A ciência na sociedade capitalista, principalmente em países periféricos como o Brasil, é tratada como negócio: estudantes de pós-graduação – cujas bolsas estão defasadas há muitos anos, valendo hoje a metade do que valiam há dez anos – são espremidos para apresentar resultados e melhorar a avaliação das universidades, institutos, departamentos e programas de pós-graduação pelas agências de fomento, o que resulta em maiores recursos financeiros. Tamanha é a pressão que, no fim do mês de outubro, foi noticiado o suicídio de um jovem doutorando da USP.
Esta pressão não pretende buscar resultados inovadores que sirvam como alento a quem tem uma doença que não tem cura na forma de um novo tratamento, por exemplo. Muito menos pretende buscar estratégias de promoção da saúde e prevenção de doenças para que sejam aplicadas pelos profissionais de saúde nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) ou nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) e diminuam a necessidade de medicamentos que enriquecem a indústria farmacêutica.
A pressão é em busca de quantidade. Isso é o que importa às agências de fomento (CNPq e Capes): um número imenso de publicações científicas cujo conteúdo às vezes beira o irrelevante, já que o que parece funcionar em determinadas pesquisas simplesmente não funciona em outras com modelos extremamente semelhantes. Mas por que não funcionam?
Atualmente, o que importa no currículo de um estudante de pós-graduação é a quantidade de publicações em revistas de alto impacto. Isso é o que define se ele vai seguir adiante na carreira ou não. As revistas mais bem avaliadas pela Capes são internacionais (principalmente estadunidenses e europeias), que muitas vezes exigem o pagamento para a publicação (em alguns casos, de até 5 mil dólares!), o que por si só, já compromete muito a confiabilidade dos resultados publicados. Além disso, essas revistas tendem a aceitar apenas resultados “positivos”. Os resultados considerados “negativos” voltam para a gaveta ou os dados são publicados de maneira enviesada, para que pareçam mais importantes do que realmente são. Para ter acesso ao conteúdo também é necessário pagamento (cerca de 20 dólares por artigo!). Geralmente esses custos são financiados pelo governo.
Em resumo: o governo, ou melhor, a população brasileira paga para produzir o trabalho (custo de materiais, reagentes químicos, salário de professores, bolsas de estudantes), paga para publicar o trabalho em uma revista internacional que arrecada milhões, e depois paga para que os estudantes das universidades tenham acesso a ele. Além disso, as iniciativas para divulgação da ciência são mínimas, em linguagem extremamente técnica e muitas vezes em língua estrangeira, mesmo em eventos regionais e nacionais. O povo trabalhador, que paga pela realização dos trabalhos científicos, sequer tem acesso a eles!
O investimento em ciência é essencial para o desenvolvimento do país, portanto, é urgente que as agências de fomento se desprendam das correntes da indústria da publicação científica, parem de valorizar a quantidade – e consequente enriquecimento de editoras milionárias – e invistam de fato em ciência.
Peguemos o exemplo de Cuba. Em 1960, Fidel Castro profetizou: “O futuro de nossa pátria tem que ser necessariamente um futuro de homens de ciência, tem que ser um futuro de homens de pensamento”. Em 1965 foi concebido o Centro Nacional de Pesquisas Científicas (CNIC). Até 2011, o CNIC tinha formado 32 mil especialistas nas mais diversas áreas do conhecimento. Em 1986 é fundado o Centro de Engenharia Genética e Biotécnica (CIGB). Mesmo sofrendo com o bloqueio econômico, Cuba investe muito em ciência. O Centro, além de gerar grande contribuição econômica, através da exportação dos produtos criados, tem papel central na prevenção e combate a doenças na ilha, que, por exemplo, já erradicou a hepatite B (nenhum caso desde 1999). Em abril deste ano, Cuba foi reconhecida como o primeiro país do mundo a erradicar a transmissão vertical do HIV (de mãe para filho).
Cuba, cujo índice de analfabetismo é zero, também desenvolveu a primeira vacina contra o câncer de pulmão, que aumenta a expectativa de vida dos pacientes. Segundo o Dr. Fernández Yero, “o maior orgulho do grupo de pesquisadores e técnicos é fazer ciência a favor da saúde dos cubanos e de outros povos”¹.
Certamente, a preocupação de Fidel em desenvolver a educação e a ciência na ilha se espelhou no trabalho de Lênin e Stálin na União Soviética, já que essas eram as bases do crescimento da antiga potência mundial. Destaca-se também o trabalho de Nadezhda Krupskaya, primeira mulher na história a ocupar um alto cargo de Estado, que equivalia ao Ministério da Educação (Leia mais sobre a educação e a ciência na União Soviética em A Verdade nº 200).
Para o avanço da ciência no Brasil, é necessário que se valorize o pós-graduando e o aluno de iniciação científica. Para que eles façam ciência buscando a melhoria da qualidade de vida da população e não quantidade de publicações; e divulguem-na em espaços e linguagem acessíveis às massas. Do contrário, o jovem pobre da periferia continuará sem ter acesso aos laboratórios. Entretanto, para realmente construir a ciência como patrimônio social, que tenha como único objetivo a melhoria da qualidade de vida da população e não o lucro de grandes magnatas, e além disso, para que os trabalhadores pobres tenham acesso à educação, precisamos construir a pátria socialista!
Vinícius Stone é doutorando em bioquímica e coordenador da Associação de Pós-graduandos da UFRGS
¹ “Ciencia en Cuba: apuesta por la soberanía”, Orfilio Peláez Mendoza