A demissão da médica Cristina, única médica negra da Atenção Primária em Saúde (APS) do município, na Semana da Consciência Negra, em uma comunidade marcada por um passado escravagista, escancara a incompatibilidade entre os interesses de classes antagônicas.
Ravel Winter e Pétala Cormann, Búzios – RJ
TRABALHADOR UNIDO – Na primeira quinzena do mês de novembro, mês da consciência negra, a comunidade do bairro Rasa em Armação dos Búzios, Rio de Janeiro, foi surpreendida com a notícia do fim contrato do programa de residência médica da família pela universidade do estado do Rio de Janeiro (PRMFC UERJ) no posto de saúde Olavo da Costa, e com a demissão de Cristina.
A demissão foi realizada sem aviso prévio, do posto que abrange o território dos bairros Vila verde e Cruzeiro, situados na região periférica do município. Cristina era a única médica negra da Atenção Primária em Saúde (APS) do município.
Em uma comunidade marcada por um passado escravagista, fatos como esse escancaram a incompatibilidade entre os interesses de classes antagônicas.
De um lado a classe rica que comanda a política local e tem acesso a serviços privados, e de outro o povo pobre, em sua maioria negros e trabalhadores, que sofrerão com a perda de um atendimento humanizado.
A exemplo de Dona Uia e Dona Rosa Geralda, quilombolas da região, que dedicaram suas vidas à luta pelo direito à terra e condições de vida dignas para a população pobre, o trabalho e a organização dos médicos da família representam aqueles que são essencialmente humanos e não colocam o lucro acima da vida.
Profissionais do atendimento primário à saúde são atacados
O município de Armação de Búzios foi pioneiro em aderir ao projeto de interiorização da Residência de Medicina e Família na Comunidade no ano de 2020, atuando durante a pandemia de Covid 19 e contribuindo para a qualificação da assistência e cuidado em saúde para a Clínica da Família Olavo da Costa, tornando-se referência para a população atendida pela Unidade.
O formato de acesso com acolhimento humanizado organizado pelos médicos residentes, preceptores e supervisora da Residência UERJ naquela unidade de saúde foi reconhecido pelo Conselho Regional de Medicina do RJ com a premiação no segundo lugar do prêmio Ricardo Cruz em 2021.
Ao longo do seu desenvolvimento, foram implementadas pesquisas dentro da própria comunidade, por meio de ferramentas de coleta de dados, sendo possível constatar que a maioria dos moradores estavam satisfeitos com os serviços prestados pela PRMFC UERJ.
Como o projeto ocorria em parceria com a Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro e a UERJ, que custeava mais da metade do salário ofertado aos médicos e formava profissionais de excelência, o custo era menor aos cofres da cidade. Por isso, fica a pergunta: A quem interessa esta decisão? Em quais critérios foram baseados na escolha da não continuação do programa?
As consequências para o território serão imediatas: diminuição do acesso, longas filas de espera, aumento do número de encaminhamentos e exames, diminuição do tempo de consulta, queda da qualidade dos serviços prestados na unidade por médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, recepcionistas e faxineiros – todos tidos como essenciais na administração local em diversos aspectos.
No fim, mais uma vez, a população é quem paga o preço de decisões arbitrárias tomadas hierarquicamente pelo Sr. Secretário de saúde Leônidas Heringer, longe da consulta popular, ao lado de uma elite que não nos representa e que não leva em consideração, e não se importa em levar, os reais anseios do povo.