Paolla Izidio
JUIZ DE FORA – As feministas marxistas, na busca por compreender melhor a opressão sobre as mulheres no sistema capitalista, perceberam que o trabalho doméstico e o cuidado com as crianças e familiares, que recaem majoritariamente sobre as mulheres, são trabalhos não pagos. Essas atividades são fundamentais para que o sistema produtivo continue existindo, para que os trabalhadores renovem diariamente suas forças e para que uma nova geração de trabalhadores cresça para substituir a geração que envelhece; no entanto são trabalhos invisíveis, não remunerados e acumulados pelas mulheres junto com o trabalho formal, gerando uma tripla jornada.
Com a chegada da pandemia da Covid-19 a situação de tripla jornada piorou: as mulheres passaram a cumprir as tarefas de mãe, dona de casa e trabalhadora ao mesmo tempo, pois os filhos e familiares passaram a ficar em casa em tempo integral. Além disso, a quarentena não foi garantida para todos e, assim, muitas mães tiveram que sair para trabalhar e deixar os filhos em casa, sem creches ou escolas, aumentando a preocupação e o peso da jornada tripla. É emblemático que a primeira vítima da Covid-19 no Brasil tenha sido uma mulher, trabalhadora, empregada doméstica, que teve a doença transmitida por sua patroa, após esta voltar de viagem à Europa e negar à trabalhadora o direito ao isolamento.
Assim, a exploração das mulheres pelo capital tem crescido, com a utilização do patriarcado, rascismo e lgbtfobia para colocá-las, principalmente negras, trans e travestis, sob uma profunda precarização do trabalho, ainda que estas sejam 53% da população brasileira economicamente ativa. Não é coincidência as mulheres receberem os menores salários, lidarem com o assédio sexual e moral e serem as primeiras a ser demitidas.
Dentro da atual crise sanitária e econômica, por exemplo, as mulheres são 53,4% dos desempregados do país, que segundo o IBGE somam 15% da população economicamente ativa. Entre os trabalhadores que estão em empregos formais, menos de 43% são mulheres e, destas, apenas 20,4% são negras; já no trabalho informal, o índice feminino cresce para 49% e a diferença entre mulheres brancas e mulheres negras na informalidade é de mais de 12,1%.
O abismo salarial também cresce em épocas de crise: de acordo com pesquisa realizada em fevereiro pelo Catho, site brasileiro de classificados, as mulheres ganham 34% menos que os homens; dados do IBGE provam que essa situação se agrava para mulheres negras, as quais, em 2020, tiveram rendimento médio de R$ 10,95 contra R$ 18,15 das não negras. Além disso as mulheres mães também enfrentam dificuldades específicas: em 2018 já tinham 26% menos chances de conseguir emprego e, na pandemia, foram as primeiras a serem demitidas, além de terem maior dificuldade de se manterem trabalhando, seja presencialmente ou no trabalho remoto, devido a necessidade de cuidar das crianças que não estão indo à escola; as mulheres grávidas, com 22 vezes mais chances de morrer por covid-19, também enfrentam grandes dificuldades para se manter trabalhando e as mães solo, que somam mais de 11 milhões no Brasil, não recebem nenhum tipo de apoio social ou político para lidarem sozinhas com emprego, criação dos filhos e cuidados com a casa.
A pesquisa “Sem parar: o trabalho e vida das mulheres na pandemia”, que entrevistou diversas mulheres em 2020, mostra que 40% afirmaram que a pandemia e a situação de isolamento social colocaram o sustento da casa em risco, sendo que 55% das entrevistadas que têm essa percepção são mulheres negras. Isso ajuda a entender porque mais da metade das famílias brasileiras passam por insegurança alimentar atualmente e porque a maioria das crianças com menos de 5 anos vivam em lares que não podem oferecer todas as refeições do dia. Se mais da metade das famílias são chefiadas por mulheres, mas elas também são as mais atingidas pela crise, como esperar que a população tenha acesso ao básico para sobrevivência?
Mesmo em momentos onde a crise não é tão profunda como a atual, a vida e os direitos das mulheres não estão garantidos: são preteridas no mercado de trabalho, em especial se forem mães ou estiverem grávidas, sofrem com o julgamento de se fenótipo se forem negras e não conseguem acesso à educação ou trabalho formal se forem transexuais (cerca de 70% da população trans não concluiu o ensino médio, apenas 0,02% concluiu o ensino superior e 90% recorrem à prostituição para se sustentar).
Por isso o movimento feminista marxista questiona: até que ponto é possível garantir os direitos das mulheres dentro do sistema capitalista, que as explora em tempos de crescimento econômico e ainda joga sobre suas costas as crises criadas pelos ricos? A luta de classes tem relação inerente com as questões de gênero e raça e é urgente a compreensão de que os ideais reformistas não são eficientes para cortarem os problemas sociais pela raiz. Apenas a luta revolucionária é capaz de derrubar o capitalismo, conquistar a emancipação das mulheres trabalhadoras, derrotar as desigualdades de gênero e raça e erradicar a fome e a miséria.