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quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

Odijas: “Vivo pela vida e luto pela vida!”

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Assassinado sob tortura em 8 de fevereiro de 1971, Odijas Carvalho de Souza, é mais um exemplo de um jovem que abriu mão de um futuro individual para lutar por justiça e democracia em nosso país. O jornal A Verdade presta uma devida homenagem no ano em que ele completaria 80 anos.

Augusto Costa | Recife


HISTÓRIA – Odijas Carvalho de Souza nasceu em Atalaia, no estado de Alagoas, no dia 21 de outubro de 1945, filho de Osano Francisco de Souza e Anália Carvalho de Souza. Lembrado como um jovem cativante e alegre, foi eleito representante de turma logo no primeiro período, se tornando líder estudantil na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) onde estudou Agronomia, durante o regime militar.

As lutas do movimento estudantil enfrentavam grande perseguição pela ditadura, intervenções aos diretórios e centros acadêmicos (DAs, DCEs) e toda legislação proibitiva como o decreto 477, de 1969, que além de proibir manifestações estudantis e intervir nas entidades representativas, burocratizava de todas as formas os processos eleitorais, até proibir de vez todo o tipo de movimentação dentro das escolas e universidades. Era nesse cenário que Odijas decidiu enfrentar o regime.

Organizado no Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR)1, decidiu que sua luta iria para além do movimento estudantil. No ano de 1967 entrou para a ilegalidade, dedicando-se a luta através da única maneira que achava possível derrubar a ditadura e lutar pelo socialismo: pela resistência armada. Odijas rapidamente se tornou uma liderança regional. Consciente do real objetivo pelo qual lutava, repetia sempre aos seus companheiros a frase que segundo Chico de Assis, também militante do PCBR ao lado de Odijas, havia se tornado sua: “Vivo pela vida e luto pela vida!”

Sequestro e assassinato

Desde a sua entrada na clandestinidade, Odijas era perseguido por sua liderança, tendo desenvolvido atividades em Pernambuco e Ceará. Odijas foi sequestrado no dia 30 de janeiro de 1971, na praia de Maria Farinha (Paulista-PE), junto de Lylia da Silva Guedes, de 18 anos, também militante do PCBR, quando foi realizada uma operação em busca das lideranças do partido.

Levado à Delegacia de Segurança Social do Recife (DOPS/PE), foi brutalmente torturado desde seu primeiro dia de prisão, segundo depoimentos de outros presos na mesma ocasião, Odijas foi torturado desde as onze horas do dia 30, às quatro horas da manhã do dia 31 – dezessete horas ininterruptas de tortura. Ao todo, Odijas foi torturado por 1 semana consecutiva, sendo morto devido às torturas.

Segundo depoimento do preso político Alberto Vinícius de Melo “Na entrada para o corredor em que se encontram as celas, existe uma sala, e foi nela que durante praticamente 17 horas seguidas, os torturadores se revezaram na tentativa inútil de obter de Odijas informações que levassem à localização de seus companheiros de militância política. Apesar da existência de uma porta de madeira isolando a sala do corredor, chegavam até nós os gritos de Odijas, o ruído das pancadas e das perguntas cada vez mais histéricas dos torturadores. Durante esse período, Odijas foi trazido algumas vezes até o banheiro; lá, era colocado no chuveiro por alguns instantes para logo em seguida retornar ao suplício. Uma dessas vezes, já durante a noite, ele chegou até a porta da minha cela e pediu-me que lhe emprestasse uma calça, porque suas pernas, principalmente a parte posterior de suas coxas, estavam em carne viva. Os torturadores, animalizados, se excitavam ainda mais redobrando os golpes exatamente ali. Ele vestiu a calça e continuaram com as torturas. Num determinado momento, a nossa tensão, angústia e impotência eram tão grandes que Tarzan2, que estava aqui, resolveu contar os golpes e gritos sucessivos, lembro-me que a contagem passou dos 300!”

Odijas foi levado em estado de coma pelos militares ao hospital da Polícia Militar de Pernambuco no dia 06 de fevereiro – sete dias após seu sequestro. Estava com ossos fraturados, retenção de urina e vomitava sangue em decorrência das torturas incessantes, realizadas por cerca de 15 policiais, inclusive, vale destacar, participou dessa ação o investigador Luís Martins Miranda, apontado por participar do assassinato de Padre Henrique em 1969.

Farsa montada pelos fascistas

A divulgação da morte de Odijas só veio acontecer no dia 28 de fevereiro, nos jornais Diário da Noite e Jornal do Commercio, vinte dias após sua morte. O atraso não foi por acaso, foi o tempo necessário para montar uma história que nunca acontecera.

A versão divulgada pela impressa é que a polícia havia desmantelado dois aparelhos do PCBR, e que inclusive, nessa mesma operação que ‘prendeu’ Odijas, a polícia também havia capturado Tarzan de Castro e sua esposa Maria Cristina Rumel – Claro que, ignorando o fato de que Tarzan e Cristina haviam sido sequestrados meses antes pelos gorilas do IV Exército.

Ainda segundo a versão divulgada à época, a causa da morte de Odijas havia sido embolia pulmonar, evidentemente, o Sr. Ednaldo Paz de Vasconcelos, médico-tenente da Polícia Militar que consubstanciou o documento emitido pelo IML/PE sem qualquer perícia necroscópica no cadáver de Odijas, não mencionou em nenhuma linha as inúmeras marcas e ferimentos causados pelas seções de tortura evidentes em seu corpo desfalecido.

Mais: Odijas foi enterrado no cemitério de Santo Amaro (Recife/PE), como indigente, tendo seu nome grafado como ‘Ozias’ em clara tentativa de dificultar a localização de seus restos mortais, importante ressaltar que não foi o único que foi vilipendiado por essa manobra, apenas no cemitério em que foi enterrado, a Comissão Nacional da Verdade descobriu outros 8 militantes desaparecidos pelo mesmo modo de ocultação de cadáver.

Por memória, verdade, justiça, reparação e democracia!

Nenhum dos assassinos de Odijas Carvalho de Souza foi punido. A ditadura militar tinha esses nomes guardados sob suas asas, o regime democrático burguês se mostrou incapaz de levar a esses monstros com pele de homem a punição devida. Talvez, ainda hoje, os filhotes da ditadura que se encontram à frente de prefeituras, governos estaduais e comandos militares. Por seu exemplo, Odijas foi eleito patrono do Diretório Central dos Estudantes da UFRPE, além de diversas ações promovidas pela militância da UJR quando estava à frente do movimento estudantil da UFRPE:

  • Agosto de 2009: é inaugurada uma placa em homenagem à Odijas na sede do DCE-UFRPE;
  • Outubro de 2012: a Comissão da Verdade de Pernambuco realiza audiência pública para apurar a morte do militante;
  • Novembro de 2012: Odijas é rematriculado na UFRPE;
  • Outubro de 2013: o atestado de óbito de Odijas é retificado, tirando a causa de “embolia pulmonar” para a verdadeira causa da morte: “homicídio por lesões corporais múltiplas decorrentes de atos de tortura”. Esse ato de reparação foi encaminhado a justiça pela Comissão estadual da Verdade de Pernambuco em julho de 2013, em nome da viúva de Odijas, Ivone Lourenço;
  • Julho de 2016: a banda serra-talhadense “Doppamina”, composta por ex-estudantes da Unidade Acadêmica da UFRPE em Serra Talhada, lança a música “Sob a Resistência”, homenageando Odijas e o Movimento Estudantil da UFRPE.

Odijas foi assassinado com apenas 25 anos. Trabalhou como vendedor de livros e professor particular para sobreviver, filho da classe trabalhadora, era mais um jovem que abriu mão de uma carreira promissora para defender a verdadeira democracia e o socialismo. Hoje, ao vermos que o Diretório Central dos Estudantes que leva o seu nome se encontra fechado, ainda mais no ano em que Odijas completaria 80 anos de vida, nada mais justo do que homenageá-lo reabrindo essa importante entidade e a devolvendo aos estudantes.

Odijas Carvalho, Presente!


1 Dissidência do Partido Comunista Brasileiro, organizado por Mário Alves, Jacob Gorender e Apôlonio de Carvalho em 1968, após terem suas teses derrotadas no IV Congresso do PCB.

2 Tarzan de Castro, dirigente regional do PCBR, na ocasião do assassinato de Odijas, se encontrava encarcerado pela repressão.

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