“Trabalhem, proletários, trabalhem para aumentarem a fortuna social e as vossas misérias individuais, trabalhem, trabalhem, para que, ficando mais pobres, tenham mais razões para trabalhar e ser mais miseráveis. É essa a lei inexorável da produção capitalista”. (Paul Lafargue)
O trabalho humano é o elemento fundamental que viabiliza a produção de bens e a oferta de serviços, consequentemente condiciona a existência do lucro (exploração de mais-valia) e da sociedade capitalista. No entanto, o mundo do trabalho contemporâneo vem convivendo com uma crise sem precedentes e em diversas dimensões: produtiva, social, ética.
O sistema de reprodução e ampliação do capital, dadas suas barreiras e limites impostos por sua lógica essencialmente contraditória, necessita sempre de novas adaptações, novas formas de se organizar, de se reestruturar. Portanto, ao longo da existência do capitalismo, as mudanças na exploração da força de trabalho sempre se manifestaram. São componentes naturais, imanentes a esse modo de produção hegemônico vigente. No entanto, a partir dos anos 1970, a sociedade passou a experimentar transformações mais profundas e corrosivas ao ser humano.
Tais transformações que concorrem para a pauperização da sociedade laboral se manifestam principalmente com a imposição de relações de emprego flexíveis, desregulamentadas, informais, sub e desempregos disfarçados. Com efeito, é urgente debater a reforma trabalhista imposta no atual cenário brasileiro, o qual tem sinalizado para um quadro de incertezas quanto ao futuro de um trabalho com níveis mínimos de dignidade – seja em suas relações contratuais, seja em seus direitos historicamente conquistados, seja em seu sentido e/ou significado para o ser humano.
No entanto, somado a essas imposições das relações de trabalho modernas neoliberais, talvez a característica mais intensa e prejudicial aos trabalhadores seja o processo hegemônico de financeirização da economia em níveis globais. Trata-se do predomínio da lógica de políticas de favorecimento ao capital, sobretudo em sua manifestação financeira, especulativa e parasitária.
O fenômeno da financeirização da economia em dimensão global escancara a impaciência do capital em sua reprodução e expansão, buscando desvincular-se de sua base real (o capital industrial e produtivo), eliminando ou encurtando etapas de seu processo de valorização, conforme explicitado por Marx, a partir da fórmula geral do capital (encurtamento de D – M – D´ para D – D´).
Portanto, constata-se que, diante desse mais recente estágio do capitalismo sob a égide neoliberal, a recuperação dos lucros não leva necessariamente a uma também recuperação dos investimentos produtivos, mas sim financeiros, que requer uma desregulamentação desse setor. Como consequência, tal desregulamentação concorre para condições mais favoráveis à especulação do capital em detrimento da produção e que consequentemente afeta negativamente a geração de mais postos de trabalho, corroborando para a degradação do trabalho humano, uma vez que concorre para uma sistemática desqualificação da importância da força de trabalho enquanto elemento constituinte do processo de reprodução do capital produtivo.
A degradação do ser humano
Referido processo histórico de degradação do trabalho e do ser humano no movimento de expansão do capitalismo em seu atual momento, se manifesta como um fenômeno consequente de uma crise essencialmente presente nas relações produtivas (capital-trabalho), que é manifestada desde a mais tenra ideia originária de reprodução do capital. Entretanto, essa atual crise que se manifesta, sobretudo, com a aprovação da reforma trabalhista que traz como principal prática a desregulamentação das relações de emprego, tende a elevar ainda mais os níveis de desemprego (e em longa duração) aqui no Brasil (que já são 14 milhões de desempregados1), além de contribuir para o crescimento da pobreza, uma vez que na prática se materializa como redução de custo da mão de obra, logo, redução das rendas reais disponíveis aos trabalhadores (que já são precárias, uma vez que 72% da população sobrevive com até dois salários mínimos por mês2).
Diante deste cenário de acentuada precarização das relações de emprego, seja no Brasil – de capitalismo atrasado e dependente –, seja nos países de capitalismo avançado, podemos perceber que a crise do trabalho tem se tornado mais permanente, perdendo assim o caráter cíclico das crises capitalistas. Trata-se de uma “depressed continuum” (recessão ou crise contínua) conforme a denominação do filósofo marxista húngaro István Mészáros, inclusive com uma manifestação mais notável e compreendida enquanto crise permanente, uma vez que seus reflexos são mais sentidos pela sociedade.
Resta a nós trabalhadores refletir e se mover numa perspectiva de superação deste domínio do capital, sobretudo em sua dimensão financeira. Somos instigados a rever nosso papel enquanto sujeitos da emancipação, uma vez que a Economia prevaleceu sobre a Política, ou seja, as discussões políticas que deveriam favorecer a sociedade representam explicitamente os interesses do capital. Não à toa, Marx se concentrou na crítica à Economia Política, evidenciando que a superestrutura (e nela entram as instituições políticas e jurídicas) é determinada pela infraestrutura (base econômica), que é a própria lógica hegemônica de ampliação do capital.
Esta compreensão apresentada sobre o processo de degradação do trabalho como algo natural da expansão do capital tem como objetivo principal reavivar a discussão do papel do trabalho como canal de satisfação do ser humano, incitando questionarmos acerca do papel deste como protagonista de sua vida social e não somente como elemento constitutivo do processo produtivo no sistema capitalista. Por fim, somos provocados a pensar em novas formas de se organizar produtivamente, na tentativa de se resgatar a compreensão do verdadeiro significado do trabalho humano, uma vez que, para o capital, ele permanece com seu sentido fundante e limitado: a produção da mais-valia e sua exploração máxima na infindável, ininterrupta e incessante busca pelo lucro.
Eduardo Oliveira, professor de Economia Política e Pensamento Marxista
Departamento de Economia da Universidade Federal do Piauí – UFPI
¹ DIEESE, junho de 2017.
² Censo IBGE, 2010.