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segunda-feira, 19 de maio de 2025

CARTA | Na luta se encontra sentido para vida

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Em carta ao jornal A Verdade, brigadista argumenta: “Enquanto a burguesia defende que o sentido da vida é individual, meritocrático, minha história — e a história dos jovens e trabalhadores em geral — demonstra que a realidade é na direção contrária. Só a luta coletiva pode dar sentido à vida.”

Junior de Sousa | Suzano (SP) 


A periferia de Palmeiras está localizada na cidade de Suzano, no Alto Tietê, estado de São Paulo. É aqui que moro desde o dia em que nasci. Nunca foi fácil crescer por aqui — como não é em nenhuma periferia do nosso país.

A quebrada sempre foi um lugar onde a violência se impõe de todas as formas. Tudo começa com a ausência proposital de acesso à cultura, ao lazer, à saúde, ao saneamento e à educação — uma exclusão planejada pela burguesia. Aqui, a violência policial é regra, e o respeito à dignidade da classe trabalhadora, exceção.

Nesse contexto muito cedo comecei a minha buscar pelo sentido da vida.

Ainda criança, numa noite de domingo chuvosa, vi uma cena que me marcou profundamente. O céu estava escuro. Olhei pelo portão de casa e vi um senhor negro, retinto, de cerca de 50 anos, caminhando com dificuldade e recolhendo papelão em meio ao temporal. Ao ver sua expressão de sofrimento, fechei os olhos e desejei, com todas as forças, que aquela chuva parasse.

Pensei naquilo por meses. E concluí: a vida não fazia sentido. Se estar vivo era estar entregue à miséria e ao sofrimento, por que continuar vivendo?

No ano seguinte, encontrei um livro esquecido no fundo da biblioteca da escola — “Batismo de Sangue”, de Frei Betto. Foi minha primeira leitura revolucionária, aos 12 anos.

A obra narra a participação dos frades dominicanos na luta contra a ditadura militar, nos anos 1960 e 70. Eles apoiaram a resistência armada contra a ditadura através da Ação Libertadora Nacional (ALN), liderada por Carlos Marighella.

Terminei o livro e decidi fundar um grêmio estudantil. Queria ser como Marighella — mesmo sem talento para a poesia, nem para as letras. Ali começou a florescer minha consciência de classe. E o dia a dia tratou de fazer essa semente crescer e desabrochar: a vontade de lutar a batalha que é simplesmente existir em um mundo marcado pela exploração.

Ao ler sobre as prisões, torturas e mortes enfrentadas por esses revolucionários, compreendi que o sentido da vida deveria ser muito mais profundo do que eu imaginava. Aqueles camaradas me ensinaram que o sentido da vida podia — e devia — ser coletivo. Sem saber, eu havia descoberto ali um dos princípios da moral comunista. Essa nova moral se baseia na valorização do bem coletivo, na igualdade entre as pessoas, na solidariedade entre os trabalhadores e na rejeição da exploração do ser humano pelo ser humano. Como dizia o comandante Che Guevara, “o indivíduo se desumaniza aos poucos; acaba por se converter em uma engrenagem de uma máquina, perde sua condição de ser humano completo. Isso acontece no capitalismo. No socialismo, por outro lado, é preciso transformar as consciências, criar o homem novo.”

Com tudo isso na cabeça ainda em reflexão, o grêmio nasceu. E nos anos seguintes, vieram muitas lutas: as Jornadas de Junho de 2013; piquete estudantil na porta da escola que estudava, em 2014, pela destituição da direção escolar; as ocupações das escolas em 2015, contra o seu fechamento; a ocupação do Centro Paula Souza, em 2016, contra o roubo da merenda; as mobilizações pelo Fora Temer e contra as reformas trabalhista e da previdência, em 2017, e muitas outras.

Foi também em 2017 que, viajando num vagão da Linha 10–Turquesa (ABC Paulista), conheceria um militante chamado João, da UJR (União da Juventude Rebelião). Ele usava um colete branco com os dizeres: “Unidade Popular – Pelo Socialismo” e certamente contribuiria para os meus próximos passos.

Ao discursar habilmente em menos de três minutos, sendo direto e bolchevique, explicou como o capitalismo era incapaz de atender às necessidades da classe trabalhadora, a urgência de acabar com a exploração, de tomar os meios de produção, e a então necessidade existente de fundar um novo partido de esquerda radical, a Unidade Popular pelo Socialismo (UP). No fim, pediu que quem se interessasse pela legalização do partido assinasse uma ficha. Levantei a mão e assinei.

Por cinco anos, não acompanhei o desenrolar dos fatos.

Em 2022, atravessava o pior momento da minha vida. Enfrentava uma depressão severa, conflitos familiares graves, e estava à beira de desistir de tudo. Foi quando decidi voltar à luta, por meio das jornadas do “Povo na Rua, Fora Bolsonaro” impulsionadas pela UP.

Com muita alegria descobri que o partido cuja fundação eu havia apoiado havia realmente sido fundado. Conheci uma militante chamada Camu, que logo me convidou para um protesto do 7 de setembro na cidade de Mogi das Cruzes. Depois, participei de uma plenária de apresentação e, com muito orgulho, me filiei ao partido que eu mesmo havia ajudado a fundar.

No começo, os núcleos da minha região eram pequenos. Mas o trabalho cresceu em ritmo acelerado. Em poucos meses, assumi a tarefa de coordenador do núcleo na minha cidade — e desde então, inúmeras lutas foram travadas e seguem acontecendo. Os tempos mudam, nossas tarefas também. Logo menos um novo camarada estava em meu lugar.

Junto ao partido organizei e participei de várias ocupações, manifestações, panfletagens, brigadas do Jornal A Verdade, Greves, vi lutas nasceram, se desenvolveram e darem frutos.

Conheci a história de heróis que deram suas vidas pela revolução, e, pude começar a sentir orgulho de compor as mesmas fileiras de Manoel Lisboa de Moura, Amaro Félix, Amaro Luiz, Manoel Aleixo, Emmanuel Bezerra, Selma Bandeirae tantos outros.

Meus camaradas se tornaram minha família. Minha vida se fundiu à luta.

Sou grato por estar do lado certo da história, de lutar pelo poder popular e pelo socialismo.

No final de contas compreendi que nossa vida não tem sentido até que a gente dê um sentido para ela.

A luta cria o sentido para a vida, e, a vida cria o sentido para a luta.

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