A Reforma Psiquiátrica e a luta antimanicomial em perigo

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            Falar de reforma psiquiátrica nos remete ao seu percurso histórico-cultural até os dias de hoje. Considerando a intrínseca relação de forças entre justiça, medicina e pobreza é possível compreender como os horrores, as crueldades e as violências cometidas contra a dignidade humana e contra os direitos fundamentais das pessoas consideradas loucas imperaram por dois séculos e somente se tornaram alvo de crítica e de discussão após a II Guerra Mundial (GOMES, 2013 p.95).

            Santos (2006) aponta que no final do século XIX e início do século XX, o doente mental passa a ser um objeto de investigação científica. Ao mesmo tempo, a positivação da doença mental define e limita o “são” e o “não-são”. Além disso, torna-se evidente que a doença localiza-se exclusivamente no indivíduo desviante da normalidade que, por sua razão, deverá ser isolado da sociedade.

            As reformas psiquiátricas implementadas em diversos países provocam intensos debates até os dias atuais. Tais movimentos trouxeram à tona as contradições e reflexões no que diz respeito ao conceito de saúde mental, o saber e as práticas psiquiátricas no trato com a loucura. Sendo essa, considerada um fator social e político.

            O movimento de desinstitucionalização condena a instituição manicomial. Uma existência mais rica de recursos, de possibilidades e de experiências é também uma existência em mudança. Certo, o sofrimento psíquico talvez não se anule, mas se começa a remover-lhe os motivos, mudam as formas e o peso com que este sofrimento entra no jogo da vida de uma pessoa (ROTELLI; LEONARDIS & MAURI, 2001 p. 33).

            Segundo Siqueira (2006), desinstitucionalizar significa entender a instituição no seu sentido dinâmico e necessariamente complexo das práticas e saberes que produzem determinadas formas de perceber, entender e relacionar-se com os fenômenos sociais e históricos.

            No Brasil, o principal ator na luta pelos direitos humanos das pessoas institucionalizadas pela psiquiatria foi o Movimento Nacional de Luta Antimanicomial que desde 1987, através do lema “Por uma sociedade sem manicômios” tem convocado a sociedade para discutir o lugar social da loucura e do louco e para assumir sua responsabilidade na transformação dessa realidade opressora (GOMES, 2013).  

            Com a Constituição de 1988, foi criado o SUS (Sistema Único de Saúde), em seguida, o projeto de lei Paulo Delgado, que objetivava tratar de questões relacionadas à Reforma Psiquiátrica. O projeto de lei Paulo Delgado, o qual determinou a troca em etapas dos leitos psiquiátricos pela rede integrada de atenção à saúde, começou a entrar em vigor depois de 1992, mesmo assim, apenas em algumas cidades. Somente no ano de 2001 foi aprovada Lei Paulo Delgado (10.216/2001) que foi influenciada pela reforma legislativa italiana.  

            A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) estabelece os pontos de atenção para o atendimento de pessoas com problemas mentais, incluindo os efeitos nocivos do uso de crack, álcool e outras drogas. A Rede integra o Sistema Único de Saúde (SUS). A Rede é composta por serviços e equipamentos variados, tais como: os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS); os Serviços Residenciais Terapêuti cos (SRT); os Centros de Convivência e Cultura, as Unidade de Acolhimento (UAs), e os leitos de atenção integral (em Hospitais Gerais, nos CAPS III) (BRASIL, 2013).

            Mas através de mudanças na política de saúde mental, desde 2017 o Governo reforça o retorno do modelo manicomial.  A reforma psiquiátrica brasileira é um avanço internacionalmente reconhecido por organismos, universidades e instituições. Apesar de não ter sido plenamente desenvolvida, com todas as suas possibilidades essa “nova” política ameaça e interrompe os avanços e mudanças conquistados.

            A luta antimanicomial desempenha uma função primordial na articulação com os demais movimentos sociais e revolucionários a fim de reivindicar, sugerir e realizar intervenções transformadoras nas políticas públicas. Só assim, o movimento conseguirá se efetivar como movimento revolucionário que se opõe a reprodução do modelo manicomial, excludente e genocida.

Referências

BRASIL. M.S. Conheça a RAPS: Rede de Atenção Psicossocial. Brasília, 2013.Disponível em: < http://bvsms.saude.gov.br/bvs/folder/conheca_raps_rede_atencao_psicossocial.pdf>

GOMES, Anna Luiza Castro. A reforma psiquiátrica no contexto do movimento de luta antimanicomial em João Pessoa, PB. 2013. 263 f. Tese (Saúde Pública) – Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2013. Disponível em: <https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/13806/1/404.pdf>

ROTELLI, F; LEONARDIS, O & MAURI, D. Desinstitucionalização. São Paulo: Hucitec, 2001.

SANTOS, Ívena Pérola do Amaral; Da Antipsiquiatria ao Movimento Antimanicomial: Trajetória Histórico-Cultural. Revista da Abordagem Gestáltica, 2006. Disponível em: <http://www.redalyc.org/html/3577/357735505009/ > 

SIQUEIRA, A.B. A relação do trabalho e saúde dos psicólogos que atuam nos centros de atenção psicossocial em João Pessoa- PB. Dissertação de Mestrado. João Pessoa, 2006.