Em 13/05/1833, Ventura Mina liderou a Revolta das Carrancas (MG), organizando uma grande ofensiva às fazendas escravocratas da família Junqueira. A rebelião, duramente reprimida pela Guarda Nacional, simboliza a luta antiescravagista, hoje lembrada pela Unidade Popular e a Frente Negra Revolucionária, que denunciam o racismo inerente ao capitalismo e constroem o socialismo.
André Molinari | Redação SP
No ano de 1833 uma enriquecida família portuguesa de escravocratas acumulava uma vasta extensão de propriedades nas intermediações dos atuais municípios de Carrancas, São João del Rei, Cruzília, Luminárias e São Tomé das Letras, no sul do estado de Minas Gerais. Essa era a família dos Junqueira.
O deputado Gabriel Francisco Junqueira, o Barão de Alfenas, detinha nessas intermediações uma fazenda que, em 1839, matinha 103 negros e negras escravizados para cuidar da plantação e do gado, na Fazenda Campo Alegre – chegaram a ter 163. Na freguesia de Carrancas existia, na época, cerca de 2,5 mil negros escravizados, cerca de 62% de toda a população da região.
A família dos Junqueira, atualmente, é uma das famílias mais tradicionais da região de Ribeirão Preto (São Paulo), onde também instalaram fazendas com trabalho escravo, contribuíram com a Ditadura Militar e hoje membros da família são até sócios do NuBank.
Julião Congo, um dos negros escravizados pela família Junqueira relatou os maus-tratos que sofria: “Respondeu que seu senhor o tratava de mandrião, não estava contente com o seu serviço, dava-lhe pancadas, ainda mesmo quando estava doente”.
Falando sobre as violências a que os escravizados eram submetidos, Clóvis Moura, relata em Cem Anos de Abolição do Escravismo no Brasil:
“Essa massa escrava distribuída nacionalmente era submetida a todos os tipos de torturas físicas e morais quando se rebelavam ou por simples capricho do seu senhor: máscaras de ferro, tronco, gargalheira, libambo, além de açoites públicos no pelourinho. Suas famílias, por sua vez, eram fragmentadas ao serem os seus membros vendidos para senhores diferentes.
A mulher negra-escrava era aquela que mais sofria. Transformada em objeto de trabalho era, também, objeto de uso sexual do senhor, nascendo dessas relações um enorme número de filhos bastardos, mas escravos […]. Por outro, esse princípio proporcionava imensa mortalidade infantil, não só pelas condições em que eram criados nas senzalas, mas também porque o senhor achava mais econômico comprar outro escravo quando ele morria ou ficava incapacitado para o trabalho. […]
O escravo, no entanto, não aceitava passivamente tal estado de coisas. Revoltava-se constantemente contra o cativeiro a que estava submetido. O rosário de lutas do negro escravizado contra o estatuto que o oprimia enche todo o período no qual perdurou o sistema escravista de produção.”
E foi o que aconteceu, quando um escravo da família Junqueira decidiu, no dia 13 de maio de 1833 que era hora de tomar a história em suas próprias mãos.
Ventura Mina
Ventura Mina, o rei negro, era um escravizado da etnia Mina, da cultura Fanti-Axânti oriunda de Gana. Em 1931 os escravizados da região de Carrancas já tinham começado a preparar um levante, mas que não foi levado a cabo.
Ao longo dos anos seguintes, Ventura Mina organizou uma rede de armamentos, materiais com escravizados tropeiros – Roque e Jerônimo, da fazenda da Prata – e conversava com vários escravizados das fazendas do entorno. Ventura entrou em contato com tropeiros garantiu com eles carregamentos de armas e informações da vida política do Império. Nos autos do processo-crime da insurreição, foi registrado com base no testemunho de seus companheiros que: “Ventura além de ter um gênio fogoso e ardente era empreendedor, ativo, laborioso, tinha uma grande influência sobre os réus e estranhos de quem era amado, respeitado e obedecido”.
José Mina, companheiro de luta de Ventura, afirmou que Ventura passou dois anos preparando uma insurreição. Que começou a articular e planejar isso no instante que chegou nas intermediações, comprado pela família Junqueira no Rio de Janeiro. Na véspera da revolta, Ventura foi até a senzala da fazenda Bela Cruz, também da família Junqueira, onde junto com Joaquim Mina decidiram que no dia seguinte deveriam lançar toda a organização numa revolta contra os seus senhores.
A Revolta das Carrancas
Na manhã do dia 13 de maio de 1833, exatos 55 anos antes da incompleta abolição da escravatura no Brasil, Ventura Mina liderou mais de 30 negros num levante contra a família escravocrata dos Junqueira. O plano era de justiçar todo o senhorio da região e expropriar as propriedades.
Para isso, primeiramente seriam invadidas as fazendas Campo Alegre, Bela Cruz, Jardim, Campo Belo, Campo Formoso e Carneiros. Depois voltariam reunidos para tomar as fazendas Santo Inácio, Favacho, Traituba e Penhas. A partir daí os escravos se dividiriam em duas porções dos quais uma seguiria para o Espírito Santo a extinguirem a família dos Andrades e outra para Carrancas a extinguirem às famílias dos Machados e mais fazendeiros desse lado.
Os escravos usaram instrumentos de trabalho – paus, foices e machados – e mesmo armas de fogo para dar cabo da rebelião. Primeiro derrubaram Gabriel Franscisco Junqueira, filho do dono da fazenda Campo Alegre, não atacaram a sede da propriedade, porque estava fortemente protegida com capitães-do-mato. Rumaram para a sede da fazenda Bela Cruz e lá justiçaram todos os escravocratas e cúmplices que encontraram. Depois decidiram partir para travar combate na fazenda Bom Jardim.
João Cândido Junqueira, escravocrata dono da fazenda Bom Jardim, já tinha tomado consciência do ocorrido nas terras de Campo Alegre e Bela Cruz, organizando a fazenda para repelir a rebelião. Neste confronto, Ventura Mina foi gravemente ferido, e pela resistência dos escravocratas foi preciso bater em retirada. Em seguida, as autoridades locais, proprietários e a Guarda Nacional se uniram para liquidar toda a revolta. Nestes últimos confrontos, Ventura Mina, João Inácio, Firmino, Matias e Antonio Cigano foram mortos.
Temendo uma onda de sucessivas revoltas, os vilarejos da região convocaram homens armados para impedir os levantes. Foram colocados no centro da vila de Rezende, uma vila próxima, uma força de quarenta soldados, parte da cavalaria e parte da infantaria, devidamente munida de pólvora e bala, para derrubar qualquer escravizado revoltoso.
Resistência que permanece
As sucessivas ondas de resistência da história do Brasil demonstram que os trabalhadores pobres e explorados, humilhados pelos ricaços, nunca se contentaram com sua situação de dor e opressão. Seja nas confederações e levantes indígenas, revoltas e quilombos negros, levantes camponeses, greves operárias, manifestações democráticas e muitos outros exemplos de luta. Cotidianamente se levantam as “vítimas da fome e os famélicos da terra” para dizer: basta!
Neste 13 de maio, dia da incompleta abolição da escravatura no Brasil serão organizados diversas manifestações e atividades pela Unidade Popular e pela Frente Negra Revolucionária – Manoel Aleixo (FNR) para denunciar a violência de estado que cai sobre a população negra desde o início do capitalismo. Violência esta que só poderá ter fim quando todos os trabalhadores e trabalhadoras, assim como Ventura Mina, tomarem seus destinos em suas mãos e confrontarem seus senhores, tomar aquilo que é nosso por direito e neste histórico ato de justiça, construir uma sociedade sem amos, construir o socialismo.