Há um ano 10 famílias choraram a morte de seus filhos que sonhavam em buscar uma melhora de vida colocando seus filhos para jogar futebol. Este sonho, que é também de outros milhões de jovens Brasil afora, foi interrompido por conta do incêndio ocorrido no Ninho do Urubu (Centro de Treinamento do Flamengo na Zona Oeste do Rio) que vitimou 10 garotos das divisões de base do clube. Desde então, a diretoria do clube ignora as famílias e busca, em nome do lucro, não se responsabilizar pelo acidente.
A pressão psicológica e econômica forçou algumas famílias a fazerem acordos com o clube. Outras famílias, no entanto, continuam na busca de justiça e também de indenizações condizentes com a responsabilidade do Flamengo. A diretoria por sua vez trata a questão como se fosse apenas uma negociação econômica, da mesma forma como faz quando compra ou vende os direitos de algum jogador. Eles usam argumentos como jurisprudência ou firulas judiciais para não pagar as famílias nem se responsabilizar como culpada pelo incêndio.
O Flamengo, que teve uma campanha com muitos títulos no ano passado, arrecadou quase R$1 bilhão e se recusa a pagar uma indenização que seja minimamente compatível com a perda das famílias. A atitude do clube tem sido de frieza e de abandono completo. No início do ano o departamento de futebol dispensou 5 atletas que sobreviveram ao incêndio sob “argumentos técnicos” desconsiderando completamente o trauma sofrido por esses jovens. No dia de hoje, quando se completa 1 ano da tragédia, a diretoria impediu que várias famílias dos jogadores mortos entrassem no espaço do clube para prestar suas homenagens.
O abandono das famílias tem sido total desde o início. Apesar de estarem pagando uma pensão de R$10 mil por família após decisão judicial, o clube até agora tem mantido as famílias afastadas. Não chamou os familiares para a comemoração dos títulos da Libertadores e do Brasileiro e sempre que pode foge do assunto sobre o incêndio.
A exceção da torcida, o Flamengo tem trabalhado para apagar o máximo que pode a memória da tragédia. Até hoje nenhum memorial no local do incêndio, onde hoje é um estacionamento. As famílias em entrevistas recentes na mídia sempre colocaram que o clube não demonstra nenhum carinho ou acolhimento. A diretoria e o presidente Rodolfo Landim, não visitaram nenhuma vez até hoje os parentes das vítimas mortas na tragédia argumentando que isso pode prejudicar o processo.
Essa reação é completamente oposta à de muitos torcedores e torcidas organizadas do time. Desde a tragédia, a torcida pede por justiça e a todo momento fazem manifestações exigindo outra postura do Flamengo e se solidarizando com as famílias. Nesta semana, depois de uma vaquinha online, torcedores criaram um memorial nas imediações do Maracanã onde a imagem das vítimas foram pintadas no muro do estádio. Nos jogos do time, as torcidas tem sempre tido demonstrações de solidariedade às vítimas da tragédia e afirmado que não esquecerão.
Essa tragédia e a postura da diretoria do Flamengo só demonstra como o futebol tem tido uma lógica cada vez mais mercantilizada. A questão central não é mais o esporte, a alegria de comemorar um gol ou ganhar um campeonato, mas apenas o lucro. Os clubes estruturados, como o Flamengo, se portam apenas como empresas e tentam colocar o lucro acima de tudo. Não à toa que a estrutura onde ocorreu o incêndio ano passado não tinha qualquer autorização para funcionar e foi feita da maneira que o clube pudesse economizar o máximo possível. É mais do que necessária não apenas a indenização das famílias, mas a responsabilização criminal também da diretoria do Flamengo, para que os culpados também sejam punidos. O lucro e o ganho financeiro não podem estar acima da vida também no futebol.
Felipe Annunziata, Rio de Janeiro.