COMUNICADO 1
Primeira semana
É com muita alegria que comemoramos nossa primeira semana dentro da Ocupação Lanceiros Negros. Durante alguns meses, nos reunimos nos núcleos do MLB espalhados pela cidade e fomos debatendo a situação da nossa vida, planejando essa ocupação. Nessas reuniões fomos entendendo o significado da organização, aprendendo com vários exemplos luta o papel da ousadia. Ocupamos porque nossos governos não oferecem nenhuma alternativa para a solução desse problema de moradia. Ainda mais agora, que decidem cortar gastos públicos para manter privilégios e os lucros daqueles que já são “podres de rico”.
Sabemos que a moradia é um direito humano, garantido pela Constituição Federal e Estadual e essencial para uma vida digna.
Entre nós, temos pessoas que não tem onde morar, que não aguentam mais pagar aluguel ou moram de favor na casa de algum parente ou amigo. Apesar de estarmos nessa situação, trabalhamos a vida toda e decidimos criar nossos filhos de maneira digna, distante da violência e com uma educação de qualidade. Algumas pessoas (que não conhecem a nossa ocupação) acham que somos vagabundos, que queremos privilégios ou alguma coisa de graça, mas sabemos que isso não passa de ignorância por conta da manipulação dos grandes meios de comunicação. Reafirmamos, sempre vivemos do nosso trabalho, porém nessa sociedade, simplesmente trabalhar e ser honesto não é suficiente para ter uma moradia e por isso, nos sentimos orgulhosos em lutar para que nossos direitos sejam plenamente garantidos.
Também não somos baderneiros. Aliás, baderneiro tem sido o governo que abandona um imóvel público durante tantos anos no centro de Porto Alegre. Decidimos acabar com essa baderna e dar uma função social para esse prédio e durante essa semana foi exatamente isso o que fizemos.
Nós optamos em fazer uma ocupação organizada e durante esses meses de preparação, aprendemos que algumas coisas são essenciais na luta popular. Aprendemos o significado real das palavras UNIDADE e a SOLIDARIEDADE em tudo que fizemos aqui. É possível dizer que essas duas coisas foram decisivas para estarmos aqui até agora. Com muitas reuniões e assembleias, aprendemos a escutar, a falar, a discordar, concordar e criar uma unidade que já é extremamente difícil de ser quebrada. Com certeza não serão papéis, assinaturas, traições, bombas de gás lacrimogênio ou balas de borracha que vão quebrar essa unidade. Forjamos isso no enfrentamento do medo, na confiança um no outro e na democracia que estamos construindo dentro de nossa ocupação e é por isso que vocês veem tantos sorrisos aqui dentro. Estamos muito felizes com o que construímos aqui com toda essa unidade.
Mas só a nossa unidade não seria suficiente para permanecermos aqui. Desde as primeiras horas do dia 14 de novembro, fomos surpreendidos com uma solidariedade incrível, de conhecidos e desconhecidos de militantes sociais e de pessoas que nunca pisaram em uma ocupação de sem tetos. Vários vizinhos do prédio, prontamente se colocaram à disposição e nos ajudaram nas primeiras horas. Estudantes universitários e secundaristas, sindicalistas, professoras, familiares, vereadores/as, deputados/as, advogados/as, jornalistas, trabalhadores do comércio, servidores públicos visitam nosso prédio diariamente, trazem doações e nos ajudam em diversas questões. Não esperávamos receber tanta solidariedade! Tudo isso tem nos contagiado todos os dias. Essa solidariedade tem feito a gente se transformar diariamente. Alguns nos perguntam como fazemos para conseguir envolver tanta gente nas comissões e manter esse prédio limpo, organizado, com creche, biblioteca, cozinha industrial e oficinas. A resposta é: muita unidade e solidariedade. Tudo isso tem expulsado daqui o individualismo e assim, cuidamos uns dos outros e zelamos pelos espaços comuns com muita tranquilidade.
A gente sabe que essa luta não será nada fácil e os primeiros obstáculos já começaram a aparecer. Nessa semana, tomamos conhecimento da decisão judicial de reintegração de posse movida pelo Governo do Estado.
Uma verdadeira contradição, pois na última segunda-feira, dia 16/11, fizemos uma reunião com o Secretário de Justiça e Direitos Humanos, César Luís de Araújo Faccioli, que se comprometeu em lembrar o Governo do Estado do Decreto 51.712/2014 – que “INSTITUI COMISSÃO COM A FINALIDADE DE BUSCAR ALTERNATIVAS CONCRETAS PARA A SOLUÇÃO DE SITUAÇÕES ESPECÍFICAS RELACIONADAS COM A DESOCUPAÇÃO DE ÁREAS PÚBLICAS E PRIVADAS URBANAS NO ÂMBITO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL” – Pois bem, no mesmo dia, o Governo do Estado entrou com o pedido de reintegração de posse.
Diante deste fato, reiteramos nossa disposição de luta e nossa vontade de sermos tratados conforme prevê a lei do nosso estado. Queremos que a Comissão criada pelo decreto 51.712/14 seja utilizada nessa e em todos os conflitos fundiários em nosso estado. Essa Comissão é fruto da reivindicação de vários movimentos populares durante décadas e é uma maneira de acabar com a “judicialização” da luta por moradia digna, definição de terras indígenas ou quilombolas.
Queremos discutir uma solução para nossa moradia aqui no centro de Porto Alegre, mas se o Governo do Estado quiser utilizar a Brigada Militar para nos tirar daqui, saiba que encontrará muita resistência. Serão responsáveis por um novo “Massacre de Porongos”.
Que venham as próximas semanas e estão todos/as convidadas à trazer seu abraço e sua solidariedade.
Viva a luta do povo negro e sem-teto!
Por moradia digna para todo povo do Rio Grande do Sul!
Ocupação Lanceiros Negros – MLB