Guita Marli | Recife (PE)
HERÓINAS DA CLASSE OPERÁRIA – Eleanor Marx foi a filha mais nova de Karl Marx, que, junto com Friedrich Engels, representou um marco histórico para humanidade na forma de analisar e transformar o mundo. Tussy, como era chamada, trabalhou nas obras do seu pai, fazendo divulgações, transcrições e traduções, além de defender os pontos de vista da teoria marxista, especialmente fomentando o feminismo revolucionário.
Ela nasceu em 1855, quando estava sendo gerada a primeira organização política dos trabalhadores e trabalhadoras a nível internacional, e ninada nos debates que culminaram com o manifesto da Associação Internacional dos Trabalhadores, a Primeira Internacional.
Segundo a biógrafa de Eleanor Marx, Rachel Homes, “muitas das liberdades e dos benefícios da democracia dos britânicos foram resultados do trabalho de Eleanor: a jornada de 8 horas, a proibição do trabalho infantil, o acesso à educação igualitária e a liberdade de expressão”.
Com a dedicação de seus pais à militância política, a família Marx viveu muitas dificuldades financeiras. Dos cinco filhos gerados por Karl e Jenny, só três meninas sobreviveram. Em sua casa podia faltar de tudo, menos livros e debates políticos. Assim, foi alfabetizada em casa e apresentada à vasta literatura que alicerçou sua visão de mundo.
Bravas mulheres
Eleanor tinha como referências de mulheres em sua infância a mãe, Jenny, militante e companheira de Marx, que transcrevia as obras do marido,mas teve várias fragilidades de saúde, inclusive de saúde mental, e Lachen (Helen Demuth) que, na verdade, era quem dava sustentação organizacional à casada família Marx.
Durante a infância de Tussy, sua casa era uma verdadeira comunidade frequentada pelos maiores expoentes do movimento operário, lideranças de trabalhadores e militantes internacionalistas da luta de classes.
As irmãs de Tussy, Jenny e Laura, eram pelo menos dez anos mais velhas que ela. Sentindo o peso das dificuldades financeiras da família, buscaram caminhos de emancipação. Laura casou com um médico francês, militante da causa revolucionária, Paul Lafargue, e mudou-se para França. Em seguida, Jenny foi trabalhar às escondidas como governanta na casa de uma família abastada.
As mulheres da época tinham poucas opções para se autossustentarem. O emprego doméstico era uma delas; a outra era ser professora. O trabalho fabril estava apenas despontando para as mulheres, mas em condições de uma profunda exploração e discriminação. O capitalismo começava a levar para as fábricas as filhas das famílias pobres e sem oportunidade de educação como um reforço na engrenagem de uma nova forma de produção que deixava de ser artesanal para ser em grande escala.
Sem mulher não há revolução
Os relatos bibliográficos de Jenny e Laura Marx mostram o impacto da maternidade para essas jovens, que foram criadas com foco na libertação de classe e não no aprisionamento doméstico.
Eleanor herda de suas irmãs todo o trabalho de pesquisa e transcrição das obras de Marx, após a morte de seu pai, em 1883. Uma tarefa natural, digamos assim. A militância política de Tussy aconteceu desde muito nova. Aos 17 anos, esteve envolvida na Comuna de Paris (1871), acompanhando seu cunhado Paul Lafargue, que participou como voluntário ao lado dos communards em Bordeaux. Eleanor ajudou a coordenar o comitê de amparo aos revolucionários da Comuna.
Esta experiência lhe faz conhecer Olivier Lissagaray, um dos heróis da Comuna e autor da História da Comuna de Paris, com quem se envolve emocionalmente e traduz sua obra.
Em 1877, inaugurou sua fase lítero-teatral com a leitura de Shakespeare e passando por Ibsen, um dos criadores do teatro realista. Foi nessa fase de sua vida que desenvolve sua aptidão como tradutora e palestrante, construindo sua autonomia financeira, mas sempre com um olhar de militante socialista e feminista.
Envolvida com a nata intelectual de sua geração, escreve A Questão da Mulher do Ponto de Vista Socialista em parceria com Edward Aveling, com quem passa a conviver até os últimos dias de vida. Traduziu diversas obras literárias, entre elas Madame Bovary (Flaubert), Dama do Mar e Um Inimigo do Povo (Ibsen).
O envolvimento de Eleanor Marx com o movimento internacional socialista se avoluma a partir de então, assim como sua participação política e sindical. Na época, esses espaços eram essencialmente masculinos. Mas Tussy foi quebrando barreiras. Se envolvendo e entendendo cada vez mais a discriminação das mulheres nas fábricas e na vida, dedicava a estas especial atenção, já que dentro dos sindicatos e organizações políticas a discriminação existia não apenas no patronato, mas também entre os próprios trabalhadores, que não conseguiam olhar para as mulheres como suas companheiras de trabalho e luta.
Graças ao trabalho de Eleanor, foram surgindo vários sindicatos com enfoque na questão de gênero, tornando-a uma liderança importante nas suas lutas. Sua voz eloquente, suas palestras marcantes, sua clara visão da luta de classes superaram e ultrapassaram os limites geográficos da Inglaterra e ecoaram pelo mundo e, com certeza, estão vivos em cada mulher que se levanta e luta contra es desigualdades e injustiças.
Guardiã da obra de Marx
Em 1884, Eleanor foi eleita para a Federação Social-Democrata e foi uma das fundadoras da Liga Socialista, uma dissidência da Federação, além de participar como delegada da fundação da Segunda Internacional Socialista.
Os escritos e a teoria construída por Marx e Engels com o apoio logístico de Eleanor ainda hoje são fundamentais para as lutas dos trabalhadores e trabalhadoras em todo o mundo.
Enquanto Tussy se dedicava cada vez mais ao movimento trabalhista e político, seu companheiro, Edward Aveling, se envolvia mais com o trabalho teatral. Ambos começaram a se distanciar na vida e na ideologia. Aveling casa-se às escondidas com uma colega de trabalho, a atriz Eva Nelson, enquanto vivia às custas de Eleanor. Essa foi uma grande desilusão em sua vida. Nessa altura, já tinha perdido seus principais alicerces: o pai, a mãe, a irmã mais velha e Engels, a quem dedicou um amor de filha. A única irmã viva morava na França.
Foram dores com as quais Eleanor não conseguiu conviver. Acabou desistindo da vida, não sem antes lutar pela preservação e popularização do acervo intelectual de Marx e Engels.
O trabalho revolucionário, para ser consequente, necessita dar uma atenção especial à questão da mulher. Eleanor conviveu com as contradições de sua época, fortemente marcada pelo patriarcado e machismo, tal como hoje. Combateu, organizou e viveu na luta, sempre com perspectiva revolucionária. Seu nome está marcado na história e é adubo de novas mulheres guerreiras, que constroem dia a dia o caminho da revolução e do socialismo.
Matéria publicada na edição impressa nº 265 do jornal A Verdade