José Levino
Na edição nº 281 do jornal A Verdade, tratamos do fascismo na Itália. Nesta, vamos falar do fascismo no Brasil. Em terras italianas, expusemos que a causa foi uma reação preventiva das classes dominantes ao temor de uma revolução do tipo bolchevique, ocorrida na Rússia em 1917. No mesmo sentido, instala-se na Alemanha, provocando a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). E no Brasil, o que levou a serpente a pôr seu ovo?
Como nasceu o fascismo
A expansão do capitalismo resultou no domínio das nações ricas sobre os povos mais débeis, com o consequente desenvolvimento desigual entre as nações. No início do século XX, a etapa imperialista está delineada. O imperialismo se caracteriza pela concentração de capitais nos países centrais, consolidação dos monopólios e prevalência da exportação de capitais sobre a exportação de mercadorias. A competição das nações ricas pelo domínio do mundo é a causa das guerras. Tivemos duas guerras mundiais e uma terceira nos espreita.
Entre os admiradores do fascismo italiano, no Brasil, estava Plínio Salgado (1895-1975), jornalista, de família da elite paulista. São Paulo tinha uma verdadeira colônia italiana. Muitos operários e alguns patrões. Os primeiros eram anarquistas. Os últimos, simpatizantes do fascismo, que passam para a militância quando Mussolini lidera um golpe de Estado e assume o governo com plenos poderes em 1925. Plínio teria uma audiência com o “Duce” em 1930, da qual saiu entusiasmado e convicto de sua missão: implantar o fascismo no Brasil, a partir da ideia de grande Nação, “impondo nossa hegemonia na América do Sul”.
A Ação Integralista Brasileira (AIB) é, então, fundada por Plínio Salgado em 1932, secundado por figuras ilustres, a exemplo do historiador Gustavo Barroso e do jurista Miguel Reale. A AIB foi o maior movimento fascista, fora da Europa, chegando a ter um milhão de filiados. A valorização do Brasil (Movimento Verde-Amarelo), defesa de uma Nação forte, de alma cabocla, o conservadorismo moral e religioso, representado pela tríade “Deus, Pátria e Família”.
O Fascismo recebeu o nome de Integralismo, no Brasil. O termo integralismo tem sua fonte numa corrente conservadora da Igreja Católica, que defendia a integração da fé a todos os aspectos da sociedade. Esse pensamento atraiu personalidades, algumas das quais se arrependeriam, passando para o campo de esquerda popular, a exemplo do padre Helder Câmara; professor San Tiago Dantas, chanceler e Ministro da Fazenda no governo de João Goulart; o poeta Vinícius de Moraes.
A década de 1920 foi um período de ebulição. O ano de 1922, um marco histórico. Na Itália, 30 mil fascistas ocuparam Roma, e Mussolini assumiu o cargo de primeiro-ministro, de onde prepararia o golpe de Estado implantando o regime totalitário. No Brasil, em março, era fundado o Partido Comunista (PCB), que sucederia o anarquismo na liderança do movimento operário. Militares, representando os setores médios da sociedade, rebelaram-se no Forte de Copacabana, reivindicando democracia e justiça social.
O chamado Movimento Tenentista desaguou na Coluna Prestes (1924-1927), que levou a chama da liberdade a todo o país, e seu líder, Luiz Carlos Prestes, eternizou-se como o “Cavaleiro da Esperança”. A Semana de Arte Moderna repercutiu a luta de classes no meio intelectual. De um lado, simpatizantes da causa do povo brasileiro e do comunismo (Oswald de Andrade, Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral), de outro, expoentes do fascismo (Menotti del Pichia e Cassiano Ricardo). Politicamente, a esquerda, liderada por Oswald, lança o Movimento Verde-Amarelo, visando ao Brasil se apresentar no Mundo com cara própria, a poesia pau-brasil em vez da poesia erudita. O Manifesto Antropofágico, linguagem difícil. Revolucionário, mas, o povo não entendia. Os fascistas o classificam de “nacionalismo afrancesado” e lançam um movimento verde-amarelo para dentro, com “alma cabocla”. Cassiano Ricardo: “Oswald descobriu o Brasil na Europa. Queríamos descobrir o Brasil no Brasil mesmo”.
A crise do capitalismo em 1930
A grande crise mundial do capitalismo (1929) repercute no mundo inteiro. No Brasil, enfraquece o poder dos latifundiários. Setores da burguesia industrial não associada se unem aos setores médios para abrir espaço no poder político. Luiz Carlos Prestes, que comandara a Coluna e estava exilado na Bolívia, foi procurado por velhos companheiros para liderar o movimento burguês. Não aceitou, pois já aderira ao marxismo-leninismo, ingressando no PCB.
A tarefa coube então ao advogado e político gaúcho Getúlio Dornelles Vargas. Tentam o poder por meio de eleição, lançando Getúlio Vargas à Presidência da República, contra Júlio Prestes, dos fazendeiros. Perderam. Decidiram tomar o poder pela força das armas. Em outubro de 1930, derrubam Washington Luís, e Vargas assume seu lugar. É a “Revolução de 30”. Os fazendeiros, que sempre mandaram sozinhos, tiveram de repartir o poder com a burguesia emergente. As classes trabalhadoras da cidade e do campo não tomaram nesta luta. Os latifundiários não foram alijados do poder; houve uma recomposição de forças, tanto que não se mexeu na estrutura agrária e sequer os direitos trabalhistas foram estendidos aos trabalhadores rurais.
Nem os comunistas nem os fascistas tiveram qualquer influência na “Revolução de 30”. O PCB classificou de “briga de branco”. Os fascistas assistiram animados e criaram seu partido, a Associação Integralista Brasileira, em 1932. Na verdade, um movimento de massas. Tentaram trazer Getúlio e os getulistas para seu lado, mas não conseguiram. Exceto adesões individuais, a exemplo de Góis Monteiro, ministro da Guerra. O PCB também criou seu movimento de massas, a Aliança Nacional Libertadora (ANL), que chegou a reunir um milhão de pessoas, rivalizando com o fascismo. A ANL era uma frente popular anti-imperialista e antifascista. Seu lema, “Pão, Terra e Liberdade”. Lançou a bandeira da reforma agrária e da ruptura com o capital estrangeiro.
A estratégia varguista era integrar o Brasil ao capitalismo de forma soberana, como parceiro regional, e não mero apêndice. Não contaria, para isso, com a grande burguesia emergente, que já nascera dependente e associada ao capital estrangeiro, assim como ao latifúndio; precisaria de investimento estatal e de trabalhadores satisfeitos. Para esse fim, o governo varguista torna constitucionais os direitos trabalhistas, legaliza os sindicatos, que passam a ser controlados pelo Ministério do Trabalho, e proíbe as greves.
O projeto de Vargas precisava da unidade nacional. Não admitia oposição à esquerda nem à direita. Com seu crescimento vertiginoso e representando uma ameaça real, o governo proíbe o funcionamento da ANL e determina o fechamento de seus escritórios em abril de 1935. Em resposta, o PCB promove um levante militar, que é derrotado. Getúlio avoca poderes absolutos e prepara um golpe de Estado.
Vargas anuncia o fechamento do regime em 1937, decretando o Estado Novo, no qual estavam proibidos todos os partidos, organizações políticas e movimentos sociais, inclusive a Ação Integralista Brasileira. A AIB promove uma tentativa de tomada do poder pelas Armas, em 1938, mas é derrotada e tem seus principais líderes presos ou exilados.
A luta antifascista no século 21
Foi o fim do fascismo enquanto movimento, mas não enquanto ideologia. Seus lemas ressurgem na mobilização anticomunista contra as reformas de base do governo de João Goulart: “Marcha da Família com Deus, pela Liberdade”, e em organizações como Tradição, Família e Propriedade (TFP). Líderes fascistas da década de 1930 tiveram participação ativa no golpe militar de 1964. O general Olímpio Mourão Filho, por exemplo, teve papel relevante ao deslocar tropas do Exército de Belo Horizonte para o Rio de Janeiro no dia 31 de março. Plínio Salgado era deputado federal em 1964 e deu total apoio ao golpe. Miguel Seabra Fagundes, jurista, foi redator da Constituição ditatorial de 1967.
As ideias e práticas de cunho fascista voltaram a ameaçar fortemente o país com o sucesso do “bolsonarismo”, incluindo o uso da religiosidade popular com lemas do tipo “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. A apertada vitória eleitoral de Lula nas eleições presidenciais de 2022 levou alguns a afirmar: derrotamos o fascismo. Nada mais ilusório. O capitalismo, em sua fase imperialista, que não tem retorno, não pode prescindir do fascismo. É inerente ao seu domínio. Por não fazerem a análise dialética da história, como ensinou Karl Marx e Friedrich Engels, é que algumas pessoas se surpreendem com Donald Trump ganhando eleições nos Estados Unidos, Bolsonaro no Brasil e Javier Milei na Argentina.
Acreditar meramente nas eleições ou nas instituições burguesas, como o STF, para derrotar o fascismo é “gostar de se enganar”. O Estado nunca foi um instrumento neutro. Ele serve aos interesses das classes dominantes e age deste ou daquele modo de acordo com o grau de desenvolvimento da luta de classes, a chamada correlação de forças. As instituições que hoje surgem como defensoras da democracia se tornam fascistas ao sabor dessa correlação. Basta que seus interesses sejam ameaçados.
É preciso um permanente trabalho de base entre os operários, as periferias, os camponeses, as comunidades indígenas e quilombolas para, a partir do seu nível, desenvolver a consciência e a organização enquanto classe, abrangendo a todos os gêneros e idades, respeitando as especificidades, mas não as isolando. Criando Poder Popular, de forma independente e autônoma.
(José Levino é historiador)
Fonte de Consulta: Fascismo à Brasileira – Doria, Pedro – São Paulo – Planeta -2020.
Matéria publicada na edição nº 286 do Jornal A Verdade