As crianças ainda são o grupo social que mais sofre violência no Brasil: somente no ano passado, foram registradas 274 mil denúncias. A causa não é outra senão o sistema capitalista de produção.
Alice Morais | Movimento Olga Benario
SOCIEDADE – Segundo dados do Ministério de Direitos Humanos e da Cidadania, em 2024 foram registradas mais de 274.000 denúncias de casos de violência contra crianças no Brasil. Os principais casos são a violência sexual (abusos, estupro de vulnerável e exploração sexual), a física (agressões, maus-tratos, tortura e homicídios) e a negligência (abandono, falta de cuidados básicos, etc). Muitas das denúncias registradas indicam que a violência, na maioria dos casos, parte de pessoas do convívio da criança, em particular do seio familiar.
A infância é fase da vida dos 0 aos 12 anos onde o indivíduo ainda está adquirindo experiências e formando sua personalidade. Por isso, as crianças precisam de cuidados e proteção, justamente por estarem mais suscetíveis a violências, pois ainda não entendem exatamente quais são seus direitos, o que caracteriza uma violência e como pedir ajuda. Assim, crescer em um lar violento gera consequências para o resto da vida e é o que aponta dos dados do Disque 100, que evidenciam que 81% das violências contra as crianças acontecem em suas casas.
Estudos apontam que a violência na infância pode alterar o cérebro não apenas no aspecto psicológico, mas também no biológico. “Todas as situações de maus-tratos, desde as mais leves até as mais graves, modificam de forma neurobiológica a maneira que as crianças têm de responder ante situações de estresse”, relata Lourdes Fañanás de Saura, doutora em Biologia e pesquisadora do Centro de Pesquisa Biomédica em Rede de Saúde Mental (CIBERSAM). Além disso, experiências de violência durante os primeiros anos de vida também se relacionam com mais de 35% dos transtornos mentais diagnosticados na idade adulta.
A banalização da violência
Este cenário de violência parece ser a realidade para a maioria das crianças no país. Os lares violentos são reflexo da realidade violenta do sistema capitalista: hoje, mais de 60 milhões de brasileiros estão em insegurança alimentar; em 2 anos, a violência da polícia contra crianças e jovens em São Paulo aumentou 120%, e cerca de 5 mil crianças são assassinadas anualmente em nosso país.
Diante dessa dura realidade, é que se reproduz a violência no seio familiar. Não é incomum os pais se utilizarem de gritos, humilhação, manipulação e castigos, na “intenção de educar” a criança. O mais comum são as agressões disfarçadas de educação, conhecidas como “palmadas”. Ao contrário do que pensam muitos pais, estudos científicos já comprovam que esses métodos não são eficazes e causam danos ao psicológico das crianças. A criança carrega essa marca para o resto da vida. Além disso, é uma forma de banalizar a violência. Uma criança que cresce em um lar violento tende a achar que é natural ser violentada ou violentar outra pessoa.
Assim, a naturalização da violência às crianças é o reflexo das violências ao qual a classe trabalhadora já é submetida cotidianamente sob o capitalismo, uma vez que a família constitui a sua unidade fundamental para a reprodução deste sistema e de toda a sua dominação. “A família, tal como existe na sociedade burguesa, é ao mesmo tempo o reflexo da ordem econômica e uma de suas bases mais sólidas”¹. Neste modelo familiar, o modelo burguês, o homem é o centro do poder dessa relação social, enquanto a mulher e os filhos tornam-se sua propriedade. “Com a monogamia e a propriedade privada, o homem passou a ver a esposa e os filhos como sua propriedade exclusiva”². Nessa lógica, o homem pode fazer o que quiser com a mulher, já que esta é seu objeto: mandar, bater, até matar; da mesma maneira com as crianças: se são propriedade da família, são seus objetos, por isso os adultos podem decidir tratá-las como bem quiserem.
A causa da violência contra as crianças é o sistema capitalista
As relações familiares modernas são consequência do modo de produção, no caso, do sistema capitalista, sistema que vivemos hoje. Essa forma de organização da sociedade é pautada na exploração de classes: a burguesia — que é a classe dominante, domina os meios de produção e se apropria de tudo que é produzido pela sociedade — explora a classe trabalhadora — que é a classe que não tem posses, tem apenas sua força de trabalho, e a vende para o burguês em troca de um salário, que fornece o mínimo necessário para a sobrevivência.
Nesse sentido, para manter o sistema funcionando, é necessário que a burguesia dissemine suas ideias, ou seja, a ideologia, para que as pessoas acreditem que a sociedade em que vivemos é a melhor, a mais correta e a única possível. Daí surge a dominação cultural, através das crenças e costumes da sociedade. A família é, portanto, uma unidade fundamental para continuar a disseminação do sistema capitalista, pois reproduz esta lógica de exploração.
A educação libertadora, aquela que é defendida pelos comunistas, pretende que as crianças sejam seres individuais e devem ser respeitadas para garantir seu desenvolvimento pleno enquanto pessoa. Portanto bater, gritar, humilhar e qualquer outra forma de violência não contribui para o desenvolvimento infantil, pelo contrário, reforça a violência. Contudo, se a banalização da violência às crianças é resultado do sistema capitalista de produção, a luta pelo direito à infância está, da mesma forma, ligada à luta pelo socialismo. O socialismo é um sistema de produção baseado na colaboração mútua, sem exploração do trabalho de ninguém; por isso, a individualidade e o bem-estar das pessoas são assegurados.
Assim, na luta pelo socialismo, é fundamental romper com a violência na educação das nossas crianças. Bater, gritar, oprimir e qualquer outra forma de violência não deve ser encorajado. Devemos construir creches coletivas, para assim aliviar a sobrecarga da família — sobretudo as mulheres, que são as principais responsáveis pelo cuidado com os pequenos — e retirar unicamente dela a responsabilidade de educar e cuidar, afinal o bem-estar das crianças é do interesse de toda a sociedade. As creches devem ser espaço de cuidado, proteção e formação das crianças. Criar filhos que acreditam no respeito às diferenças, são solidários e não reproduzem a violência é fundamental para a derrota do capitalismo e a vitória do socialismo.
Notas: (Friederich Engels em A origem da família, da propriedade privada e do Estado)