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sábado, 23 de novembro de 2024

Lei Geral da Copa é ofensa à Nação

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Para Romário, "a Fifa poderia ganhar um pouco menos para que o brasileiro possa participar", pois se a FIFA conseguir barra a meia-entrada "essa não vai ser a Copa do povo brasileiro."Nas últimas semanas, ganhou destaque nos principais meios de comunicação do país o debate no Congresso Nacional em torno da Lei Geral da Copa, um conjunto de exigências impostas pela Fifa para a realização do Mundial de 2014 e que, uma vez aprovada, limitará a soberania e a autonomia nacional durante as semanas da competição, anulando uma série de leis existentes no país.

Defensor ferrenho da aprovação da Lei e dos acordos com a corrupta Fifa, o ministro dos Esportes, Aldo Rebelo (PCdoB), ameniza a questão afirmando que “a Lei Geral da Copa configura compromissos, obrigações que o Brasil assumiu, como todos os outros países. Ao longo de todas as Copas, os países assumem esse compromisso. Na Lei Geral não há propriamente polêmica em torno do conteúdo. A não ser uma interpretação sobre o significado da suspensão de um artigo do Estatuto do Torcedor para a permissão de venda de bebida alcoólica dentro dos estádios”. E completa: “O problema durante a Copa é encontrar uma solução que cumpra o compromisso que (o Brasil) assinou e precisa cumprir. Para que o Brasil continue respeitado como país sério e cumpridor dos compromissos, sejam comerciais, diplomáticos ou de qualquer outro tipo”.

A questão, entretanto, ministro, é bem mais grave do que simplesmente a liberação ou não de bebidas alcoólicas nos estádios onde ocorrerão os jogos. Trata-se aqui de uma questão de garantia de direitos e de soberania nacional.

De fato, aprovada a Lei da Copa, um verdadeiro Estado de exceção será imposto ao país: o comércio não oficial de produtos nos arredores dos estádios e nas vias de acesso a eles será proibido, bares ou restaurantes estarão cometendo um crime se mostrarem em telões para seus clientes jogos da Copa do Mundo, a Fifa não pagará nenhum centavo ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) para registrar suas marcas, e a meia-entrada para estudantes foi abolida, entre outras coisas. A Fifa também terá a prerrogativa de decidir quem entra no Brasil, uma vez que bastará ter ingresso ou credencial para adentrar livremente no país. Na prática, a lei defendida pelo ministro pretende alugar o Brasil para a Fifa durante as semanas da Copa.

Romário: “Fifa mandará mais que Dilma”

Para Romário, ex-jogador da Seleção brasileira e atual deputado federal pelo PSB do Rio de Janeiro, além de vice-presidente da Comissão de Turismo e Desporto da Câmara, é necessário que o Governo brasileiro se imponha diante das exigências da Fifa. “Se não colocar a Fifa no seu determinado lugar, daqui a pouco, ela estará mandando mais que a nossa presidente, e a Copa vai ser do jeito que a Fifa quer, e não como a gente tem que fazer”, afirmou.

O baixinho vai além e defende que a Fifa tem que fazer uma Copa no Brasil para todas as classes e, não só para os ricos. “A conta feita pela Fifa é que, com a lei da meia-entrada, eles perderiam R$ 180 milhões, ou deixariam de ganhar. Nós não temos que pagar isso. A Fifa poderia ganhar um pouco menos para que o brasileiro possa participar. Não vai ser a Copa do povo brasileiro. Na minha concepção, teria que ser uma Copa para as classes A, B, C, D e E. A e B não terão problemas, mas as demais classes terão problemas porque o ingresso vai custar no mínimo R$ 150”, disse.

AI-5 da Copa

Entretanto, enquanto as atenções estão voltadas para a Lei Geral da Copa, os senadores Marcelo Crivella (PRB-RJ), Ana Amélia (PP-RS) e Walter Pinheiro (PT-BA) apresentaram outro Projeto de Lei no Senado, que já está sendo chamado de “AI-5 da Copa”, uma vez que pretende reeditar medidas típicas da Ditadura Militar, como proibir greves durante o período dos jogos e incluir o ‘terrorismo’ na relação de crimes com punições duras e penas altas para quem ‘provocar terror ou pânico generalizado’”.

O Projeto 728/2011 ainda aguarda voto do relator Álvaro Dias (PSDB-PR) na Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado, mas, se for aprovado, vai criar oito novos tipos penais que não constam no Código Penal brasileiro, tais como “terrorismo”, “violação de sistema de informática” e “revenda ilegal de ingressos”, determinando penas específicas para eles.

O projeto prevê ainda que, quem “cometer crimes contra a integridade da delegação, árbitros, voluntários ou autoridades públicas esportivas com o fim de intimidar ou influenciar o resultado da partida de futebol, poderá pegar entre dois e cinco anos de prisão”. Para quem “violar, bloquear ou dificultar o acesso a páginas da internet, sistema de informática ou banco de dados utilizado pela organização dos eventos”, a pena seria de um a quatro anos de prisão, além de multa. E para deixar a aplicação das penas ainda mais eficaz, o projeto prevê a instauração de um “incidente de celeridade processual” (art. 15), quer dizer, um regime de urgência em que a comunicação do crime poderia se dar por mensagem eletrônica ou ligação telefônica, funcionando também nos finais de semana e feriados.

Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB de São Paulo, Martim Sampaio, o projeto é um “atentado contra o Estado Democrático de Direito”. “É um projeto de lei absurdo que quer sobrepor os interesses de mercado à soberania popular. Uma lei para proteger a Fifa e não os cidadãos e que, além de tudo, abre precedentes para injustiças por suas definições vagas”, completa. Segundo Sampaio, o conceito de “terrorismo” presente no projeto de lei, e que até hoje não existe no nosso Código penal, chama atenção. Na proposta, terrorismo é definido como “o ato de provocar terror ou pânico generalizado mediante ofensa à integridade física ou privação da liberdade de pessoa, por motivo ideológico, religioso, político ou de preconceito racial, étnico ou xenófobo” e terá pena de 15 a 30 anos de prisão. “Da maneira como está na lei, qualquer manifestação, passeata, protesto, ato individual ou coletivo pode ser entendido como terrorismo. Isso é um cheque em branco na mão da Fifa e do Estado”, denuncia.

O AI-5 da Copa também pretende reduzir o direito de greve dos trabalhadores de setores considerados essenciais, como a manutenção de portos e aeroportos e os serviços de hotelaria e vigilância, além dos que atualmente trabalham nas obras da Copa, de três meses antes dos eventos até o fim dos jogos. Os sindicatos que decidirem fazer uma paralisação terão de avisar com 15 dias de antecedência e manter ao menos 70% dos trabalhadores em atividade. O governo ainda estará autorizado a contratar trabalhadores substitutos para manter o atendimento, o que é proibido pela lei 7.283/1989 em vigor no país, que estabelece 72 horas de antecedência para o aviso de greve e não determina um percentual mínimo de empregados em atividade durante as paralisações.

Para Eli Alves, presidente da Comissão de Direito Trabalhista da OAB-SP, a sensação que fica é a de que “o Brasil está sendo alugado para a Fifa, flexibilizando suas próprias regras para fazer a Copa no país”, e lembra que as greves foram proibidas durante a Ditadura Militar: “A gente conquistou este direito com o fim da Ditadura, muitas vidas foram perdidas neste processo. Não é possível que agora criemos uma ditadura transitória da Fifa. O único jeito de não deixar esta lei ser aprovada é por pressão popular”, afirma.

O que é a Fifa

Fifa é a Federação Internacional de Futebol Associado, entidade fundada em 1904, com sede atual em Zurique, na Suíça, e que congrega as federações e confederações de futebol de cada país. E considerada uma das entidades mais corruptas do mundo. Há vários anos, está atolada em esquemas de corrupção, e seus dirigentes possuem dezenas de processos na Justiça de vários países. A cada dia, surgem novos escândalos que vão desde denúncias de compra de votos para a reeleição do atual presidente Joseph Blatter, passando por negociatas e favorecimentos a grandes empresas durantes os longos anos de domínio do brasileiro João Havelange, até as recentes escolhas das sedes da Copa do Mundo do Brasil (2014), Rússia (2018) e Qatar (2022). Assim, A Copa, que é o maior evento esportivo do mundo, transformou-se num meganegócio para os diretores da entidade e para as empresas patrocinadoras, todos, ao final, contabilizando enormes lucros com a construção dos estádios e da infraestrutura das cidades, a venda de pacotes turísticos, ingressos e produtos de multinacionais.

Heron Barroso, Rio de Janeiro

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