O governo de Romeu Zema intensifica a privatização de Minas Gerais, entregando patrimônios públicos ao capital privado e transformando água e energia em mercadoria. A entrega de serviços essenciais ao mercado corrói a soberania e destrói o patrimônio público. O projeto neoliberal aprofunda o desmonte dos direitos trabalhistas e da previdência. É preciso organizar a resistência para defender o que é do povo.
Carla Batista de Oliveira e Luiz de Paula Bastos Júnior | Belo Horizonte – MG
Desde 2020, na metade do primeiro mandato de Romeu Zema (Novo), a dívida do estado de Minas Gerais cresceu 51,3%, segundo o boletim mensal da dívida pública estadual da Secretaria de Estado da Fazenda (SEF). Embora tenha origem em governos anteriores, a gestão atual agravou a situação: nos seis primeiros anos, não foi quitado nenhum montante significativo.
Em dezembro de 2024, a dívida acumulada ultrapassava R$ 188 bilhões. Para Marco Couto, vice-presidente da Fenafisco, a explosão do saldo está ligada à política de concessão de privilégios e benefícios fiscais a empresários financiadores de campanha.
Minas Gerais e a adesão ao Propag
A Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) aprovou, em 29 de maio de 2025, a adesão ao Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag). Criado pela Lei Complementar nº 212/2025, o programa prevê descontos nos juros da dívida das unidades federativas e parcelamento do saldo por até 30 anos. Em contrapartida, os estados que aderirem devem aplicar parte dos valores economizados em áreas prioritárias, como educação e segurança pública.
Para ingressar no Propag, o governo estadual teve prazo até 30 de outubro para indicar quais ativos seriam federalizados (ou vendidos), precisando quitar, no mínimo, 20% da dívida — aproximadamente R$ 40 bilhões — para garantir juros zero nas parcelas ao longo de 30 anos.
Nosso estado entregue à ganância burguesa
No pacote enviado à ALMG constam empresas públicas como Cemig, Copasa e Codemig, além de cerca de 343 imóveis e autarquias, entre elas a Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) e a Empresa Mineira de Comunicação (EMC).
Matias Bakir Faria, presidente do Sindifisco-MG, critica a forma enganosa com que governo estadual e governo federal têm apresentado o Propag, afirmando que a adesão só seria possível mediante federalização ou venda de ativos, como estatais, imóveis e recebíveis tributários. Segundo ele, Minas poderia participar por meio de aportes ao fundo de equalização e investimentos em serviços essenciais, sem alienar patrimônio.
Estudos do Sindifisco e da Associação dos Funcionários Fiscais do Estado (Affemg) indicam que, usando dividendos das estatais — mais de R$ 3 bilhões anuais — e receitas tributárias recorrentes — acima de R$ 1 bilhão — o estado poderia arcar com os aportes exigidos (cerca de 4% ao ano do saldo da dívida), preservando o patrimônio e garantindo sustentabilidade fiscal.
Emerson Andrada, coordenador do Sindieletro-MG, chama atenção para a possibilidade de refinanciar a dívida mantendo a gestão das estatais. Segundo ele, “a Cemig tem remetido ao governo cerca de R$ 5,5 bilhões por ano. O estado poderia ceder essa verba à União, com carta de crédito, por exemplo, durante os próximos 20 anos. Seria alternativa à privatização ou à federalização. Outras alternativas podem surgir.”
Andrada também critica a proposta do governo estadual por permitir a negociação geral e irrestrita de praticamente todo o patrimônio do estado — sem limite claro — autorizando alienações “agora, depois ou no próximo governo”. João Batista Soares, vice-presidente do Sinfazfisco, resume: “Zema quer superpoderes para vender tudo e fazer um leilão do estado”. Ele destaca a falta de diálogo do governo com a União sobre avaliação dos ativos, o que, na visão dele, demonstra a intenção de obter um “cheque em branco”.
Na prática, o objetivo aparente é entregar as estatais ao capital privado, desmontar o serviço público, gerar demissões e reduzir a qualidade dos serviços, como se observou em processos de privatização na Sabesp, na CPTM e na Cedae. Ao omitir a avaliação real das empresas, Zema busca autorização para transferir ou vender um volume de ativos muito maior do que o estritamente necessário, favorecendo empresários aliados e oferecendo o patrimônio público a preço de banana — exatamente o que consideramos um projeto entreguista e autoritário.
Romeu Zema quer calar a boca do povo mineiro

A Copasa é uma empresa de economia mista com o estado como acionista majoritário (50,04%). Sua subsidiária Copanor atende localidades dos vales do Jequitinhonha, Mucuri e São Mateus, com populações entre 200 e 5.000 habitantes. Juntas, Copasa e Copanor atendem cerca de 11,4 milhões de pessoas com abastecimento de água e 8,1 milhões com esgotamento sanitário. Segundo a companhia, a cobertura de água ultrapassa 99% e a de esgoto chega a 75%, índices superiores aos exigidos pelo novo marco do saneamento.
A Copasa operou sem aportes do estado e tem gerado lucro: de 2006 até março de 2020, distribuiu R$ 3,33 bilhões em dividendos; em 2024, foram R$ 752 milhões. Em setembro de 2020, o governo autorizou o BNDES a estudar a desestatização da companhia.
No entanto, a privatização depende de lei específica da ALMG e de referendo popular, conforme o artigo 14 da Constituição Estadual. A PEC 24/23, de autoria do governador, elimina a exigência de consulta popular e o quórum qualificado para autorizar a desestatização ou federalização de estatais — alteração que ficou conhecida como “PEC do cala boca”.
A proposta representa um ataque à democracia: a consulta popular foi incluída na constituição mineira em 2000, após a venda da Vale do Rio Doce, como mecanismo de proteção do patrimônio público. Agora, o governo alega resolver a dívida, mas a privatização da Copasa não soluciona o problema fiscal do estado. Remover o referendo não é uma questão técnica; é uma afronta ao direito da população decidir sobre ativos públicos.
A experiência de estados que privatizaram serviços essenciais mostra quedas na qualidade, precarização, aumento de tarifas, falta de planejamento e redução de investimentos estruturais, além de demissões. Isabella Mendes, economista do Movimento Brasil Popular, lembra que água e energia são monopólios naturais e devem permanecer sob controle público.
Mesmo estimativas otimistas sobre a venda da Copasa não cobririam três meses da folha salarial do estado. O Sindágua-MG denunciou que, entre 2021 e 2024, a empresa perdeu quase mil trabalhadores. “A Copasa poderia resolver os problemas de saneamento em todo o estado, mas está sendo desmontada”, alerta Wagner Xavier, dirigente da entidade.
Para o presidente do sindicato, Eduardo Pereira, “a Copasa cumpre papel social fundamental, especialmente em regiões pobres e de baixa densidade, onde o setor privado não atua. A água é um direito, não uma mercadoria.”
Zema, o entreguista
Em 5 de novembro de 2025, a ALMG teve o plenário ocupado por trabalhadores da Copasa e da Cemig, movimentos populares (como a UP Minas Gerais) e sindicatos. Em uma sessão conturbada, a proposta que retira a obrigatoriedade do referendo foi aprovada de forma contestada: a votação obteve 47 votos no tempo regulamentar (um a menos que os 48 necessários) e, segundos depois, o presidente da casa, Tadeu Leite (MDB), aceitou um voto após o encerramento do prazo. Deputados de oposição e manifestantes denunciaram irregularidade e gritaram “vergonha”; o Sindágua-MG anunciou ação judicial para anular a votação.
Traidores do povo
A oposição a esse ataque neoliberal é urgente e necessária. É preciso mobilizar todos que defendem uma sociedade digna e igualitária; enfrentar o autoritarismo e o entreguismo é tarefa coletiva.
A organização popular demonstrou força: milhares de trabalhadores, movimentos e entidades ocuparam o plenário e repudiaram o fim do referendo e as manobras do governo. Enquanto o governo opta pela submissão, escolhemos a luta e a resistência. A privatização sem consulta popular é um passo autoritário que ameaça o acesso universal e igualitário à água e ao saneamento.
A Copasa é do povo e o povo deve decidir seu futuro. Minas não está à venda. Minas resiste — e vai continuar resistindo, com a população nas ruas, defendendo o que é nosso por direito.