Pela primeira vez na história, um núcleo de militares e políticos fascistas é julgado no Brasil por golpe de Estado. Processo é resultado de anos de luta popular antifascista nas ruas.
Felipe Annunziata | Redação
BRASIL – Depois de mais de 2 anos e meio de investigação e de processo, o ex-presidente fascista Jair Bolsonaro, os generais Walter Braga Netto, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira, o almirante Almir Garnier, o coronel Mauro Cid, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres e o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), finalmente estão submetidos ao julgamento por seus crimes relacionados ao Golpe de Estado de 2022 e 2023.
É a primeira vez na história da república brasileira que generais e militares de alta patente são julgados por tentarem um golpe fascista. Desde a Proclamação da República, em novembro de 1889, os altos oficiais militares estiveram envolvidos em todas as tentativas golpistas.
O julgamento histórico só foi possível por conta da intensa luta liderada por movimentos sociais, sindicatos e partidos de esquerda, desde antes do início do governo Bolsonaro.
Como afirmou o editorial do Jornal A Verdade de novembro de 2018, logo após a eleição do ex-capitão fascista, o povo continuou lutando contra o fascismos nestes 7 anos. “Ele [Bolsonaro] não conseguirá impor o fascismo porque no meio do caminho há um povo que ama a liberdade e sempre lutou por ela. Prova disso, são as amplas manifestações realizadas no dia 29 de setembro e no dia 20 de outubro, bem como a verdade das urnas: 89 milhões se recusaram a votar no milionário que é contra as trabalhadoras domésticas terem carteira assinada.”
O julgamento
O julgamento feito na 1ª Turma do STF, começou na manhã de hoje (02/09) e tem previsão de seguir até o próximo dia 12 de setembro. Neste primeiro dia, ocorreu a leitura do relatório do processo pelo ministro Alexandre de Moraes e a sustentação oral por parte do Procurador Geral Paulo Gonet, responsável pela acusação, e das defesas de Mauro Cid, Alexandre Ramagem, Almir Garnier e Anderson Torres. Amanhã estão previstas as defesas dos demais acusados.
Durante a abertura da sessão, o ministro Alexandre de Moraes denunciou a tentativa, por parte dos fascistas, de articular uma intervenção dos Estados Unidos no Brasil para libertar Bolsonaro.
“Uma verdadeira organização criminosa que, de forma jamais vista anteriormente em nosso país, passou a agir de maneira covarde e traiçoeira com a finalidade de submeter o funcionamento da Corte ao crivo de outro Estado estrangeiro.”, afirmou Moraes antes de apresentar o relatório.
Plano golpista
A Procuradoria Geral da República fez um extenso histórico dos eventos que levou à tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023. Pelos crimes, o órgão acusador pediu 43 anos de prisão de Bolsonaro. O procurador deixou claro a intenção e a ação golpista efetiva por parte de Bolsonaro e seus generais.
“Não é preciso um esforço intelectual extraordinário para reconhecer que, quando o presidente da República e depois o ministro da Defesa convocam a cúpula militar para apresentar documento de formalização de golpe de Estado, o processo criminoso já está em curso.”, afirmou Gonet durante a acusação.
Gonet lembrou que os planos do golpe começaram já em 2021 com a intensa campanha de desinformação liderada por Bolsonaro para desacreditar as urnas eletrônicas e tentar intimidar o Tribunal Superior Eleitoral a atender seus interesses na eleição de 2022.
Foram apresentadas provas mostrando que o golpe de Estado para impedir a posse e o governo do então presidente eleito Lula sempre foi o objetivo da quadrilha. Em 2022, Bolsonaro tentou angariar apoio internacional numa reunião com os embaixadores lotados no Brasil, depois, sob mando de Anderson Torres, a Polícia Rodoviária Federal (PRF), bloqueou e apreendeu vários ônibus em cidades em que Lula tinha uma larga vantagem.
Até a derrota eleitoral, o então chefe da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) e atual deputado Ramagem, estava incubido da tarefa de seguir candidatos da oposição, ministros do TSE e ajudar na campanha de desinformação. Após a derrota em outubro, os militares assumiram as tarefas de tentar intervir.
Bolsonaro, junto com Braga Netto (candidato a vice-presidente), Paulo Sérgio Nogueira (então ministro da Defesa) e Augusto Heleno (então ministro do Gabinete de Segurança Institucional) tentaram convencer o alto comando das forças armadas a aderir ao plano golpista.
Dos chefes militares, de acordo com as investigações, só o comandante da Marinha, Almir Garnier, colocou as tropas à disposição. Os demais comandantes só revelaram a conspiração depois de intimados pela Polícia Federal e a PGR.
Entre as medidas que os golpistas tomariam estaria um plano para assassinar o presidente e vice eleitos Lula e Alckmin e ministro Alexandre de Moraes, além disso decretaram um “Estado de Defesa” e uma operação da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) no país para garantir o controle do governo.
Com a falta de apoio, os golpistas continuaram a campanha de mobilização com acampamentos na frente dos quartéis. Neste período houve a tentativa de tomar a sede da Polícia Federal, no dia 12 de dezembro, por agentes fascista e a de explodir o aeroporto de Brasília, no Natal de 2022. Após a posse do presidente Lula, a última medida desesperada dos golpistas foi a tentativa de tomada do poder através da tomada das sedes dos poderes em Brasília, em 8 de janeiro de 2023.
Não repetir os erros do passado
O início do julgamento de hoje é a prova de que a mobilização popular pode sim garantir conquistas para o povo. Ao contrário do que a grande mídia burguesa e muitos setores da social-democracia defendem, não foi Alexandre de Moraes e o STF sozinhos que garantiram a defesa das liberdades democráticas.
De fato, alguns ministros do STF, como Moraes, foram importantes para não capitular diante da ofensiva dos golpistas. Mas não podemos cair no mesmo erro que a esquerda caiu durante os golpes de 1954 e 1964, quando confiando que alguns militares legalistas, como Marechal Henrique Lott, garantiriam a democracia no Brasil, se desarmou diante da ameaça do golpe fascista e acabou por facilitar a tomada do poder pelos militares e a derrubada do governo João Goulart.
Durante todos os anos do governo Bolsonaro, centenas de milhares de pessoas foram às ruas em defesa dos seus direitos. O estudantes durante o Tsunami da Educação, em 2019, as milhares de pessoas que se mobilizaram para garantir a vacina durante a pandemia de 2020-2021, as mobilizações pelo Fora Bolsonaro em 2021, que colocaram milhões de pessoas nas ruas, as 3546 greves realizadas pela classe trabalhadora, as centenas de ocupações urbanas e rurais, a própria campanha eleitoral de 2022, entre tantas outras mobilizações serviram para demonstrar que o povo brasileiro não é e nem apoia o fascismo.
São essas forças sociais que deram ao STF a legitimidade e as condições para que pudesse iniciar o julgamento hoje. Mas esta luta não terminou, mesmo com a prisão domiciliar do chefe fascista, a luta continua até que todos os golpistas estejam presos. É preciso punir também seus aliados no chamado “Centrão”, dentro do Congresso Nacional, que querem garantir uma anistia dos crimes de Bolsonaro em troca do encobrimento dos seus esquemas de corrupção envolvendo o Orçamento Secreto.
A luta antifascista continua no nosso país e continuará até derrotarmos de vez os seus chefes e seus financiadores, o capital financeiro nacional e internacional e os grandes monopólios capitalistas.