No dia 19 de maio de 2025, completou-se o centenário de nascimento de Malcolm X, líder negro que marcou a história com sua luta contra o racismo e ao capitalismo nos Estados Unidos.
Queops Damasceno | Salvador (BA)
HERÓIS DO POVO – No dia 19 de maio de 2025, comemoramos o centenário de nascimento de Malcolm X, nome pelo qual ficou conhecido o militante revolucionário El-Hajj Malik El-Shabazz. Sua vida, marcada pela rebeldia e a indignação daqueles que buscam a transformação política, representa um capítulo fundamental na história da luta do povo negro, não só nos Estados Unidos, mas no mundo. Malcolm lutou contra o racismo e o capitalismo, e revelou suas raízes em pleno coração da principal potência imperialista, os EUA.
“Estou aqui para vos dizer que acuso o homem branco. Acuso-o de ser o maior assassino da Terra. Acuso-o de ser o maior raptor da Terra. Acuso-o de ser o maior ladrão e escravizador da Terra!… Ele não pode negar as acusações… somos delas a prova viva! Vós e eu somos a prova. Não sois americanos, sois vítimas da América! Vocês não escolheram vir… Terem nascido aqui não vos torna americanos. Tu e eu não somos americanos. Tu és um dos 22 milhões de pretos vítimas da América. Tu e eu nunca vimos a democracia. Não vimos democracia nos campos de algodão da Geórgia. Lá não há democracia. Não vimos democracia no Harlem, Brooklyn, Detroit, Chicago. Não, nunca vimos a democracia. Não vimos mais do que hipocrisia. Não vimos qualquer ‘sonho americano’. Só experimentamos o pesadelo americano”. Eis o pensamento de Malcolm X, que acusava brancos capitalistas como responsáveis por toda a tragédia da vida do povo negro explorado e oprimido.
Infância e adolescência
Nascido em Omaha, Nebraska, em 1925, Malcolm veio ao mundo em uma época de dura repressão racial. Seu pai, Earl Little, era pastor e ativista do movimento liderado por Marcus Garvey, que pregava o nacionalismo negro e o retorno dos afro-americanos à África. Earl era um crítico feroz da opressão e, quando Malcolm tinha apenas seis anos, sua casa foi incendiada pelo grupo supremacista branco Ku Klux Klan. Dias depois, seu pai foi brutalmente assassinado: espancado, linchado e jogado nos trilhos de um bonde. O impacto dessa violência marcaria para sempre a vida do menino.
Sua mãe, Louise Little, também foi vítima do sistema. Era uma mulher negra de pele clara, resultado do estupro de sua mãe por um homem branco. Após a morte do marido, sofreu um colapso mental e foi internada em um hospital psiquiátrico, onde permaneceu por 26 anos. Os filhos foram separados e enviados a lares adotivos. Malcolm, ainda jovem, passou a rejeitar sua própria pele um pouco mais clara, pois a associava à violência sexual sofrida pela avó. Esse traço do racismo não deixava somente uma herança de luta social, mas também uma mancha íntima, familiar, profunda.
Apesar dos traumas, ele se destacava na escola. Era o melhor aluno da sala e foi eleito representante da turma. Mas, quando disse que queria ser advogado, ouviu de seu professor branco que essa não era uma profissão “realista” para um garoto negro. “Seja carpinteiro, como seu pai”, foi o conselho. Rejeitado e frustrado, abandonou a escola e mergulhou na vida das ruas.
Na juventude, passou por Boston e Nova York, onde trabalhou como engraxate em casas noturnas e conheceu o submundo do Harlem, o tráfico e a prostituição. Mas acabou se envolvendo com duas mulheres brancas que roubavam casas. Quando foi preso em um desses roubos, ele e seu amigo negro, Shorty, receberam uma pena de dez anos, enquanto as mulheres brancas foram condenadas a menos de dois. O crime, para a justiça racista americana, não era apenas roubo: era se relacionar com mulheres brancas.
Foi na prisão que Malcolm teve seu primeiro contato com a Nação do Islã, organização religiosa que pregava que o homem negro era o ser original da Terra e que o branco era o demônio histórico. Através de cartas e livros, Malcolm reconstruiu sua identidade. Ao sair da prisão, em 1953, rejeitou seu “sobrenome de escravo” e passou a se chamar Malcolm X – o “X” simbolizava o nome africano perdido.
Sua militância dentro da Nação do Islã foi vertiginosa. Tornou-se o principal porta-voz do grupo por conta de sua disciplina com os estudos e sua oratória imbatível. Fazia uma crítica feroz ao racismo, construindo mesquitas por todos os EUA e fundando o jornal Muhammad Speaks. Multiplicou o número de membros da organização: de 400 para mais de 40 mil em pouco mais de uma década. Defendia o separatismo negro, a autodefesa e denunciava abertamente a hipocrisia liberal dos brancos. Não via sentido em marchas pacíficas que pediam integração com quem sempre oprimiu.
Ao contrário do “sonho americano”, Malcolm apresentava a realidade americana: fome, desemprego, prisões em massa, violência policial e marginalização dos guetos negros. No Harlem, mobilizou multidões, denunciou o Estado e apontou caminhos de organização. Seu compromisso com a luta era profundo: mantinha um rigor ético e religioso, ou melhor, político-ideológico, que o impedia de ter qualquer bem em seu nome.
Avanço na consciência
Em 1963, a relação com a Nação do Islã começou a ruir. Malcolm descobriu que Elijah Muhammad, o líder da organização, tinha filhos com diversas secretárias jovens e se recusava a assumir publicamente a paternidade. Ao perceber a hipocrisia interna e o autoritarismo do grupo, passou a ser silenciado. Foi suspenso, vigiado e expulso.
A decepção com a elite negra da Nação do Islã, que acumulava riquezas e negócios enquanto o povo negro seguia na miséria, levou Malcolm a repensar profundamente sua militância. Em 1964, rompe com a organização e viaja para a África e o Oriente Médio. Em Meca, realiza a peregrinação islâmica e adota o nome El-Hajj Malik El-Shabazz. Lá, entra em contato com uma diversidade de muçulmanos, superando o separatismo racial e se aproximando de uma visão revolucionária mais ampla, ligada aos processos de libertação africanos, à luta contra o imperialismo e ao socialismo.
Reuniu-se com líderes como Kwame Nkrumah, em Gana, homenageou as Revoluções Chinesa e Cubana, e foi celebrado por ter recebido Fidel Castro no Harlem, quando este foi excluído de uma reunião da ONU em Nova York. Fundou a Organização da Unidade Afro-Americana (OUAA), uma entidade laica, aberta a pessoas negras de todas as religiões, voltada para a construção da unidade do povo negro em torno da justiça, da autodeterminação e da luta contra o sistema capitalista.
Malcolm passou então a defender abertamente a união entre os povos oprimidos e o uso de “todos os meios necessários” para destruir o sistema de opressão. Essa nova postura o colocou na mira do FBI, da CIA, da polícia de Nova York, de grupos racistas e até de setores oportunistas do próprio movimento negro. A repressão se intensificou. A casa onde morava foi incendiada.
No dia 21 de fevereiro de 1965, aos 39 anos, Malcolm X foi assassinado diante de centenas de pessoas durante uma palestra no Harlem. Três homens dispararam dezenas de tiros. Um deles, Talmadge Hayer, foi preso no local. Outros dois sujeitos foram condenados como bodes-expiatórios. Mesmo após Hayer revelar os verdadeiros autores – membros da mesquita de Newark da Nação do Islã – o caso nunca foi reaberto. O principal assassino, William X Bradley, viveu impune até 2018, quando faleceu de causas naturais.
O assassinato de Malcolm foi um crime político, resultado direto da aliança entre setores do Estado norte-americano, FBI, elites negras e organizações religiosas comprometidas com a manutenção da ordem. Malcolm foi morto porque ousou denunciar o racismo como parte estrutural do capitalismo. Como ele mesmo afirmou: “Não há capitalismo sem racismo”.
Mas sua morte não foi em vão. Um ano depois, em 1966, nasceu o Partido dos Panteras Negras, organização marxista-leninista que levou adiante muitas das ideias defendidas por Malcolm: autodefesa, organização comunitária, crítica ao sistema capitalista, combate à violência policial e solidariedade internacional. Os Panteras transformaram as ideias de Malcolm em ação revolucionária.
Agora, no centenário do seu nascimento, Malcolm X segue vivo nas lutas que enfrentam o racismo e o capitalismo, a exploração do trabalho, a marginalização das periferias e o genocídio da juventude negra. Seu legado é um chamado à luta e à resistência. Ele não foi apenas um líder religioso ou um crítico social. Foi um revolucionário de verdade, um homem que se transformou para colocar todas as suas energias e, inclusive sua própria vida, à disposição da luta pelo fim da exploração capitalista, sempre colocando o povo negro no centro.
Sua vida nos ensina que não basta querer inclusão em um sistema que nos oprime. É preciso derrubar esse sistema. E isso só será possível com muita organização e com a revolução!
Matéria publicada na edição impressa nº314 do jornal A Verdade