Atraso criminoso para que medicamentos sejam aprovados para entrar no SUS e disponibilizados ao povo é uma forma de violência que afeta a saúde, principalmente de pacientes oncológicos, com doenças graves ou raras.
LETÍCIA PICHININ DE SOUZA | UP Vila Prudente (São Paulo, SP)
SAÚDE – No Brasil, o câncer de mama é o segundo tipo mais prevalente entre as mulheres, com cerca de 70 mil novos casos por ano. O tratamento é de acordo com as características de cada caso, e pode incluir quimioterapia por infusões na veia, cirurgia e radioterapia.
Nos últimos anos a ciência tem avançado com tratamentos mais específicos, eficazes e seguros, havendo hoje opções em comprimidos, com melhores resultados e menos efeitos adversos como o mal estar marcante da quimioterapia. São os chamados “inibidores de ciclinas”¹, recomendados para pacientes com câncer em estágios avançados ou com metástase. Esses medicamentos entraram no “rol da ANS”, o que significa que passaram a ser cobertos pelos planos de saúde privados em 2021, mesmo ano em que recebeu recomendação favorável para a entrada na saúde pública no Sistema Único de Saúde – SUS (Portaria nº 73, Diário Oficial da União nº 229).
Após 180 dias da publicação os medicamentos já deveriam estar disponíveis na rede pública, mas até hoje isso não aconteceu.
Demora na aprovação custa a vida de milhares de brasileiras
Para que um tratamento chegue ao SUS, ele deve passar pela rigorosa Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS), além de consulta pública aberta à população. Segue então para a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC); por fim, para a tomada de decisão por parte da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação e do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (SECTICS), parte do Ministério da Saúde.
Esse processo busca entender se o novo remédio funciona, o potencial de beneficiar a população, a custo-efetividade e qual o impacto no orçamento do SUS. Os inibidores de ciclinas já passaram por todo esse processo, mas as mulheres continuam falecendo na espera pelo tratamento.
Diferente do que acontece com outros medicamentos de alto custo, em que a compra é centralizada e feita pelo governo federal, para os medicamentos oncológicos a aquisição é feita por repasse do Estado para os centros especializados. O tratamento com inibidores de ciclinas têm um custo mensal por paciente de R$12.896,00 mas os hospitais recebem apenas R$2.378,00, o que impossibilita o tratamento.
Ministério da Saúde prefere gastar com processos a liberar tratamentos
Esse descaso com a saúde da população não é novidade e nem um caso isolado. Outros medicamentos para câncer de pulmão, rins e próstata já têm atrasos de até dez anos. Quem pode recorre a advogados para judicializar – isto é, quando se processa o Estado numa tentativa de obrigá-lo a cumprir com seu dever. Estima-se que o Ministério da Saúde gaste mais de 10 bilhões por ano com judicializações, a imensa maioria devido a indisponibilidade de medicamentos já aprovados no SUS, demonstrando que essa ineficiência têm custado caro.
Em 2023, o Tribunal Regional Federal da 4ª região deu entrada em uma Ação Civil Pública a respeito da falta de financiamento e consequente atraso na incorporação dos medicamentos. Em audiência, o Ministério da Saúde relatou que estava com dificuldades burocráticas e orçamentárias para efetivar a incorporação dos medicamentos. Em janeiro de 2024, o Ministério da Saúde apresentou um novo relatório e, de nove tratamentos com atraso, apenas um (blinatumomabe) teve a situação resolvida.
Câncer é a segunda causa de morte no país, mas ao invés de custear o tratamento do povo, o governo brasileiro prefere pagar a dívida pública e enriquecer a burguesia. Cerca de 80% da população depende do SUS, que permanece sob ataque no novo arcabouço fiscal.
No sistema capitalista o lucro é imperativo e a saúde não é verdadeiramente um direito, mas sim um produto: um privilégio disponível apenas para quem puder pagar.
¹ Os inibidores de ciclinas (abemaciclobe, ribociclibe, palbociclibe) são recomendados para tumores tipo RH+, HER2- que representam 65% do casos.