Crescimento das casas de apostas, conhecidas como “bets”, são acompanhadas por escândalos de lavagem de dinheiro, falta de regulamentação e casos de suicídio são marca registrada da popularização dos cassinos online no Brasil.
João Herbella | Rio de Janeiro (RJ)
BRASIL – A fábrica de ilusões da propaganda capitalista utiliza da cultura de massas (principalmente o esporte) e as redes digitais para iludir o povo da possibilidade de enriquecimento fácil através do mercado de apostas.
Os jogos de azar trabalham com uma “cláusula pétrea”: a maior parte dos jogadores precisam perder para o dono da casa ganhar. Apesar dessa premissa básica, a onipresença da publicidade de bets convenceram mais de 20 milhões de trabalhadores brasileiros a gastarem R$ 240 bilhões em sites de apostas no ano passado.
Quem perde?
Em pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), sindicato que representa os capitalistas do setor de serviços, o setor do varejo perdeu R$ 103 bilhões por conta das bets em 2024. As apostas comprometeram o poder de compra das famílias mais pobres e aumentaram seu endividamento.
Em apenas um mês, as casas de apostas faturaram R$ 3 bilhões em jogadas realizadas por pessoas cadastradas no Bolsa Família. Em 2023, 300 empresas de bets movimentaram entre R$ 60 a 100 bilhões em apostas no Brasil, quase 1% do PIB, superando o giro de capital anual de grandes empresas como a Santander (R$ 74 bilhões), Assaí (R$ 72,8 bilhões) e Magazine Luiza (R$ 63,1 bilhões). Além disso, 60% dos brasileiros que já fizeram alguma aposta esportiva perderam dinheiro, de acordo com estudo da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC).
Ou seja, para os donos dos sites de apostas lucrarem bilhões, os trabalhadores precisam arriscar tudo em dívidas e reduzir drasticamente seu poder de compra.
Jogo sujo
Porém, por que o povo escolheria ficar mais pobre em detrimento do enriquecimento de bilionários anônimos? Esse é o papel da fábrica de ilusões capitalista.
Nos intervalos comerciais da televisão, somos bombardeados por propagandas de cassinos online. Ao acessar as redes sociais, diversos influenciadores do país convidam seus milhões de seguidores a apostaram na “bet da vez” ou até mesmo no chamado “Jogo do Tigrinho”, que apesar de ilegal, segue praticamente onipresente nos stories de instagram e é citado nas músicas mais tocados no Brasil.
Em resumo, essas propagandas colocam que “se tantos famosos estão ostentando por supostamente enriquecerem apostando nesses jogos (e não com a publicidade das mesmas) por que eu também não poderia?”
O buraco é ainda mais embaixo. Dos vinte clubes que disputaram a Série A do Campeonato Brasileiro de 2024, quinze obtinham bets como patrocinadores. A Betano, a casa de apostas esportivas mais acessada no Brasil, porém sediada na Grécia, comprou os “naming rights” (direitos de nomeação) dos principais torneios de futebol nacional. A “Copa (Betano) do Brasil” e o próprio “Brasileirão (Betano)” tiveram que incluir o nome da empresa em seus campeonatos.
Não deveria ser surpresa tantos escândalos no futebol ou em outros esportes envolvendo a manipulação do resultado de jogos devido aos esquemas de aposta. Nesta semana, o FBI desmontou um esquema de manipulação de resultados na NBA, maior liga de basquete do mundo. O esquema envolvia atletas, treinadores e até a máfia italiana.
Ou seja, o capitalismo apropriou-se de uma paixão nacional para estragar até mesmo a emoção do povo brasileiro em assistir uma partida de futebol com resultado imprevisível.
O país das bets
Com atuação legalizada em 2018, pelo Congresso Nacional e o presidente golpista Michel Temer (MDB), sem regulamentação imediata, as bets rapidamente se popularizaram no país devido ao fácil acesso. Afinal, o jogador já não precisa deslocar-se de sua casa para apostar. Sem controle, o Brasil rapidamente alcançou o topo da lista de países com mais acessos em sites de aposta.
Em 2022, além de ter ficado em primeiro lugar, com 3,2 bilhões de acessos, registrou o dobro do segundo colocado, o Reino Unido, que obteve 1,6 bilhões de acessos. De acordo com levantamento da Similarweb, o público brasileiro representa 38% dos jogadores em site de apostas em todo o mundo, uma verdadeira epidemia.
Somente em 2023, o Ministério da Fazenda começou a publicar portarias impondo regulamentações ao setor. No ano seguinte criou a Secretaria de Prêmios e Apostas e iniciamos o ano de 2025 com uma série de diretrizes importantes sendo adotadas: a obrigação das empresas obterem sede em território brasileiro, alertarem o usuário sobre o risco de dependência, atuarem somente com instituições financeiras autorizadas pelo Banco Central, cadastro de jogadores através de CPF e verificação da idade dos mesmos, proibição do pagamento por cartão de crédito, entre outras. Agora, o Congresso Nacional se recusa a aumentar a taxação em cima dos lucros das casas de apostas, que por sua vez comprar cada vez mais parlamentares para defender seus interesses em Brasília.
Questão de saúde pública
Apesar da nova legislação, a grave crise demostra que ainda é insuficiente. Após quase perder seu próprio filho por tentativa de suicídio em 2021, a dona Sandra de 57 anos abriu um processo contra a Sportingbet. O caso aconteceu após o rapaz perder mais de R$ 1 milhão em competições de poker digital. “Meu filho tem uma doença séria, é viciado em jogos, e isso o levou à depressão. Quando tudo aconteceu, passei muitas noites chorando de soluçar, mas entendi que preciso lutar” diz Sandra.
Infelizmente, casos como esse vem tornando-se cada vez mais comuns. Os noticiários registram cada vez mais casos de trabalhadores perdendo milhares de reais, suas próprias casas, e inclusive o contato com amigos e familiares devido ao vício em apostas online. A Associação Americana de Psicologia afirma que 1 em cada 3 usuários compulsivos já pensaram em tirar sua própria vida.
Para salvar vidas, a atuação das bets e sua publicidade devem ser severamente proibidas em todo território nacional. Se até a campanha antitabagista nas embalagens de cigarro não impediram o consumo de um gigantesco mercado já consolidado, compreendemos que é necessário o imediato banimento da atividade de cassinos online e a elaboração de politica públicas para auxílio dos jogadores viciados em apostas.