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domingo, 24 de novembro de 2024

A lei de cotas para PCDs e a produção do corpo

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Mona Rikumbi é dançarina, atriz, mulher negra e luta pelos direitos de pessoas com deficiência.

Lúcio Apoema, autista e TDAH.

A Lei de Cotas para Pessoas com Deficiência, criada em 1991, estabelece a obrigatoriedade de empregar PcDs para empresas que possuem 100 ou mais funcionários. Além disso, este grupo social possui direito a cotas nas universidades públicas. Contudo, a maior parte dos empresários só segue a lei ao serem fiscalizados; e, seja no trabalho, seja na faculdade, encontramos dificuldades para continuar por conta da falta de mobilidade e inclusão. Para entender o porquê de tudo isso, é necessário nos questionarmos: qual o critério para marcar um corpo como deficiente? Será algo puramente biológico ou tem características sociais? De quem são esses corpos?

Modelo Social x Modelo Médico

Ser míope, utilizar a mão esquerda para escrita, ter astigmatismo: tudo isso já foi caracterizado como uma deficiência. Atualmente, nem as lesões nos olhos (no caso de miopia ou astigmatismo), nem ser canhoto são consideradas como tal. Percebe-se, assim, que tal caracterização se transforma no decorrer das épocas. Então, será mesmo que o fato de alguém ter perda auditiva profunda o transforma em um individuo com deficiência auditiva? O modelo social responde: não. Tal modelo define o binarismo corpo capaz x corpo incapaz; essa divisão é social pelo fato da sociedade não enxergar essa comunidade como capaz de trabalhar, estudar, ser independente, estereotipando-a como repleta de coitados. E essa divisão se aprofunda no capitalismo, pois este cria um sujeito universal, um corpo ideal.

E essa não é a única diferença entre o modelo médico e o modelo social. Uma outra é o fato do primeiro pautar como deficiente apenas aquele que nasceu cego, surdo. O segundo diz que pouco importa a causa da deficiência, quando foi adquirida, e sim se ela traz exclusão a aquele sujeito. E isso nos mostra um retrato: boa parte das pessoas com deficiência, adquiriram aquela lesão por conta de acidentes de trabalho, violência urbana ou de gênero, como é o caso de Maria da Penha. Ou seja: é proveitoso para o modelo médico criar a divisão entre pessoas com mobilidade reduzida (inclusive em casos que tal “mobilidade reduzida” não tenha como ser revertida) e pessoas com deficiência para, justamente, pôr a culpa da exclusão social na deficiência, colocando-a como fruto de má sorte.

Chegamos a uma outra divisão entre esses modelos, devendo ser destacada por nós, comunistas revolucionários. E, culpando o individuo pela sua própria exclusão social, você só dá apenas duas saídas a ele: a cura ou, no mínimo, a busca de viver como PsD. Um exemplo é o caso da histórica criminalização da LIBRAS, imposta por professores ouvintes de pessoas surdas, para que ocorresse a oralização das mesmas. A língua de sinais, segundo esses “profissionais”, impedia as pessoas surdas de aprenderem a oralizar. E foi justamente isso que fez com que ocorresse a organização política dessas pessoas: para poderem se comunicar com sua própria língua. Já o modelo social, pauta que a exclusão social é por conta da sociedade e deve buscar ser resolvida pela mesma, através da aceitação da diversidade. Não que o tratamento médico não seja necessário, mas a prioridade deve ser a ação política.

É necessário ter atenção também que o termo “pessoa com deficiência” se utiliza para a não limitação do ser como deficiente, mas para a percepção de que este é, sobretudo, um ser humano. Porém, tal realidade não deve ser abrangida a todo o grupo, pois nem sempre é possível separar a deficiência e o ser: em alguns casos, ela está ali junto até mesmo da construção da personalidade, em deficiências neurológicas, como o autismo e o TDAH.

Por fim, nós comunistas revolucionários, devemos incluir em nossa agenda anticapitalista e antifascista, o anticapacitismo. E tal anticapacitismo perpassa pelo conhecimento e defesa do modelo social de deficiência, pois é este, de fato, materialista.

A Lei de Cotas

O perfil social da pessoa com deficiência é, em sua maioria, uma mulher negra, idosa e das regiões Norte/Nordeste do Brasil. Portanto, além do capacitismo, há o racismo, machismo e o etarismo. Segundo este panorama geral, temos, segundo o IBGE, 45 milhões de pessoas com deficiência no Brasil, e somente 486 mil delas estavam no mercado de trabalho (de acordo com o RAIS – Relatório Anual de Informações Sociais). Sendo que 50% da parcela de PcDs são idosos, ainda assim, o número de deficientes empregados é bastante pequeno. Quanto ao cumprimento da lei, apenas 53% das empresas o fazem, e os cargos ofertados são o de recepcionista, embalador, cargos considerados de “menor importância”.

Uma outra problemática que acentua tal quadro é o fato de 70% das pessoas com deficiência não terem concluído o Ensino Fundamental, e apenas 5% terem terminado o Ensino Superior. Contudo, mesmo em cargos onde nós PcDs possuímos o suficiente exigido na vaga, caso haja uma pessoa sem deficiência competindo, ainda que possua menor experiência e/ou nível educacional, o emprego será dela.

Durante a pandemia, fomos um dos grupos que mais se infectou com o coronavírus, e tivemos nossos serviços de assistência médica, social e psicológica paralisados. Segundo o CAGED, 23 mil pessoas com deficiência perderam o emprego desde 2021, não tendo nenhum mês de saldo positivo. Isso nos demonstra que nas crises econômicas, assim como os negros, indígenas e mulheres são os primeiros afetados, pessoas com deficiência também. Além disso, aquelas pessoas que permaneceram em seus cargos, relataram muitas vezes não serem vistos como parte da equipe em reuniões que não se esforçarem para os incluírem, através do uso de intérprete de libras, da descrição de imagens, etc.

Debate na Totalidade: raça, gênero e classe

Concluo afirmando que é necessário debatermos numa esfera de múltipla intersecção: raça, gênero, classe e capacitismo. Como trouxe no inicio, um dos motivos para a lesão corporal é a violência doméstica. Mulheres com deficiência tem 3 vezes mais chances de sofrerem agressões do que as sem, e sofrem mais estupros coletivos. A polícia não está preparada para lidar com surdos, autistas, deficientes intelectuais negros – a deficiência acaba por potencializar esse status de marginalizado, suspeito. Por fim, não é só a necessidade de discussão, mas também de acabarmos com tais estruturas: e isso só acontece através da organização política revolucionária.

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