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quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Justiça por Lichita, menina sequestrada pelo Estado do Paraguai

Lichita Villalba, filha de dirigentes da resistência camponesa no Paraguai, foi sequestrada por homens do Estado paraguaio em represália à luta de seus pais pela reforma agrária. Por todo o mundo, inclusive no Brasil, movimentos populares promovem abaixo-assinado pela aparição com vida de Lichita

Isis Mustafá* | São Paulo


Veias Abertas (Mercedes Sosa)

E quando vier os dias

Que nós esperamos

Com todas as melodias

Faremos um só canto

O céu será celeste

Os ventos mudarão

E nascerá um novo tempo

Latino-americano

Em 02 de setembro de 2020, o Estado do Paraguai cometeu mais um crime bárbaro contra o povo e segue impune até os dias atuais: um destacamento de operações especiais das Forças Armadas, a Força Tarefa Conjunta (FTC), atacou um acampamento guerrilheiro do Exército do Povo Paraguaio (EPP) e torturou, assassinou e enterrou em vala comum María Carmen Villalba e Lilian Mariana Villalba, duas crianças argentinas de 11 anos. No dia 30 de novembro, em um novo ataque à família Villalba, foi presa Laura, mãe de uma das meninas. Duas primas adolescentes, Tamara, 14 anos, e Tania, 19 anos, conseguiram fugir e cruzaram a fronteira para Argentina no dia 23 de dezembro. Já Carmen Elizabeth Oviedo Villalba, “Lichita”, irmã gêmea de Tamara, foi sequestrada e está desaparecida até o momento.

Essa ação criminosa das Forças Armadas é uma retaliação pelo fato de que as crianças são parentes de líderes do Exército do Povo Paraguaio (EPP). Lichita e sua Tamara nasceram na prisão e são filhas de Carmen Villalba e Alcides Oviedo, presos políticos no Paraguai por serem dirigentes da guerrilha.

Resistência armada no campo pela reforma agrária

O Exército do Povo Paraguaio é uma guerrilha de camponeses pobres criada em 2008 para lutar pela distribuição de terras e pela realização de uma ampla reforma agrária na região Norte do país. Os departamentos de Concepción, San Pedro e Amambay correspondem a 32% do território ocidental, com aproximadamente 700 mil habitantes, profundamente marcados pela concentração de terras e cabeças de gado nas mãos de poucas centenas de estrangeiros, ao passo que a imensa maioria do povo não tem nada.

Em pronunciamento de 2016, o EPP denunciou que cerca de 60% das terras da região são controladas pelo agronegócio estrangeiro, enquanto apenas 4% atendem às demandas dos camponeses paraguaios.

A atuação do EPP remete à história dos agrupamentos de resistência camponesa ligados à Igreja Católica, que lutaram na década de 1960, durante a ditadura do presidente Alfredo Stroessner. Hoje, a guerrilha reivindica ter identidade com o marxismo-leninismo e atua com ações armadas. Além das bandeiras da reforma agrária, fim do uso de agrotóxicos e controle popular da terra, a organização exige recompensas como a distribuição de alimentos aos pobres, camponeses e indígenas.

Estado paraguaio tortura e assassina

O Paraguai viveu uma ditadura militar que durou 35 anos, com o sanguinário Stroessner. As bárbaras violações de direitos humanos foram documentadas pela Comissão da Verdade e Justiça. Ao menos 450 pessoas foram executadas, 20 mil foram presas, torturadas ou submetidas ao exílio forçado, além da vasta colaboração do Estado com a Operação Condor, que atuou como rede de repressão em todo o Cone Sul do continente. Contudo, os chamados “Arquivos do Terror”, documentos oficiais que comprovam os crimes cometidos pelo Estado paraguaio, ficaram na gaveta e não houve reparação e justiça. Os militares e empresários beneficiados pela ditadura seguem impunes. Não ironicamente, o atual presidente do Paraguai é membro do Partido Colorado, mesmo partido de Stroessner.

Não é de se estranhar, portanto, que a prática das Forças Armadas seja a mesma da ditadura. A FTC foi criada em 2013, após um golpe, com o objetivo de destruir a guerrilha, sob o argumento do combate ao terrorismo na região. Suas tropas atuam com violência, sequestros, assassinatos e torturas contra os militantes e todo o povo do campo.

Justiça pelas crianças Villalba

Após manifestações populares, o Exército foi obrigado a exumar os corpos das crianças Villalba assassinadas em 2020 e entregá-las à família. Hoje ecoa por toda a América Latina um grito por justiça: “¿Dónde está Lichita?”. O povo quer respostas sobre o sequestro de Lichita e exige que o Estado paraguaio seja responsabilizado.

Com muita solidariedade e internacionalismo proletário, nos somamos a esse grito. Organizações em defesa dos direitos humanos, partidos e movimentos sociais realizam uma ampla campanha contra os crimes do Estado paraguaio e pelo fim da exploração da terra e dos camponeses. A campanha “Um milhão por Lichita” está mobilizando um abaixo-assinado internacional pela sua vida e pretende recolher um milhão de assinaturas em diversos países e pressionar as embaixadas paraguaias. As assinaturas devem ser entregues em 30 de novembro, data que marca os quatro anos do desaparecimento de Lichita. Cada escola, bairro, universidade e posto de trabalho deve conhecer a história das crianças Villalba e fazer parte desta campanha por justiça.

*Isis Mustafá é da União da Juventude Rebelião (UJR)

Matéria publicada na edição nº 299 do jornal A Verdade

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