Selma Gürkan conheceu o movimento revolucionário e o Partido quando estava no ensino médio, em Ancara, capital da Turquia. Ela foi companheira de Erdal Eren, um estudante de 17 anos condenado à forca pela ditadura militar em 1982. Presa pela ditadura, foi torturada na prisão Mamak, em Ancara.
Mais tarde, após sair da prisão, começou a trabalhar como funcionária pública e organizou sindicatos de trabalhadores dos serviços públicos. Tornou-se líder desse movimento e uma das dirigentes da direção da Confederação dos Sindicatos de Empregados Públicos. Foi eleita duas vezes presidenta do Partido do Trabalho da Turquia (Emep). Nessa entrevista exclusiva para A Verdade Selma Gürkan denuncia os criminosos atentados terroristas da Turquia, mostra a responsabilidade do governo de Erdogan e seu partido, AKP, com essa situação, e diz que o Emep luta por unir os trabalhadores e o povo para conquistar uma Turquia democrática e sem opressão.
Da Redação
A Verdade – Em 10 de outubro de 2015, um criminoso atentado terrorista matou 128 pessoas na Turquia, entre elas 17 militantes do Emep. A suspeita é de que foi um atentado praticado pelo Estado Islâmico (EI). Os responsáveis por esse crime foram presos? Qual a posição do governo Erdogan em relação ao EI?
Selma Gürkan – Depois do ataque de 10 de outubro, o caso tem progredido confidencialmente. Não é possível ninguém, nem mesmo os procuradores envolvidos no caso, obter informações a respeito do estágio da investigação. Há boatos de que oito ou nove pessoas foram detidas, mas nós não temos nenhuma informação concreta. Pedidos para intervir vindos de pessoas com autoridade e responsabilidade, e que estão ligados ao caso foram negados pela Promotoria. Nossa opinião é que os que promoveram os ataques não são os únicos culpados e que os funcionários do governo que foram negligentes, descuidados e responsáveis nos ataques que ocorreram devam ser afastados de suas funções. Apesar da inteligência ter sido informada em diversos níveis, há sérias alegações de que preferiram não agir. Os organizadores da manifestação não foram de forma alguma avisados, ainda que o governo tenha recebido informações sobre um “ataque suicida”. Nós também compreendemos que nenhuma medida séria foi tomada contra o ataque no lugar onde a manifestação estava planejada para ocorrer. Ambulâncias foram impedidas pelas forças de segurança de chegar à praça logo após os ataques. Além do mais, aqueles que tentaram prestar primeiros-socorros aos feridos foram atacados com bombas de gás pela polícia. Os primeiros-socorros prestados pelos profissionais de saúde que participavam da manifestação foram inicialmente impedidos e só depois eles foram enviados à praça. Os oficiais responsáveis do governado, da polícia e da segurança nacional também devem ser incluídos como suspeitos no caso. Aqueles que promoveram os ataques estão mortos, mas ainda há muitas questões e indivíduos a serem interrogados sobre a rede de relações por trás dos ataques. Além disso, nós acreditamos que os ataques sucessivos em Sultanahmet, em Istambul, no bairro Devlet, em Ancara, Güvenpark e mais uma vez na Avenida İstiklal, em Istambul, não estão desarticulados da política do governo de “guerra interna e externa”. Por exemplo, o cessar-fogo e as negociações sobre a questão curda foram encerradas. Com o retorno aos procedimentos militares, operações e conflitos armados foram também facilitados. Nós estamos cientes de informação concreta de que a organização terrorista Estado Islâmico recebe suporte do governo do AKP, como parte de sua política a respeito da Síria e do Oriente Médio.
O presidente Recep Tayyip Erdogan afirma que a Turquia é um país democrático, mas vários jornalistas estão presos, jornais sofrem intervenção, manifestações são proibidas e vários atentados terroristas já ocorreram nos últimos anos. Há um avanço da fascistização do regime?
Não é possível falar sobre democracia nas políticas governamentais e estatais, incluindo as ações do presidente. A liberdade de expressão e de imprensa está sendo espezinhada. O direito a manifestações de massa e comícios é frequentemente negado. O 8 de março e as celebrações do Newroz (ano-novo curdo, celebrado em 21 de março, primeiro dia da primavera) foram predominantemente banidos. Durante os 14 anos do governo do AKP, praticamente todas as greves foram suspensas, com a desculpa da segurança pública e com o objetivo de acabar com a luta dos trabalhadores por seus direitos. Trabalhadores e trabalhadoras não podem exercer seu direito de se organizarem, consagrado legalmente pela Constituição. O presidente e o governo estão tentando intimidar toda a população com declarações do tipo “ou você está conosco ou com nossos inimigos”. O fascismo e a agressão crescem em conjunto com essas políticas de opressão, guerra e violência; passo a passo estamos indo de encontro a uma ditadura de um só homem e um só partido.
Mais de dois milhões de sírios vivem refugiados na Turquia. Qual a situação deles e que acordo o governo turco fez com a União Europeia em relação aos refugiados?
As condições de vida e de trabalho da maioria dos refugiados sírios são péssimas. Eles geralmente exercem trabalhos não registrados, ganhando menos do que o salário mínimo oficial, vivendo em edifícios em ruínas ou, muitas vezes, em depósitos abandonados. Nós acreditamos que o acordo do governo com a União Europeia é claramente uma barganha de refugiados. Eles usam milhões de pessoas desesperadas como forma de chantagear a União Europeia para que aceitem a Turquia como membro. Os países europeus se mantêm calados diante dos abusos de direitos e a opressão na Turquia. Suas atitudes são: nós não nos importamos com o que vocês fazem, desde que os refugiados não atravessem. A atitude dissimulada do sistema capitalista foi exposta pelas políticas tanto da Europa quanto da Turquia.
Qual a atual situação em Kobane e Rojava?
Como parte do remodelamento do futuro da Síria, a autonomia da área de Rojava pode ser um ponto de negociações. Os poderosos da Turquia e o governo são contra o direito à autodeterminação dos povos de Rojava. Eles recorrem a seus aliados a todo momento, essencialmente aos EUA, para intervirem em Rojava. Entretanto, está claro que os povos de Rojava estão comprometidos a decidir autonomamente seu próprio futuro. A população local criou efetivamente seus próprios mecanismos de governo na forma de uma federação. Os povos de Rojava estão tentando moldar seu próprio futuro, independentemente de reacionários locais e poderes imperialistas, ao mesmo tempo em que estão em guerra contra todas as organizações terroristas salafistas, como o EI. Em relação ao futuro da Síria, qualquer arranjo político-constitucional que os governos locais de Rojava desprezem não durará. As classes dominantes turcas devem aceitar essa realidade e estabelecer uma articulação político-diplomática clara, direta e duradoura com o governo local de Rojava.
Diante do avanço da crise política e econômica capitalista, que propostas o Emep defende para a Turquia sair da crise?
Nas condições de aprofundamento da crise capitalista, os impasses e problemas na arena política e nos direitos democráticos obviamente também impactam a esfera social. Recentemente, inconsistências econômicas vieram à tona devido à natureza do capitalismo e às políticas econômicas promovidas pelo governo do AKP na Turquia. As condições que conduzirão a uma crise econômica estão amadurecendo. Novos ataques do capital e do governo se colocam, ambos na forma de políticas econômicas e na vida de trabalho através de implementações legais e práticas. É notável o crescimento da tendência entre os trabalhadores de lutar contra a legislação que permite o empréstimo e o aluguel de trabalhadores, a prática muito difundida de subcontratação e trabalho flexível, o confisco do direito a indenizações, completa retirada da estabilidade dos trabalhadores do setor público, demissões, condições de trabalho graves e extensas, etc.
Como o Emep se organiza para levar essas propostas ao povo?
Nós estamos prioritariamente tentando avançar, unificar e fortalecer o crescimento da tendência de lutas, para dar a elas um caráter consistente de luta de massas. Por um lado, nosso partido está focando no seu trabalho entre os trabalhadores pelas demandas sociais e econômicas, direitos democráticos e liberdades políticas. Por outro lado, nós mantemos nossa movimentação para alcançar uma aliança e a luta articulada de poderes que defendam o trabalho, a paz e a democracia. Por isso, nós começamos o nosso trabalho a fim de celebrar energicamente o 1º de Maio, o dia da unidade, luta e solidariedade internacional da classe trabalhadora. Nós insistimos numa atividade política ininterrupta e consistente em áreas industriais e bairros da classe trabalhadora – principalmente através de jornais diários e televisão – usando efetivamente as ferramentas para esclarecer a classe trabalhadora e proletária. Nós mobilizamos todas as nossas organizações partidárias nesse sentido. Por fim, eu compartilho da convicção na vitória através da luta da classe trabalhadora e dos povos oprimidos e mando nossas saudações camaradas aos trabalhadores brasileiros, às massas proletárias, à juventude e às mulheres do Brasil.
(Tradução: Rafael Coletto. Colaboração Elif Gorgu)
Nossa não tinha pensado dessa forma, muito bommm!!!!!