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sábado, 23 de novembro de 2024

Xu Lizhi, um poeta operário

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Xu Lizhi
Xu Lizhi

Dezenas de operários da Foxcoon, a companhia que faz a montagem na China do iPhone, se suicidaram desde 2009, mas um deles comoveu de forma especial o país ao deixar escrita, antes de morrer, uma coleção de poemas que resumem magistralmente o lamento de toda sua geração alienada.

Xu Lizhi, de 24 anos, retirou a própria vida no último dia 30 de setembro, ao pular da janela de seu dormitório em Shenzhen, uma das  cidades chinesas onde o gigante taiwanês Foxconn monta, para outras multinacionais, o iPhone, o iPad, o Xbox, o Playstation, o Blackberry e o Wii, que vão ser vendidos em todo o planeta.

O suicídio de Xu seria um a mais, como as dezenas de casos similares que, sobretudo no ano de 2010, sacudiram a Foxconn, a maior fabricante global de componentes eletrônicos e a empresa privada na China com maior número de empregados, 800.000.

Este suicídio adquiriu inesperadas ramificações literárias, já que o jovem era poeta em seu tempo livre e deixou versos em que a dura vida na fábrica era seu tema mais recorrente.

Escreveu Xu em um dos seus versos:

“Oficina, linha de montagem, máquina, cartão de ponto, hora-extra, salário.

Treinaram-me para ser dócil.

Não sei gritar ou me rebelar,

não sei queixar-me ou denunciar,

só me ensinaram a sofrer silenciosamente o esgotamento”,

Após o suicídio, amigos e companheiros do jovem poeta decidiram recompilar seus trabalhos, traduzi-los para o inglês e publicá-los na internet, o que converteu Xu em um símbolo para muitos jovens operários emigrantes. Xu nasceu em um povoado da província sulista de Cantón e, órfão desde pequeno, viajou para a cidade como milhões de jovens de sua idade para buscar trabalho. Em 2011, conseguiu emprego na Foxconn, segundo contou diário Shenzhen Evening News, um dos primeiros que resgatou sua figura do esquecimento.

Em seus primeiros poemas , Xu já mostrava o impacto que lhe causava a mudança do meio rural para o urbano, ou a passagem da infância para o duro trabalho de adulto, algo que acontece com muitos jovens de sua geração.

 “A juventude se deteve nas máquinas, morreu antes do tempo”, disse Xu em um de seus versos.

As novas gerações de jovens chineses, mais formadas e mais protegidas por seus pais que em épocas anteriores, têm maiores problemas para se adaptar à realidade das cinzas e impessoais fábricas que movem a economia chinesa e mundial, com baixos salários, horários intermináveis e duras condições.

“Sou como um morto / que abre lentamente a tampa do ataúde”, escrevia Xu, em 2013, em um poema no qual relatava seu regresso ao dormitório de trabalhadores, após uma dura jornada na cadeia de montagem.

Seus companheiros contavam que Xu tentou em várias ocasiões deixar o emprego para ser contratado em bibliotecas ou livrarias de Shenzhen, mas não teve sorte.

Também buscou, sem êxito, trabalhar fora da cadeia de montagem, como supervisor, ou em uma livraria da própria Foxconn, em cuja revista interna para os empregados havia conseguido publicar alguns de seus poemas.

No princípio deste ano, havia tomado por fim a decisão de deixar Foxconn e ir para Suzhou, cidade do leste da China, para reunir-se ali com sua noiva, mas acabaram rompendo.

Um dia antes do suicídio, Xu havia retomado o mesmo posto que deixou em Shenzhen e, na noite anterior ao triste acontecimento, escrevia um poema cujo título, “Em meu l eito de morte”, já era premonitório:

“Quero tocar o céu, sentir esse azul tão ligeiro

Mas não posso fazê-lo, pois deixarei este mundo.

Todos os que ouviram falar de mim

Não se surpreenderão da minha marcha”.

Em 2010, quando foram denunciados mais de uma dezena de suicídios de empregados da Foxconn em Shenzhen no período de poucas semanas, a empresa pôs em prática uma série de medidas para reduzir o mal-estar dos trabalhadores, desde a contratação de serviços psicológicos a melhoras nas condições laborais ou a simples colocação de grades nas janelas.

 O próprio Xu escreveu então sobre esses suicídios:

 “Um parafuso caiu no solo

em sua noite negra de horas-extras.

Caiu verticalmente e tilintando

mas não atraiu a atenção de ninguém,

igual aquela última vez,

em uma noite como esta,

quando alguém se lançou ao vazio”.

As medidas preventivas reduziram o número de suicídios na firma, ainda que sigam havendo casos esporádicos. O suicídio de Xu, amplificado pela amargura de seus poemas, voltou a recordar as duras condições, as vezes desumanas, dos trabalhadores das linhas de montagem na China, a também chamada “fábrica do mundo”.

As poesias de Xu em chinês e traduzidas para o inglês podem ser encontradas no site: https://libcom.org/blog/xulizhi-foxconn-suicide-poetry

Da Redação

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