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quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Justiça por Lichita, menina sequestrada pelo Estado do Paraguai

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Lichita Villalba, filha de dirigentes da resistência camponesa no Paraguai, foi sequestrada por homens do Estado paraguaio em represália à luta de seus pais pela reforma agrária. Por todo o mundo, inclusive no Brasil, movimentos populares promovem abaixo-assinado pela aparição com vida de Lichita

Isis Mustafá* | São Paulo


Veias Abertas (Mercedes Sosa)

E quando vier os dias

Que nós esperamos

Com todas as melodias

Faremos um só canto

O céu será celeste

Os ventos mudarão

E nascerá um novo tempo

Latino-americano

Em 02 de setembro de 2020, o Estado do Paraguai cometeu mais um crime bárbaro contra o povo e segue impune até os dias atuais: um destacamento de operações especiais das Forças Armadas, a Força Tarefa Conjunta (FTC), atacou um acampamento guerrilheiro do Exército do Povo Paraguaio (EPP) e torturou, assassinou e enterrou em vala comum María Carmen Villalba e Lilian Mariana Villalba, duas crianças argentinas de 11 anos. No dia 30 de novembro, em um novo ataque à família Villalba, foi presa Laura, mãe de uma das meninas. Duas primas adolescentes, Tamara, 14 anos, e Tania, 19 anos, conseguiram fugir e cruzaram a fronteira para Argentina no dia 23 de dezembro. Já Carmen Elizabeth Oviedo Villalba, “Lichita”, irmã gêmea de Tamara, foi sequestrada e está desaparecida até o momento.

Essa ação criminosa das Forças Armadas é uma retaliação pelo fato de que as crianças são parentes de líderes do Exército do Povo Paraguaio (EPP). Lichita e sua Tamara nasceram na prisão e são filhas de Carmen Villalba e Alcides Oviedo, presos políticos no Paraguai por serem dirigentes da guerrilha.

Resistência armada no campo pela reforma agrária

O Exército do Povo Paraguaio é uma guerrilha de camponeses pobres criada em 2008 para lutar pela distribuição de terras e pela realização de uma ampla reforma agrária na região Norte do país. Os departamentos de Concepción, San Pedro e Amambay correspondem a 32% do território ocidental, com aproximadamente 700 mil habitantes, profundamente marcados pela concentração de terras e cabeças de gado nas mãos de poucas centenas de estrangeiros, ao passo que a imensa maioria do povo não tem nada.

Em pronunciamento de 2016, o EPP denunciou que cerca de 60% das terras da região são controladas pelo agronegócio estrangeiro, enquanto apenas 4% atendem às demandas dos camponeses paraguaios.

A atuação do EPP remete à história dos agrupamentos de resistência camponesa ligados à Igreja Católica, que lutaram na década de 1960, durante a ditadura do presidente Alfredo Stroessner. Hoje, a guerrilha reivindica ter identidade com o marxismo-leninismo e atua com ações armadas. Além das bandeiras da reforma agrária, fim do uso de agrotóxicos e controle popular da terra, a organização exige recompensas como a distribuição de alimentos aos pobres, camponeses e indígenas.

Estado paraguaio tortura e assassina

O Paraguai viveu uma ditadura militar que durou 35 anos, com o sanguinário Stroessner. As bárbaras violações de direitos humanos foram documentadas pela Comissão da Verdade e Justiça. Ao menos 450 pessoas foram executadas, 20 mil foram presas, torturadas ou submetidas ao exílio forçado, além da vasta colaboração do Estado com a Operação Condor, que atuou como rede de repressão em todo o Cone Sul do continente. Contudo, os chamados “Arquivos do Terror”, documentos oficiais que comprovam os crimes cometidos pelo Estado paraguaio, ficaram na gaveta e não houve reparação e justiça. Os militares e empresários beneficiados pela ditadura seguem impunes. Não ironicamente, o atual presidente do Paraguai é membro do Partido Colorado, mesmo partido de Stroessner.

Não é de se estranhar, portanto, que a prática das Forças Armadas seja a mesma da ditadura. A FTC foi criada em 2013, após um golpe, com o objetivo de destruir a guerrilha, sob o argumento do combate ao terrorismo na região. Suas tropas atuam com violência, sequestros, assassinatos e torturas contra os militantes e todo o povo do campo.

Justiça pelas crianças Villalba

Após manifestações populares, o Exército foi obrigado a exumar os corpos das crianças Villalba assassinadas em 2020 e entregá-las à família. Hoje ecoa por toda a América Latina um grito por justiça: “¿Dónde está Lichita?”. O povo quer respostas sobre o sequestro de Lichita e exige que o Estado paraguaio seja responsabilizado.

Com muita solidariedade e internacionalismo proletário, nos somamos a esse grito. Organizações em defesa dos direitos humanos, partidos e movimentos sociais realizam uma ampla campanha contra os crimes do Estado paraguaio e pelo fim da exploração da terra e dos camponeses. A campanha “Um milhão por Lichita” está mobilizando um abaixo-assinado internacional pela sua vida e pretende recolher um milhão de assinaturas em diversos países e pressionar as embaixadas paraguaias. As assinaturas devem ser entregues em 30 de novembro, data que marca os quatro anos do desaparecimento de Lichita. Cada escola, bairro, universidade e posto de trabalho deve conhecer a história das crianças Villalba e fazer parte desta campanha por justiça.

*Isis Mustafá é da União da Juventude Rebelião (UJR)

Matéria publicada na edição nº 299 do jornal A Verdade

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