A crise política que o Brasil vive apresenta aspectos de interesse para todos os países da região, buscando não só compreender a realidade do que acontece no país irmão, mas também de relacioná-la com a debilidade dos chamados governos progressistas.
Seguramente, o ponto esclarecedor está em compreender o papel histórico do PT no governo, o qual previamente foi um avanço na luta contra o neoliberalismo e a geração de propostas alternativas em conjunção com os maiores movimentos de massas do Brasil. Mas, com uma necessidade de caráter eleitoral, em 2002, Lula da Silva lançou a “Carta ao Povo Brasileiro”, anunciando que seu governo respeitaria a regra do jogo dos governos anteriores (ou seja, neoliberais) e, desde então, passou a defender que as mudanças “possíveis” eram um assunto da administração do Estado, conduzindo a uma paulatina desmobilização de amplos setores populares.
Em seguida, vem um direcionamento de políticas que não podem ser definidas como de esquerda. É freada qualquer possibilidade de reforma agrária integral, inclusive é entregue aos sem-terra menos hectares que em governos anteriores, para dar espaço à política extrativista baseada no agronegócio, principalmente da soja, afetando os ecossistemas amazônicos; são contidas as demandas operárias, abrindo as portas do Estado às grandes empresas; é aplicada uma Lei Antiterrorista; realiza-se um financiamento da educação superior que, cada vez mais, beneficia entidades privadas. Ao mesmo tempo, programas de bônus como o Bolsa-Família possibilitam que milhões saiam da pobreza sem que haja sustentação de sua nova condição, pois se este e os outros bônus caírem, retornarão à situação anterior. Esta foi, a exemplo do ocorrido em casos similares, uma transferência de renda apoiada nos altos preços das matérias-primas e que fracassa quando essa época de bonança termina.
O PT se adaptou ao sistema corrupto, que confiava menos na ação dos setores populares e mais na negociação com os representantes políticos da direita. Em dois anos do primeiro governo Lula, em 2005, já estourou o escândalo do Mensalão, com a prisão do presidente do PT, José Dirceu. Logo viriam outros escândalos nos quais figuras-chaves do PT estão comprometidas.
Mas talvez a pior corrupção seja o fato de que o mesmo simbólico dirigente operário Lula da Silva passa a ser representante de empresas transnacionais, delas recebendo pagamentos que podem até ser legais, mas não éticos, deixando sua linha de pensamento para assumir a que sempre identificou como sendo a de seus inimigos de classe. Basta recordar como pessoalmente defendeu a Odebrecht, transnacional cujos principais representantes estão presos ou sob investigação, quando esta empresa foi expulsa do Equador por ineficiência e denúncias em torno da construção da represa São Francisco. A defesa que alguns fazem dos Brics não se pode esquecer que se trata de expressões da concorrência monopólica em nível internacional, correspondendo aos Brics uma falsa imagem libertadora.
Complementarmente, cada vez mais se atua em favor dos grandes e contra os trabalhadores e os pobres. Embora hoje os petistas denunciem, desde 2003 nada fizeram para mudar a corrupção que enlameia mais de 50% dos deputados; tampouco mudaram as antidemocráticas regras eleitorais (assim como a aliança do país no Equador) para favorecer os maiores partidos; não deram nenhum passo em direção a uma democracia participativa; entraram no jogo de cortes de Justiça corruptas e aparelhadas politicamente. Ideologicamente, não enfrentaram a presença de seitas que atuam com uma política ultraconservadora. Economicamente, basearam-se no extrativismo, apoiando grandes empresas multinacionais que exportam matérias-primas e sem nenhuma mudança de “matriz produtiva”, para usar uma expressão conhecida e igualmente falsa. Chancelaram acordos que se realizavam com os partidos neoliberais, que hoje traem os pactos. Isso ao mesmo tempo em que Dilma nomeava como ministro da Fazenda o economista Joaquim Levy, um destacado neoliberal que aplicou um programa de ajuste que em muito pouco se diferencia de governos neoliberais.
Isso, no conjunto, levou a que Chico Oliveira, um dos mais prestigiosos intelectuais do PT, assinalasse que seria um sinal de que o PT estaria caminhando a passos agigantados a um processo de transfiguração política, em uma aberração política. Ou seja, deixando de ser o que historicamente foi para converter-se em seu contrário.
Como se vê, esperar que as mudanças se deem desde o governo, debilitar a autonomia e ação das organizações populares, esquecer que todo revolucionário deve manter uma ética diferenciadora do passado, assumir o papel de administrador da crise capitalista, crer que a esquerda existe para se acertar com a extrema-direita e esperar ser aceito em seu círculo, são aspectos que explicam o que se sucedeu com o PT.
O povo foi compreendendo e seu respaldo ao governo foi caindo. As grandes manifestações de 2013, que iniciaram uma onda até agora, expressam-se também eleitoralmente. Dilma, na reeleição, conseguiu 54 milhões de votos, mas só três milhões a mais que seu concorrente, caindo continuamente de popularidade a cifras mínimas que explicam porque as importantes mobilizações estão muito abaixo do esperado.
O PT, então, não serve mais para conter as demandas populares e a direita prefere governar diretamente para fortalecer o neoliberalismo e empregar amplamente a repressão. O retrocesso será grave e com efeitos negativos para a região. De maneira ilegal, ardilosa, corrupta, a direita jogou suas cartas. Mas deixa preparado um reformismo que renunciou a suas origens. E isto não se pode esquecer porque é também sintoma e realidade de outros governos autodenominados progressistas.
Edgar Isch López, ex-ministro do Meio Ambiente do Equador e articulista do Opción