Em bairros como o Jardim Pantanal, a população pobre de São Paulo foi duramente afetada pelas enchentes, e a Prefeitura agora ameaça remover as famílias de suas casas. Por toda a Zona Leste, o jornal A Verdade colheu relatos das perdas e também da disposição dos trabalhadores de lutar por moradia digna
Guilherme Arruda e Guilherme Farpa | São Paulo (SP)
“A maioria das casas aqui encheu. A gente teve que sair de casa correndo no meio da enchente. Perdemos arroz, sofá, várias coisas. Todo ano, acontece isso, mas neste foi pior”. Esse é o relato de Luana, moradora do Lageado, um dos bairros afetados pelas enchentes na Zona Leste de São Paulo. Neste início de ano, os trabalhadores brasileiros estão sofrendo mais uma vez com o abandono dos governos burgueses, que pouco ou nada fazem para conter os efeitos das chuvas de verão. Só no Estado de São Paulo, até o dia 06 de fevereiro, 18 pessoas morreram devido a enchentes e alagamentos em 2025.
Os números escancaram que os investimentos de milhões de reais contra as inundações, anunciados pelo governador Tarcísio de Freitas e o prefeito da capital Ricardo Nunes, não passaram de promessas. Os mais afetados, como de costume, são os mais pobres e moradores da periferia. Além da falta de obras que lidem com a crise climática promovida pelo capitalismo, fica clara a inexistência de uma política de habitação que ofereça moradia digna para as famílias trabalhadoras, que deveriam ter o direito de viver sem o medo constante de perder tudo o que têm.
Nos últimos dias, o jornal A Verdade percorreu uma série de bairros de São Paulo que foram duramente afetados pelas chuvas. Neles, recolheu relatos de moradores que tiveram suas casas invadidas pela água e denunciam os governos dos ricos, que não atuam para conter os desastres e ainda pretendem expulsar milhares de suas casas.
Trabalhadores são vítimas
Na noite de 1º de fevereiro, em que uma tempestade atingiu São Paulo, um motorista de aplicativo de 50 anos morreu afogado no bairro da Vila Prudente. Com a via alagada, ele ficou preso em seu carro e sofreu uma parada cardiorrespiratória.
Naquela mesma noite, a trabalhadora Beatriz Zeballos conseguiu se salvar após ficar presa na estação de trem Oratório, localizada no mesmo bairro, devido ao volume de água na avenida. Ela denunciou: “Aqui na região do Monotrilho, a água está com mais de três metros. Os trabalhadores estão todos aqui ilhados, a gente trabalha o dia inteiro e não tem direito ao descanso. Esse Ricardo Nunes já está há quatro anos no poder e não fez nada. Isso é o reflexo do fascismo no governo, é classe trabalhadora no lixo e na água suja, enquanto eles estão nos apartamentos mais caros da cidade”.
Após promover uma ação de solidariedade às vítimas da inundação, ajudando a limpar os estragos, o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) convocou um protesto que mobilizou dezenas de famílias para reivindicar que o poder público não fique omisso frente ao sofrimento do povo.
No dia 04 de fevereiro, a manifestação ocupou a sede da Subprefeitura de Guaianases e conquistou uma reunião com o responsável do órgão. O ato arrancou das autoridades o compromisso de uma obra para enfrentar os alagamentos na região, que será iniciada em março, o cadastro das famílias para indenização pelas perdas e seu encaminhamento para a assistência social.
A ação organizada pelo Movimento junto à população do bairro demonstra a importância da mobilização popular para enfrentar o cenário de crise. “Eu moro sozinha e fiquei muito assustada com a água subindo dois metros na minha porta. Se o MLB não tivesse vindo aqui, a gente ia ficar no vácuo, sem saber o que ia acontecer”, relatou Dona Antônia, idosa e moradora do Lageado, ao fim da manifestação.
Luta no Jardim Pantanal
Situado às margens do rio Tietê, o bairro do Jardim Pantanal sofre com enchentes e o descaso da prefeitura há quase 40 anos. Segundo Áquila Ferreira, cabeleireiro na região, após as chuvas da madrugada do dia 1º de fevereiro, “a gente via um movimento que não era comum na madrugada, muitas pessoas andando na água carregando colchões e móveis. O bairro aqui tá esquecido, não parece que a gente tá na cidade mais rica do Brasil”.
Mais de dez depois, o Jardim Pantanal continua debaixo d’água. Dona Cecília continua com parte da casa submersa e relata: “Eu levantei de madrugada pra ir ao banheiro e já pisei na água. No começo, era só o esgoto transbordando, mas logo depois também começou a entrar água da rua, aí eu perdi guarda-roupa, sofá, tudo”.
Após a última enchente, o prefeito fascista Ricardo Nunes disse que a Prefeitura deveria “incentivar as pessoas a saírem dali”, fugindo de suas responsabilidades, sugerindo uma expulsão violenta dos moradores e oferecendo uma ajuda de custo insuficiente. “Eles dão dinheiro, como se o problema fosse individual, e não social”, continuou Áquila. O poder público conhece os riscos da área desde o início da sua ocupação na década de 1980, mas nunca realizou um planejamento urbano para evitar desastres na região. Segundo estudos do próprio governo, obras de contenção da chuva custariam a metade do valor de realocamento das famílias, estimado em R$1,9 bilhão.
As tendas de cadastro para distribuição de auxílios e mantimentos não acolheram todas as vítimas da calamidade. Segundo testemunhas ouvidas por A Verdade, quando a população protestou e exigiu mais atendimentos, foi fortemente reprimida pela Guarda Civil Municipal de Nunes, com balas de borracha e bombas de efeito moral, acertando, inclusive, as crianças que também estavam nas filas.
A maioria dos víveres, como alimentos e água, estão sendo distribuídos através de cozinhas solidárias organizadas voluntariamente pelos moradores, como conta Raílda dos Santos: “A gente saiu pra trabalhar e tava alagado já, aí chamei meus irmãos e começamos o movimento de fazer marmitas para entregar”. A água do bairro também foi contaminada, adoecendo centenas de moradores que agora dependem da água potável que está sendo distribuída.
Eduardo Silva, morador do bairro, trabalhou na construção de piscinões da Prefeitura na Avenida Aricanduva e demonstra sua revolta: “Lá que tem shopping e tudo não pode alagar, mas por que eles não dão atenção e fazem um piscinão aqui? É culpa dos governantes mesmo”. O mesmo diz José Oliveira, que foi fortemente atingido pela chuva e denuncia que “os nossos governantes não fizeram nada para impedir”.
Unir o povo
Como defende o MLB, é necessária uma Reforma Urbana que enfrente a lógica profundamente desigual em que os ricos têm tudo e os mais pobres são obrigados a morar em áreas de risco e sem acesso a serviços básicos, como saneamento, saúde e educação. Para o direito à moradia digna sair do papel e se tornar realidade, o movimento convoca as famílias a lutar pelo socialismo, o sistema em que os trabalhadores poderão viver com dignidade, sem a exploração dos patrões e o descaso dos governos.
Manoel Pereira, militante do movimento e morador do Jardim Pantanal há mais de 30 anos, resume os próximos passos da luta: “A culpa não é da chuva, é dos governantes que representam a burguesia. Isso gerou muito sentimento de revolta, muitos protestos. Agora, vamos reunir os moradores, os contatos e as lideranças aqui na Escola Nacional Eliana Silva, que fica no bairro, e fazer um trabalho para nos somar nas jornadas de solidariedade e na construção da luta organizada contra o descaso”.
Matéria publicada na edição impressa nº 307 do jornal A Verdade