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sábado, 21 de dezembro de 2024

As vidas nas favelas importam

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Marcado por estereótipos em relação aos grupos não brancos, a política de criminalização das drogas teve início nos Estados Unidos no contexto pós-Guerra Fria e foi direcionada, a partir das décadas de 1970/1980, para a América Central e do Sul sob a tônica do combate às drogas. Os subsequentes governos estadunidenses transformaram os narcotraficantes em inimigos públicos de Estado. No documentário “A 13ª Emenda”, a cineasta Ava DuVernay nos fala que o presidente Richard Nixon convence brancos pobres a partir do discurso de combate às drogas e nos revela que essa era uma estratégia que relacionava negros e movimentos sociais à permissividade e às drogas no país, construindo certa imagem desses segmentos.

No Brasil, a questão das drogas inicia sua militarização em um contexto de aumento do tráfico, entre as décadas de 1980 e 1990, somado ao sentimento de insegurança disseminado pela mídia e ao aumento de um tipo de cobertura jornalística policialesca. Em 1995, Fernando Henrique Cardoso assina o “Acordo de Combate ao Narcotráfico”, oficializando a atuação no Brasil de agências norte-americanas como a Drug Enforcement Administration (DEA) e a Central Intelligence Agency (CIA), que supostamente seriam controladas pela Polícia Federal.

Durante o primeiro mandato do presidente Lula foi promulgada a nova Lei Antidrogas (Lei 11.343/06), que introduziu o tema das penas alternativas para consumidores, mantendo a distinção entre usuários e traficantes, estabelecida ainda no regime militar, e sem especificar quantidades como parâmetros para definição de enquadramento da posse (tráfico/uso pessoal), fortalecendo, assim, a seletividade penal de acordo com a cor e estereótipo.

A lógica proibicionista da Lei 11.343/06 criminaliza o traficante, acabando por não resolver o problema que está no centro da discussão sobre o tráfico de drogas. De acordo com Carl Hart, neurocientista negro norte-americano, professor titular da Universidade de Columbia, em Nova York, e autor do livro “Um Preço Muito Alto: a jornada de um neurocientista que desafia nossa visão sobre as drogas”, o que há no Brasil é um apartheid.

Para ele, enquanto o foco está nas drogas, temos as questões ligadas à falta de inclusão de certos grupos, estrutura social, discriminação racial, pobreza, falta de educação, induzindo as pessoas a errar sobre o cerne da questão das drogas na sociedade. Hart alerta ainda que a política antidrogas dos EUA resultou no aumento das mortes e na prisão de pelo menos 1/3 da população negra masculina.

Quase 30 anos após os EUA terem implementado políticas severas para lidar com os problemas supostamente relacionados ao crack, o Brasil está prestes a tomar um caminho semelhante. Isto vai contribuir, sem dúvida, para que os negros no Brasil sejam ainda mais marginalizados socialmente. Por exemplo, os negros constituem cerca de 50% da população, mas representam menos de 5% das autoridades eleitas e praticamente não fazem parte da classe média.

Para termos uma ideia, dados do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP) apontam um aumento de 78,4%, dois primeiros meses deste ano, no número de mortes em decorrência de ação policial em relação ao mesmo período de 2016. Como resposta, moradores de duas das favelas mais atingidas da cidade, Complexo do Alemão e Acari, realizaram nos dias 29 de abril e 6 de maio, respectivamente, audiências públicas para exigir soluções do poder público no que diz respeito aos abusos cometidos pelas polícias que atuam na cidade. Em Acari, a partir da fala dos moradores, foi ressaltado que esse tipo de abordagem, além de não resolver o problema, causa enormes prejuízos e até a morte de moradores.

A retórica da guerra, utilizada pelo porta voz da Polícia Militar do Rio de Janeiro, Ivan Blaz, ao se referir à morte da estudante Maria Eduarda como “dano colateral”, tenta justificar ações arbitrárias da polícia em territórios de maioria negra, cuja lógica se alimenta da territorialização do medo, onde supostamente estariam todos os males da cidade. Na verdade, a guerra às drogas é um mecanismo de manutenção da hierarquia racial, cuja política proibicionista teve sucesso ao criminalizar negros e pobres.

Precisamos adotar a centralidade do racismo enquanto perspectiva analítica dos processos de desumanização perpetuados desde o período colonial, cuja opção política de guerra às drogas mostra a face mais cruel do racismo nas instituições brasileiras. Esta mesma guerra desempenha um papel genocida da nossa juventude negra, sugada por uma lógica criminalizadora e que a todo momento nos leva a distorcer o papel que a justiça tem em nossos territórios, nos fazendo errar quanto ao nosso dever de defender a vida acima de qualquer ressalva.

Os grupos que lutam pela garantia de direitos básicos são orientados pela busca de uma política pública que supere os limites impostos pelo racismo institucional, tendo como norte a noção de que o legado da escravidão e sua lógica punitivista não devem pautar o sistema de justiça, que dessa forma se constitui em elemento de manutenção das hierarquias sóciorraciais.

Jessica Raul, moradora de Acari e militante do Coletivo Fala Akari.

Matéria originalmente publicada em www.canalibase.org.br, em 12/07/2017.

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1 COMENTÁRIO

  1. Este texto se insere no contexto das reflexões e torno da campanha “Favelas na luta: pela vida, justiça e direitos iguais”, idealizada e/ou apoiada por diferentes coletivos de favelas e negro no Rio de Janeiro #Asvidasnasfavelasimportas

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