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domingo, 22 de dezembro de 2024

Reformar os privilégios, não a previdência

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O discurso sobre a necessidade de se fazer uma (contrar)reforma na Previdência Social[1] dentro da sociedade deve ser analisado pelas matrizes que lhe configura dentro da Ordem Social engendrada pela Constituição Federal de 1988 (CF/88), qualificando-o como sendo uma das engrenagens que compõe o tripé da Seguridade Social Brasileira (SSB) – as outras duas são a saúde e a assistência social como prescreve o artigo 194 da CF/88 –, portanto, seu estudo deve ser feito em conjunto e não separadamente como faz o governo para dizer que ela está no vermelho, deficitária.

Vale ainda compreender que toda essa conformação do seguro social surge no Brasil com forte influência do modelo Alemão e Inglês no fim do século 20, com a introdução da redemocratização do país. Neste caminho, o orçamento que comportará a SSB, conforme descreve o artigo 165 da CF/88, é composto por todas as entidades e órgão que se vincula ao sistema, tanto da administração direta quanto da indireta[2], dos fundos e fundações mantidos pelo Poder Público (como prescreve a CF/88 no seu artigo 195), bem como proclama que seu financiamento se fará por diversas fontes e pelas seguintes contribuições sociais como COFINS, contribuição para o INSS, PIS/PASEP e outros.

Nesta seara, torna-se notório que o governo e apoiadores tratam essa (contrar)reforma como a panaceia, a solução para um suposto déficit, carência recursos no aporte das contas da previdenciárias e como sendo o mecanismo capaz de reativar o crescimento econômico, através da recuperação da confiança do setor privado, da mesma forma como falavam que fazendo a reforma trabalhista estaríamos criando a solução do desemprego, mas o efeito foi contrário porque  o número de desempregados antes da suposta reforma girava em torno de 12,3 milhões e agora (pós-reforma trabalhista) é 13,7 milhões segundo índices IBGE[3]. Outra mentira é que ia aquecer a economia fazendo com que o país retomasse o crescimento, mas a bem da verdade é que pouca coisa mudou para o trabalhador desde a sua modulação, já que os maiores beneficiários com ela foram os grandes empresários e banqueiros.

O discurso reformista, passado pelo governo, carrega a justificativa de que ele necessita controlar os gastos da máquina pública, mas tiram da lista os gastos financeiros, por exemplo, dos juros, esses poderão aumentar exorbitantemente. O que para a Coordenadora Nacional da Dívida Cidadã, Maria Lúcia Fatorelli, não é correto, porque deveria era fazer uma reforma tributária e não previdenciária, ideia também sustentada por Enio Pontes.

Ao se falar sobre juros verifica-se que o Brasil lidera de forma fácil o ranking entre as maiores taxas de juros do mundo. Em 2013, o país pagou R$ 248,9 bilhões em juros; em 2015, aumentou 61%, passando para R$ 501,8 bilhões e em 2017 chegou à cifra de R$ 400,8 bilhões.

Em 2015, a despesa com juros superou as despesas com benefícios previdenciários, que foi de R$ 436,1 bilhões. Em 2016, elas somaram R$ 407 bilhões, o que representou 6,5%, voltando a subir em 2017 e chegando a representar 6,11% do PIB conforme estudo feito pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (ANFIP)[4].

Por sua vez, em outro estudo feito por ela conclui-se que a SSB tem sido superavitária em bilhões de reais quando vista nos últimos anos. A sobra de recursos foi R$ 53,9 bilhões em 2010; R$ 76,4 bilhões em 2013; e R$ 11,7 bilhões em 2015. Em 2016, por sua vez, é o primeiro ano em que a SSB apresenta resultados negativos de R$ -56,9 bilhões, por conta de a economia brasileira ter ficado perto da estagnação em 2014 caindo 7,6% no biênio seguinte. Com isso, a arrecadação regrediu 12,4%, em termos reais no período.

Deste modo, essa desaceleração econômica permitiu uma arrecadação negativa para a SSB no ano de 2016, visto que, caso mantivesse os patamares, por exemplo, das receitas havidas em 2013, teria a diferença de cerca de R$ 90 bilhões a mais em relação a 2016, reverteria o resultado negativo do exercício e ainda produziria um superávit de mais de R$ 30 bilhões. Ver-se-á, com este dados, no entender da Auditoria da Dívida Cidadão (ADC)[5], do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (AOB)[6], da economista Denise Gentil, dos economista Eduardo Fagnani, João Sicsú e do advogado Diego Monteiro Cherulli, que o próprio governo sabe disso e, por isso, se fez, por meio da Desvinculação de Receitas da União (DRU)[7],  uma majoração no montante de 30% em 2016 de desvio dos recursos da Seguridade Social, principalmente, para pagamentos de juros da chamada dívida pública, assim como os recursos advindos das privatizações. “Se existisse um déficit na Previdência Social, que recursos haveriam para desvincular?”, completa a ADC.

Por fim, entende-se, pela análise dos números, que a Previdência Social é superavitária em bilhões de reais. Uma reforma nos moldes proposto só trará mais desigualdades e privilégios, como aponta a vice-presidente da Comissão Especial de Direito Previdenciário da OAB, Thais Maria Resende Zuba. E lembre-se que, embora se tenha recuado momentaneamente a PEC 287, sabe-se que voltará com força pós-eleições 2018 porque é de interesse do SEH. Assim, economistas como Paulo Tafner já estão elaborando uma nova Proposta de reforma e esta, por sua vez, vem com um Plus, uma vez que ela buscará desconstitucionalizar a previdência, deixando-a como lei infraconstitucional, que terá como efeito a desvinculação dos tributos que atualmente são obrigatórios e direcionados a SSB, conforme prescreve o artigo 195 da CF/88.

Cleisson Jesus é estudante de Direito em São Paulo.

[1] Em 2016 o governo da vez propôs uma Proposta de Emenda Constitucional 287 (PEC 287) para reformular a Previdência Social alegando que havia um “déficit” nas finanças desta, mas embora tenha feito massivas campanhas publicitárias à ideia não foi aceita passivelmente pela população o que fez o governo momentaneamente recuar na proposta.

[2] Administração direta (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), indireta (Autarquias, Sociedade de Economia Mista, Empresas Públicas e Fundações Públicas) e entidades equiparadas a tal.

[3] Disponível em https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/20995-desemprego-volta-a-crescer-no-primeiro-trimestre-de-2018.html, acessado em 30/05 às 22:54min.

[4] https://www.anfip.org.br/doc/publicacoes/Documentos_01_11_2017_17_56_36.pdf

[5] Disponível em <http://consultanacional2017.com.br/wp-content/materiais/folheto.pdf>, acessado em 30/05/2016 às 15h06min.

[6] Posição firmada através da divulgação de uma Carta aberta sobre a reforma da previdência, disponível em < http://www.oab.org.br/noticia/54702/oab-e-entidades-divulgam-carta-aberta-sobre-a-reforma-da-previdencia>,  acessado em 30/05/2018 às 16h10min.

[7] Mecanismo criado desde 1994, inicialmente sob o nome de Fundo Social de Emergência, vem retirando da Seguridade Social as receitas oriundas das contribuições sociais, que possuem destinação específica constitucional. Atualmente, esse desvio de recursos é de 30%.

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