautado no escambo troca de víveres por peles de renas.

Divididos em dois grupos: os da Tundra (vegetação típica das regiões frias), que criavam e comercializavam as peles da rena e os do Litoral, pescadores, e com uma variedade de línguas e dialetos (chukoto, yakut, lamut, yukaghir, entre outras) os povos Chukchis possuíam uma forte tradição secular, costumes bem firmados ao longo de séculos de vivência nas regiões geladas da Rússia czarista, tanto que os Czares, apesar de tentarem não foram capazes de dominar tal povo, isso dês do século XVIII, sendo obrigados a estabelecerem relações comerciais com os mesmos.

Essa relação comercial, pautada na exploração, extorsão e roubo do trabalho dos nativos bem como o descaso por parte das autoridades russas e a separação social, gerada ora pela questão geográfica, pelo nomadismo local ou por certa autonomia cultural do restante da Rússia gerou todo um atraso social em relação ao resto do mundo, além de um claro deslocamento, um isolamento por parte do povo Chukchis do restante do mundo. Dito de outra forma, a base social nativa era mergulhada num primitivismo profundo.

Guiados por um Xamã, os Chukchis acreditavam ter a natureza diversas divindades, espíritos e todo o tipo de superstição com relação ao templo, clima ou acontecimento dia a dia, ou era comum os homens entregarem suas mulheres (que deveriam ser totalmente submissas aos maridos e aos trabalhos domésticos, cuidado dos cães puxadores de trenó, alimentação e trato dos filhos) a seus amigos e vizinhos como um tipo de empréstimo, ou no meio de uma negociação entre ambos. Diante dessa fatídica realidade, mostrada detalhadamente e pormenorizada por Siomúchkin, que O Grande Norte se alicerça, para mostrar.

Um rico enredo literário

No início da década de 20 a URSS estende seu novo governo, leis e costumes para as regiões mais afastadas do centro nervoso, Moscou. No romance, dois jovens bolcheviques, Nikita Serguéievitch (chamado também de Loss) e Zhúkov, do Exército Vermelho e outro do Konsomol, respectivamente, chegam até a região com a missão de instalar um Comitê Soviético local, instruir a população sobre as mudanças relativas ao novo governo socialista, a derrubada do Czar e a implantação do novo regime social, leis e etc.

Loss, o líder Bolchevique, tem que enfrentar as dificuldades da língua, o frio intenso, a superstição e desconfiança local, além da falta de comunicação, a distância familiar e de sua direção, além dos mercadores e contrabandistas, como a personagem Mrs. Thompson, que além de dominar o comércio local, habitava havia décadas na região, casado com uma nativa, apoderando-se dos costumes locais com a intenção de enriquecer e lucrar à custa da alienação do povo Chukchis, mergulhados na interpretação e veneração do estrangeiro como desenvolvido e sábio, ou seja, a velha ótica e lógica do dominador e do dominado.

Os dois bolcheviques se veem tendo que criar meios e métodos para enfrentar as adversidades locais, expulsarem os contrabandistas estrangeiros, ensinar as novas leis para os locais e implantar a nova realidade socialista que ainda não havia chegado por aquela região. Uma lição de superação, de força e exemplo coletivo. Um livro raro, obviamente pouco divulgado e falado e um romance denso, profundo e completo, que não perde em nada para os chamados grandes clássicos mundiais.

Durante toda a obra “O Grande Norte” podemos conhecer os costumes locais, a história dos Chukchis, suas dificuldades em relação aos contrabandistas e como os Bolcheviques fizeram para iniciar as modificações necessárias no local. Detalhe: não pense que essas mudanças significaram mudar a língua, as tradições, impor qualquer modificação para os locais, derrubando seus costumes e etc. Detentores das novas diretrizes, os dois protagonistas fazem de tudo para erguer e fortalecer a cultura local. Criam uma escola, um hospital, e outros direitos antes roubados pelos estrangeiros sobre a tutela do Czar.

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