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quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Patrimônio do povo: a preservação como ferramenta revolucionária

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A preservação da memória cultural e histórica dos povos oprimidos é fundamental para fortalecer e reafirmar sua resistência, força e luta. Os diversos apagamentos impostos pelo colonialismo e pelo capitalismo são intencionais, visando impor sua dominação e explorar ainda mais riquezas.

Mariano Batista | Preservador audiovisual, estudante do IFCE e militante da UJR


CULTURA – A preservação da identidade cultural dos povos oprimidos é essencial para manter viva a memória coletiva e promover o senso de pertencimento e reconhecimento enquanto sujeitos coletivos. Isso envolve não apenas a proteção física e documental de monumentos e artefatos históricos, mas também a salvaguarda das práticas culturais, tradições orais, músicas e danças tradicionais que fazem parte do patrimônio imaterial daqueles povos. Iniciativas como o registro de bens culturais pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e a criação de museus, centros culturais, centros populares de documentação, arquivos físicos e digitais contribuem para a preservação e divulgação do rico legado cultural, histórico e político dos brasileiros.

Todavia, a atuação do IPHAN, e de outras instituições públicas de salvaguarda, são estranguladas pelos cortes orçamentários feitos pelo governo. Ao analisar os Relatórios de Transparência do IPHAN e o Portal da Transparência do Governo Federal, nota-se que em 2024, para a função “Patrimônio histórico, artístico e arqueológico”, a despesa executada foi de R$ 7.643.117,57, enquanto a despesa prevista (orçamento atualizado) era de R$ 305.767.985,00. O orçamento destinado à cultura é vergonhosamente insuficiente, com valores que mal cobrem o mínimo, inviabilizando projetos essenciais de conservação e pesquisa, pois a salvaguarda da história dos povos não é do interesse da burguesia.

Frantz Fanon, um renomado pensador anticolonialista e psiquiatra, destacou a importância da preservação cultural como uma forma de resistência e afirmação de identidade em contextos coloniais e pós-coloniais — na qual está inserido o Brasil. Em “Os Condenados da Terra (1968)”, Fanon reflete sobre a necessidade e a urgência de valorizar e preservar as culturas colonizadas como um meio de combater a dominação e promover a libertação dos povos oprimidos. Nesse sentido, a preservação é crucial porque representa a reafirmação da dignidade, das lutas e da força dos povos que sofreram – e ainda sofrem – o jugo colonização e da exploração capitalista. Os colonizadores-invasores buscavam impor suas próprias normas culturais, negando e destruindo as tradições e identidades locais, o que resultava na alienação e no desenraizamento das comunidades colonizadas.

Nesse contexto, pode-se citar também os diversos genocídios, não só populacionais, mas também, étnicos, religiosos e culturais ocorridos no período colonial, sofridos pelos povos originários do Brasil e pela população africana, que foi cruelmente arrancada de sua terra e forçada a ser escravizada pelos colonizadores. A proibição e o apagamento de suas crenças, línguas, costumes e a imposição dos modos de vida europeus resultou, além da perda de muitos aspectos importantes de suas culturas, a interrupção da transmissão intergeracional de conhecimentos e tradições.

Esse padrão de apagamento também continua na fase em que vivemos hoje no capitalismo, onde a história e a memória dos povos oprimidos pelo imperialismo é apagada e deturpada pela burguesia, a fim de evitar a elevação da consciência de classe das massas trabalhadoras, que, por culpa desse apagamento, muitas vezes não se vê como protagonista das próprias conquistas. A ideologia burguesa, que é a ideologia da classe dominante, busca moldar a percepção da realidade para manter o status quo.
Um simples exemplo dessa manipulação é a atribuição da conquista da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) à boa vontade do fascista Getúlio Vargas, quando na realidade, foi consequência de muita luta e organização dos trabalhadores e dos sindicatos, demonstrando a força da mobilização popular.

Outro exemplo são as mentiras que a extrema-direita insiste em propagar sobre Cuba, alegando que a educação do país é precária, que piorou após o triunfo da Revolução, mas, que compreendemos ser uma falácia, pois, apesar dos embargos e perseguições imperialistas sofridas, o país conseguiu erradicar o analfabetismo a partir da Campanha Nacional de Alfabetização (1961), dirigida por Fidel Castro e Che Guevara, e também, por meio do trabalho voluntário de diversos jovens que dedicaram um ano de suas vidas para alfabetizar pequenas cidades e, principalmente, camponeses.

Outro caso é a deturpação da história de resistência e luta do imortal Zumbi dos Palmares, alvo de mentiras fascistas que dizem que ele possuía pessoas escravizadas mas que, na verdade, foi um dos maiores ícones da resistência ao escravismo imposto pelos parasitas colonizadores, liderando e organizando o Quilombo dos Palmares, que chegou a ter cerca de 30 mil negros que fugiram das senzalas.

 

A herança colonial e a desigualdade no Nordeste

Em camadas mais oprimidas do país, onde não há concentração de renda, os obstáculos são sempre maiores e mais profundos nos sistemas econômicos baseados na exploração do homem pelo homem.

Quando se analisa o contexto da formação econômica do Nordeste, à luz das contribuições de Celso Furtado em “A Formação Econômica do Brasil”, observa-se uma herança colonial que contribuiu para sua desigualdade econômica em detrimento das regiões mais ao Sul. O processo de colonização portuguesa no Brasil concentrou-se principalmente no litoral, especialmente na região Sudeste, onde foram estabelecidas as principais atividades econômicas, como a produção de açúcar e, posteriormente, a de café. Essa concentração inicial de recursos e investimentos estabeleceu as bases para o desenvolvimento econômico posterior da região, consolidando uma divisão regional do trabalho desigual.

O economista ainda ressalta que um dos principais impulsionadores da desigualdade regional foi a política cambial protecionista adotada pelo governo central, que favorecia a região Centro-Sul, concentradora da atividade industrial. Essa política tinha efeitos adversos sobre o Nordeste, manifestando-se em duas formas principais: a transferência de renda para o Centro-Sul, através da aquisição de bens produzidos nessa região, e a obstrução do processo de industrialização do Nordeste, perpetuando o subdesenvolvimento e a dependência.

Ademais, esse acúmulo econômico está ligado, também, ao processo de industrialização no Brasil, que foi fortemente concentrado nessas regiões devido à maior disponibilidade de mão de obra, infraestrutura e mercado consumidor mais desenvolvido. Além disso, políticas públicas, como incentivos fiscais e crédito facilitado, muitas vezes favoreceram o desenvolvimento industrial no Sudeste e no Sul em detrimento de outras regiões, aprofundando as contradições regionais inerentes ao desenvolvimento capitalista desigual.

Devido à virada colonial (mas, não somente), do açúcar para o ouro no país, financiada por holandeses e ingleses, houve privilégio do eixo Sul-Sudeste na recepção de maquinário e no incremento de “novas” formas de exploração da força de trabalho, e é nesse período que a técnica e a aceleração da transferência de mercadorias ocorre de forma exagerada, pois, é a partir do ouro brasileiro que a Revolução Industrial é alcançada. Portanto, onde houve a extração de recursos naturais, em determinadas regiões do Brasil, esses mesmos locais sofreram com o avanço da técnica e o jugo do progresso, que impuseram a diversas culturas uma razão única e o desprendimento das suas formas de viver e representar a si mesmas como comunidade e como classe. Ou seja, a imposição de uma lógica produtivista e mercantilista destruiu – e ainda tenta acabar com os que sobreviveram – os modos de vida tradicionais e a diversidade cultural, alinhando-os aos interesses do capital.

Essa concentração econômica, produto de uma economia colonial e da acumulação capitalista, reverbera hoje, não só, mas, também, na dificuldade de salvaguardar os acervos cearenses. Não se pode falar de preservação sem falar da valorização da região – que tem sua cultura historicamente desprezada – e dos altos financiamentos com estruturas para salvaguarda, digitalização e difusão desses bens, ainda mais por se tratar de um investimento de manutenção ininterrupta, dificultando a realização de projetos de conservação, preservação, digitalização e difusão na região, por não ter em si, a visibilidade, os recursos financeiros e a infraestrutura que deveria também deter, assim como todas as regiões do Brasil. A falta de investimento na preservação cultural é uma face da desigualdade estrutural imposta pelo capitalismo.

 

A preservação como ato revolucionário

Ao preservar suas culturas, os povos subjugados pela herança colonial rejeitam a narrativa de inferioridade imposta pelo colonizador e reafirmam sua própria história, valores e formas de vida. Isso não apenas fortalece seu senso de identidade e orgulho cultural, mas, também, desempenha um imprescindível papel na luta por autodeterminação e emancipação.

A preservação do patrimônio cultural desempenha um papel fundamental na construção da história e da identidade local, fornecendo referências tangíveis e intangíveis que permitem compreender as raízes e os valores da comunidade. Ao proteger e promover elementos que compõem a identidade cultural cearense, é possível fortalecer o orgulho e o respeito pela história e tradições da região. Ela é essencial também para a construção de uma nova sociedade livre da opressão e da dominação do capital. Ao reconectar-se com suas raízes culturais e reapropriar-se de suas tradições, os povos colonizados podem forjar uma identidade coletiva mais forte e solidária, capaz de resistir à opressão neocolonialista.

Assim, a importância da preservação cultural, segundo Fanon, reside não apenas na proteção do patrimônio histórico e das tradições culturais, mas também na sua capacidade de servir como uma ferramenta de empoderamento e emancipação política, social, histórica e psicológica para os povos colonizados e marginalizados.

Em suma, a defesa do direito à memória e à cultura é parte indissociável da luta de classes, frente à ofensiva burguesa que busca apagar a história dos povos oprimidos e mercantilizar sua cultura. A preservação é um ato de resistência, reafirmação e reconstrução identitária que desempenha um papel crucial na luta contra a opressão colonialista, contra o capitalismo, contra o imperialismo e na construção de uma sociedade comunista, revolucionária, atirando toda a corja imperialista aos lobos, e colocando aqueles que verdadeiramente constroem a sociedade, o povo, no poder.

 

Pelo poder popular e pelo socialismo!

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