Conceitos como organização, reconhecimento de direitos e luta social se apresentam em “Da Colina Kokuriko”, trazendo à tona questões fundamentais para nossa realidade e reforçando a ideia de que apenas por meio da luta organizada é possível promover mudanças significativas em nossas vidas e na sociedade como um todo.
João Pedro Souza | Redação – PE
CULTURA – Situado no início da década de 1960, período em que o Japão se reerguia após a segunda guerra e um período de domínio de ideias fascistas, e se preparava para sediar as Olimpíadas. O filme “Da Colina Kokuriko” que traduzido significa: “A Colina das Papoulas” pode ser considerado um dos filmes mais notáveis já produzidos pelo Studio Ghibli até hoje, representando também o ápice da carreira do jovem diretor Gorō Miyazaki. Atualmente, o filme está disponível na plataforma da Netflix.
Lançado em 2011, o filme de animação conta a história de Umi Matsuzaki (Nagasawa), uma jovem estudante do ensino médio que assume a responsabilidade de cuidar dos irmãos e de sua avó, administrando uma pousada na cidade de Yokohama. Nessa época sua mãe foi para os Estados Unidos concluir os estudos universitários e se tornar uma professora universitária. Já o seu pai foi morto através de uma emboscada em um navio em que ele estava durante a guerra travada contra a Coreia. A garota Umi, em memória de seu pai, todas as manhãs, hasteia as bandeiras marítimas “U” e “W” que juntas significam “esperança de uma navegação segura” em frente à sua casa. A casa está localizada em uma colina com vista para o porto e toda a costa e as bandeiras são visíveis para todos os navios que se aproximam do continente.
O outro protagonista do filme é Shun Kazama (Okada), um jovem estudante do ensino médio que se junta a um grupo liderado por vários meninos da escola do prédio do Quartier Latin (um dos edifícios mais famosos e históricos da cidade) que proporciona aprendizagem, confecção do jornal da escola e desenvolve um clube de cultura. Além disso, Shun é uma pessoa de caráter forte e embora não conhecesse seus pais biológicos, foi acolhido e educado por seus pais adotivos. Shun atua como um dos diretores do jornal da escola e busca servir como exemplo para que os jovens lutem pelos seus direitos e se organizem coletivamente, não desistindo de seus sonhos e objetivos.
A organização em defesa do prédio Quartier Latin
A trama se desenrola na cidade de Yokohama em 1963, enquanto o país se prepara para sediar as Olimpíadas de 1964, sendo a demolição do edifício do Quartier Latin um fato importante para avançar na construção de novos espaços para as Olimpíadas que estão por vir. Nesse tempo, o presidente da escola em parceria com o governo japonês, tinha como objetivo a demolição do prédio histórico o mais rápido possível sem nenhuma consulta com a população local e nem com os jovens que frequentavam aquele espaço.
O jovem Shun já estava preocupado com os rumos que o histórico prédio Quartier Latin iria tomar e planejava maneiras de resistir à demolição. Durante esse período, Shun descobriu que Umi hasteava a bandeira diariamente em sua pousada em homenagem ao seu pai e escreveu uma carta para ela. Deve-se notar que os jovens Umi e Shun frequentavam a mesma escola, mas não se conheciam. Umi ficou sabendo da carta e foi ao encontro de Shun para conhecer o trabalho de organização e resistência realizado no Quartier Latin. Foi assim que Umi conheceu Shun, o desenvolvimento do jornal da escola e os dois acabaram se apaixonando durante o processo de organização dos estudantes.
É importante destacar que no prédio Quarter Latin, retratado no filme, predominava uma presença masculina, evidenciada pela sua característica de ser um clube frequentado majoritariamente por rapazes. Embora não explicitado de forma direta na narrativa cinematográfica, a preservação do edifício se tornou uma batalha liderada pelos rapazes, até que Umi, sugere para Shun uma ação de reorganização e limpeza do espaço e as moças são convocadas para auxiliar nesse trabalho. É nesse momento que Umi assume a liderança dessa tarefa, sendo destacada para mobilizar outras jovens que se unem à causa, tomando a iniciativa e engajando-se junto aos rapazes na luta em defesa do prédio.
Da Colina Kokuriko demonstra que só a luta coletiva é que muda a realidade
Durante a mobilização estudantil, foram realizadas inúmeras manifestações com o objetivo de envolver cada vez mais estudantes da escola na defesa do edifício e na oposição à sua demolição. Shun e Umi foram fundamentais na organização desta tarefa, e todos que entenderam o chamado participaram ativamente, acreditando fortemente na causa que defendiam.
A capacidade de organização social assim como seu engajamento na construção coletiva é expresso nas passeatas e mobilizações dos estudantes da escola. A organização dos estudantes em defesa do prédio traz vitórias significativas para a classe estudantil, mantendo o local do prédio e impondo uma derrota visível ao presidente da escola, assim como ao governo japonês e aos interesses financeiros externos que estavam por trás da demolição.
Evidentemente que durante o filme os jovens secundaristas Umi e Shun enfrentam dificuldades particulares, no entanto, eles se esforçam para manter a organização, buscando os interesses coletivos sem esquecer de suas responsabilidades acadêmicas. Umi, por exemplo, mantém notas exemplares enquanto cuida de seus irmãos e avó e ajuda a administrar uma pensão – uma situação com a qual mulheres estudantes brasileiras podem se identificar: estudar e trabalhar ao mesmo tempo, além de cuidar de familiares.
Mesmo sem a presença dos pais biológicos, Shun conseguiu encontrar força e disciplina para lutar pelos direitos coletivos, continuar aprendendo e enfrentando diversas dificuldades na narrativa cinematográfica. Mesmo assim, isso fez dele uma das maiores referências da escola na defesa do prédio Quartier Latin, no qual contribuiu para a vitória coletiva na preservação do edifício.
Conceitos como organização, reconhecimento de direitos e luta social se apresentam em “Da Colina Kokuriko”, trazendo à tona questões fundamentais para nossa realidade e reforçando a ideia de que apenas por meio da luta organizada é possível promover mudanças significativas em nossas vidas e na sociedade como um todo. Assim, o enredo do filme nos proporciona reflexões sobre a importância da organização e da luta dos estudantes por seus direitos, apesar das dificuldades impostas por uma sociedade cada vez mais individualista e liberal, que a todo momento nos faz acreditar que estamos “perdendo tempo” ao se dedicar em lutas coletivas para nossa emancipação, o que é um grande equívoco quando confrontado com a realidade.