Após inundação na moradia estudantil, estudantes da Unicamp se organizam para exigir da reitoria mudanças que garantam segurança e condições dignas de estudo
Rafael de Jesus* e Laura Khaddour* | Campinas
JUVENTUDE – No dia 31 de janeiro, as fortes chuvas na região da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) no interior de SP escancararam a negligência da instituição universitária com os moradores bolsistas e com as políticas de permanência estudantil.
Durante essa tempestade, diversas árvores na dependência do espaço residencial foram atingidas por raios ou arrastadas pela chuva e caíram sobre postes elétricos causando um apagão em todas as casas por quase um dia (e mais de 24h em vários dos blocos).
Não é a primeira vez que algo semelhante acontece, a doutoranda em Química, Viviane, relata que em um período anterior seu bloco já havia ficado mais de meio mês sem energia elétrica durante o semestre de aulas, quando ainda estava grávida.
Para além do desastre natural que uma chuva pode causar, o que realmente choca a comunidade é a condição de poda irregular na região e total falta de estrutura das casas para lidar com essa chuva: muitas casas inundadas com nível de água elevado, infiltrações e goteiras por todos os lados, fiação irregular e defasada a muitos anos, passagens bloqueadas por rios de água e o desespero dos moradores ao tentar lutar contra a entrada da chuva para que não perdessem seus móveis e demais pertences.
A universidade carrega a fama de ser uma das mais inclusivas por suas diversas formas de ingresso (cotas étnico-raciais e sociais, vestibular indigena, enem-unicamp etc), porém após a entrada, os estudantes de origem periférica se chocam com o enorme descaso às condições das políticas de permanência.
Rápida reação do movimento estudantil
Ao início do drama, a solidariedade coletiva despertou a ação, os estudantes e a representação discente se mobilizaram diretamente para a moradia de uma estudante mãe que pediu socorro pelo grupo de moradores. Com crianças e uma familiar idosa em casa, via o nível da água subir sem poder fazer nada.
Sem limpeza e manutenção adequada há décadas, as saídas de água estavam completamente entupidas. Os moradores mergulharam os membros do corpo pelo bueiro para desentupir e possibilitar que o nível da água baixasse.
O diretório central dos estudantes (DCE) logo posta seu primeiro chamado a luta, denunciando o descaso da Unicamp e a situação de urgência, convoca todos os estudantes a somarem em um mutirão de ajuda humanitária organizado na noite do mesmo dia, assim como por contribuições financeiras para a compra de mantimentos para os moradores.
O movimento toma forma logo após a janta. São adquiridas centenas de velas, alimentos e produtos de limpeza. E com a presença de dezenas de estudantes convocados pelo DCE iniciam-se as brigadas solidárias de porta a porta. É verificado o nível de vazamento nas casas, se os moradores deixaram de comer por conta da água, a necessidade de velas com a queda de energia ou se necessitam de auxílio na limpeza do imovel.
Uma vez mapeada a situação, se inicia a distribuição de mantimentos e o acolhimento coletivo, que possibilitou que, mesmo na escuridão e com um sentimento de insegurança generalizado, os moradores pudessem dormir tranquilos.
A organização da luta: estudantes preparam-se para exigir mudanças
Nas primeiras horas do dia seguinte os estudantes e suas entidades se prontificaram para organizar uma luta de duas frentes, primeiro um abaixo-assinado físico que reunia as reivindicações mais imediatas dos moradores, que em pouquíssimo tempo conquistou mais de 180 assinaturas e se espalhou como fogo em palha pela moradia.
Auxiliando a edificação da segunda frente: a construção de um espaço deliberativo que apontasse para gestão e responsabilização imediata desta crise.
Com extensas passagens de casa em casa, agitações nos ônibus universitários e nas redes sociais, ao entardecer presencia-se uma grandiosa assembleia, que deliberou pela exigência da presença da reitoria nas localidades da moradia, assim como da criação de um comitê de gestão de crise tripartite (com representação da reitoria, dos funcionários da universidade e dos estudantes) que tenha como tarefa identificar as principais fragilidades e agir para impedir que desastres do dia anterior voltem a acontecer.
A demorada resposta da universidade para essa situação, aliada ao fato de que o período de chuvas ainda não acabou, faz crescer a insegurança dos estudantes e a desconfiança com a instituição.
Ficou claro que a única força em que os estudantes podem confiar é na própria organização, luta e solidariedade coletiva. O que se evidencia pela aprovação, na assembleia, da proposta de organizar um ato do lado de fora da reunião extraordinária do conselho da Moradia estudantil, órgão deliberativo da Unicamp, para debater esse acontecimento.
Os estudantes gritam “assim como nós arrombamos as portas da universidade para entrar e estudar, o faremos também para permanecer”. A cada dia fica mais difícil de negar, só a luta organizada conquista!
*estudantes e militantes da UJR