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quinta-feira, 22 de maio de 2025

Sem comida, sem educação: a realidade dos restaurantes universitários no Brasil

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Falta de verbas nas universidades gera problemas nos restaurantes universitários de todo país que sofrem com falta de estrutura e pessoal.

Thaís Rachel Zacharia | Vice-Presidente da UNE


JUVENTUDE – Atualmente, o Brasil possui cerca de 10 milhões de estudantes matriculados em instituições de ensino superior.  A maioria jovens, que veem o ingresso em uma universidade como a possibilidade de transformação de vida. Porém, as dificuldades para se manter estudando são enormes e ficam evidenciadas com nas altas taxas de evasão.

Em 2023, a taxa de evasão em cursos presenciais foi de 26,4%, ou seja, 1,35 milhão de estudantes desistiram de seus cursos. Nos cursos EaD a situação é ainda mais alarmante: quase 2 milhões dos ingressantes (40%) abandonaram seus cursos. As motivações para isso são inúmeras: dificuldades financeiras; transporte público ineficiente; desestímulo com as disciplinas; necessidade de conciliar trabalho e estudo; e, sobretudo, a ausência de políticas de permanência e assistência estudantil verdadeiramente eficazes.

Apesar dos avanços, em especial com a Política Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes), que transformou o programa de assistência estudantil que antes dependia de governos, em política de Estado, ainda há muitas limitações, em especial no tema orçamentário. Em 2024, o Governo Federal destinou R$ 1,5 bilhão para a assistência estudantil na educação superior, atendendo a 400 mil estudantes exclusivamente de universidades públicas. Vale lembrar que o pagamento da dívida pública no mesmo ano drenou R$ 5,5 bilhões por dia (!) dos cofres públicos. Ou seja, a política econômica do Governo privilegia os bilionários em prejuízo de assegurar a formação dos estudantes brasileiros.

Segundo o Pnaes, os restaurantes universitários (RUs), também conhecidos como “bandejões”, são uma das principais ferramentas para assegurar que estudantes permaneçam na universidade até a conclusão do curso ao oferecer alimentação gratuita ou a custos reduzidos. O jornal A Verdade fez um levantamento sobre a situação dos RUs e o do sistema de alimentação de algumas universidades ao redor do Brasil para entender melhor essa realidade no dia a dia dos estudantes.

Não há comida para quem precisa

Hoje, a gestão do sistema de alimentação das universidades é descentralizada, e não há dados sistematizados de orçamento e custos operacionais. Das 69 universidades federais do país, quase todas possuem restaurantes universitários em ao menos um campus, porém, a maioria atende a uma parcela muito pequena dos discentes. Já nas universidades estaduais, 29 contam com restaurantes universitários e 17 não possuem o serviço. A maioria das universidades privadas não conta com nenhum tipo de sistema de alimentação próprio, e as que dispõe desse serviço praticam valores inacessíveis.

As dificuldades mais recorrentes nos restaurantes universitários são: ausência de restaurantes em todos os campi; quantidade insuficiente de refeições; filas enormes; comida estragada; falta de pagamento dos trabalhadores dos restaurantes. O jornal A Verdade conseguiu dados e informações sobre o sistema de alimentação de cinco universidades que serão apresentadas a seguir.

Na Universidade Federal de Goiânia (UFG), três dos quatro campi possuem restaurante universitário, todos sob gestão de empresas terceirizadas. No campus de Aparecida está prevista a construção do RU, cuja obra tem o valor estimado de R$ 7,5 milhões e onde, temporariamente, estão sendo servidas quentinhas aos estudantes. Um total de R$ 21,6 milhões do orçamento da universidade é investido no sistema de alimentação. Os valores cheios das refeições são R$ 7,66 (café da manhã) e R$ 16,80 (almoço e janta). Desses valores, os estudantes de graduação pagam R$ 2,50 e R$ 4,00 respectivamente.

Apesar de existirem opções de alimentação em todos os campi, os problemas são inúmeros. “É um absurdo o RU não abrir no jantar nos finais de semana e feriados! Isso prejudica muito quem mora na Casa do Estudante. No campus da cidade de Goiás, ainda não temos café da manhã. Como que vamos pra aula com fome? Em Goiânia, no Colemar e Samambaia, sempre tem filas enormes durante o almoço e não se fez nada para tentar expandir o restaurante para diminuir as filas, além de ficar claro que o RU atende a uma parcela pequena dos estudantes”, declarou Emily Pereira, estudante de Biomedicina e coordenadora geral do DCE-UFG.

Na Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), a gestão do restaurante universitário também é terceirizada e corresponde a R$ 17,6 milhões do orçamento. Os problemas se repetem: a refeição é cara (R$ 17,82, dos quais R$ 2,50 são pagos pelos estudantes), falta de capacidade para atender o corpo estudantil, causando superlotação, filas enormes, falta de climatização nos refeitórios, entre outros. Entretanto, ao longo dos anos, os estudantes se organizaram para conquistar melhores condições de alimentação.

Whilber Ribeiro, estudante de Matemática e coordenador geral do DCE-UFMT, relata: “Em 2018, ocupamos todos os campi da universidade e vivemos a maior greve estudantil do estado. A principal pauta, era justamente barrar o aumento do preço do RU, que custava R$ 1,00, e a Reitoria queria aumentar para R$ 10,00. Hoje, pagamos R$ 2,50, mas nossa luta segue a mesma por RU gratuito para todos os estudantes. Nesse ano, teremos a comissão paritária que avalia o desempenho da empresa que gere o RU, e vamos organizar a luta pela redução do preço!”.

Em Sergipe, o restaurante da UFS se chama de Resun e funciona apenas no campus principal de São Cristóvão. Nos demais campi, a comida é servida em quentinhas, que, além de não atenderem a todos os estudantes, não raras vezes chegam estragadas ou atrasam muito por conta do transporte, dificultando o acesso à alimentação. Em novembro de 2024, cerca de 50 pessoas, em um mesmo dia, tiveram problemas gastrointestinais, como vômito, diarreia e febre, após comerem no Resun do Sertão. A universidade investe hoje cerca de R$ 27 milhões na alimentação, e o custo de cada refeição é R$ 14,66, dos quais R$ 1,00 é pago pelos estudantes.

Giovanni Oliveira, estudante de Relações Internacionais denuncia as condições precárias: “Passamos por filas imensas, chegamos até a ter que ficar mais de uma hora para poder almoçar. Mas o pior de tudo é o calor extremo dentro do restaurante: cada dia se torna mais insuportável ter que almoçar enquanto você derrete de suor num ambiente lotado!”.

Nas universidades estaduais também existem exemplos semelhantes. A Universidade Estadual Paulista (Unesp) conta com restaurantes universitários em apenas 10 das 24 cidades em que possui campus. Algumas unidades não possuem nem sequer cantinas, fazendo com que a comunidade acadêmica não tenha nenhuma opção de alimentação. A universidade utiliza um sistema de reserva de refeições no qual os estudantes entram em uma fila de compras virtual para adquirir as refeições da semana seguinte. Além de excludente, esse sistema se mostra insuficiente: em Bauru, por exemplo, existem 6.000 estudantes de graduação e cerca de 1.000 estudantes de pós-graduação, mas apenas 1.300 refeições são servidas, 800 no almoço e 500 na janta. Sobre isso, Muriel Veronezzi, estudante de Arquitetura e Urbanismo, denuncia: “A maioria gritante dos estudantes não consegue comer! Na semana passada, em 15 minutos já tinham acabado as refeições da janta pra semana seguinte… Ao longo do dia, os grupos de WhatsApp de compra e venda de refeições fervem de estudantes desesperados para comprar uma refeição e não passarem fome”.

Diante desse cenário, os estudantes do campus Bauru têm se organizado. No início de abril, fizeram “entraços” no restaurante universitário, garantindo que cerca de 500 estudantes se alimentassem mesmo sem o agendamento.

Uma das maiores universidades do país, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é a única do levantamento que conta com restaurantes universitários em todos os campi. Entretanto, são servidas uma média de 7.600 refeições por dia, número muito inferior aos mais de 70 mil estudantes da instituição.

Além disso, um dos principais desafios é a questão contratual da empresa terceirizada que gerencia as unidades, a Nutrienergy. Apesar de a universidade realizar o pagamento do contrato em dia, muitas vezes a empresa não repassa os valores aos trabalhadores, o que afeta o serviço de todo o sistema de alimentação. O DCE Mário Prata organizou um “calotaço” em abril em apoio a greve dos trabalhadores do bandejão.

Giovanna Almeida, estudante de Direito e tesoureira do DCE explica: “Precisávamos fazer alguma coisa. Os trabalhadores não poderiam trabalhar sem receber, e os estudantes não poderiam ficar sem comer. Então nós mesmos fomos fazer o que os trabalhadores fariam. Ocupamos o bandejão, servimos a comida, lavamos a louça e organizamos a fila. Nenhum estudante pagou o bandejão em protesto à atitude absurda da empresa!”.

Diante dos desafios enfrentados pelos estudantes brasileiros no ensino superior, especialmente no que diz respeito à permanência e à assistência estudantil, é urgente a mobilização coletiva para exigir mais investimentos na educação. O governo diz que a educação é prioridade, mas basta olhar para onde vão os recursos públicos para escancarar a contradição.

A UFRJ, por exemplo, investe R$ 45 milhões por ano no sistema de alimentação. Esse valor é equivalente ao que é consumido em 11 minutos com o pagamento de juros e amortização da dívida pública. Para mudar essa realidade, é indispensável uma grande mobilização de massas, e os diversos casos relatados aqui demonstram que só conquista quem luta.

Matéria publicada na edição n°311 do Jornal A Verdade.

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