Por Pedro Laurentino – poeta e militante da Unidade Popular
Morreu em Teresina, aos 81 anos, de complicações renais, no dia 07 de maio, Maria da Inglaterra, ícone da cultura e da música genuinamente popular do Piauí.
Natural de Luzilandia (PI) e nascida Maria Luiza dos Santos Silva, era analfabeta e ditava as letras das suas canções ao marido, Otacilio, também já falecido, que as transcrevia para depois se transformarem em enorme sucesso na voz do povo.
Descobriu-se artista e compositora aos 26 anos de idade. Segundo ela mesma relatou, ‘estava na janela e foi aparecendo uma luz bonita com duas pessoas me chamando para cantar’. Quando acordou, o marido havia anotado as letras das suas primeiras canções “Baião do Cajueiro” e “Eu sou do Serrote Grande”.
Compôs mais de 2.000 canções, sendo a mais famosa “O peru rodou”, cantada e decantada por todos os artistas piauienses. Com ela, ganhou o festival da canção universitária, em 1973. A canção( transcrição abaixo) surgiu enquanto ela jogava milho aos perus no quintal da sua casa e ouviu no rádio a notícia da morte do cantor Agostinho dos Santos, num desastre aérea, quando se deslocava de Londres para São Luís do Maranhão.
Seu nome artístico foi dado pelo pesquisador da Música Popular Brasileira, Ricardo Cravo Albin, que impressionou-se com a sua postura, que evocava ares de nobreza. Sua grande fonte de inspiração foi Luiz Gonzaga, o rei do baião.
Em 2010 foi chamada para se apresentar no programa Domingão do Faustão, no dia Internacional da Mulher. O Piauí em peso parou para assistir. Sempre cercada dos melhores músicos, de quem era uma espécie de diva, representou a cultura piauiense em diversos espaços culturais do Brasil. Milton Nascimento chegou a gravar uma das suas composições.
Desde 2011, Maria da Inglaterra deixou de cantar, devido a um calo vocal. Vivia da aposentadoria de 1 salário mínimo e da ajuda de amigos e admiradores. Morava numa casa modesta, na zona sudeste de Teresina, próximo à Vila do Avião.
Deixa um enorme vazio e a certeza de que o fazer cultural exige mais inspiração, dedicação e talento do que o conhecimento formal adquirido nos bancos das universidades. Estão aí os geniais João do Vale, Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro Patativa do Assaré, Pinxinguinha, Cartola, Nelson Cavaquinho e Adoniran Barbosa como testemunhas da história musical do Brasil.
A esses soma-se Maria, que além do Piauí, era também da Inglaterra, Oropa, França e Bahia. Bastatam-lhe-lhe duas mãos e o sentimento do mundo para tornar-se universal.
‘O Peru rodou’
(Maria da Inglaterra)
Eu peguei o meu ganzá
Fui pra rua pra tocar
E as meninas no salão
Só querem balanciar
E o peru rodou e rodou
Rodou e as meninas dessa
Terra querem meu amor
As ondas do mar desce
Desce, desce no cordão
E as meninas dessa terra
Tem amor no coração
E o peru rodou e rodou, rodou
E as meninas dessa terra querem meu amor
Borboleta na parede
É sinal de casamento
E as meninas dessa terra
Todas estão de apartamento
E o peru rodou e rodou, rodou
E as meninas dessa terra querem meu amor
Eu saí da inglaterra
Com destino ao maranhão
Culpado da minha sina
E do danado do avião
E o peru rodou e rodou, rodou
E as meninas dessa terra querem meu amor
Vou me embora dessa terra
Vou morar em outro lugar
Vou levar a minha amada
Pra com ela me casar
E o peru rodou e rodou, rodou
E as meninas dessa terra
Querem meu amor