Na quarta (12/12), Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou partes do que a imprensa burguesa vem chamando de “pacote anti-MST”. Trata-se, na verdade, de um conjunto de medidas reacionárias para endurecer a repressão aos movimentos sociais
Estefani Maciel | São Paulo (SP)
Nesta quarta-feira (12/12), a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou dois projetos de lei (PLs) do chamado “pacote anti-MST”, que vem sendo impulsionado pela bancada ruralista no Congresso Nacional com o apoio do presidente da Câmara Arthur Lira.
Um dos PLs que recebeu o aval da CCJ prevê que proprietários de terras ocupadas possam promover reintegrações de posse sem precisar de autorização judicial. O outro aumenta a pena para o crime de esbulho possessório, buscando falsamente associar a ocupação de terras e prédios abandonados promovida por movimentos sociais com o roubo de posses. Ambos os projetos ainda precisam passar pelo plenário da Câmara e pelo Senado Federal antes de entrarem em vigor.
O “pacote anti-MST”, na verdade, é um pacote de ações que busca reprimir a atuação dos movimentos sociais no país. Ele reúne quase 20 projetos que, entre outros pontos, busca classificar ocupações de terra como terrorismo, endurecendo as penas por esbulho possessório e permitindo a restituição de terras sem a necessidade de ordenamento judicial, garantindo a legalidade no uso de força própria. Além disso, também está em discussão a proibição de militantes do movimento em acessar programas de reforma agrária, crédito rural, auxílios e benefícios do governo federal e de ocupar cargos públicos, enquadrado a todos os acusados de invasão como “terroristas”.
Faltando poucas semanas para o fim do mandato de Caroline de Toni (PL-SC), atual presidente da CCJ, a votação contrária aos movimentos sociais foi apressada pelos deputados fascistas da Câmara. Em 2024, De Toni já aprovou o chamado “pacote anti-STF”, que limita os poderes da Corte, e também deve votar o PL que quer criminalizar, com pena entre dois e cinco anos de prisão, quem chamar outra pessoa de nazista. Esse último projeto é de autoria de Bia Kicis (PL-DF), deputada bolsonarista que comemorou a tentativa de golpe na Bolívia, e está sendo fortemente defendido pela bancada fascista.
A quem interessa acabar com as ocupações?
Deputados e senadores da FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária) defendem a agenda anti-ocupações como importante, principalmente em um período eleitoral, e afirmam que a pauta pode ajudar o atual presidente da frente, Pedro Lupion (PP-PR) a se manter no cargo nas próximas eleições da bancada, em fevereiro de 2025. Além da FPA, a Comissão de Agricultura, presidida pelo senador Alan Rick (União Brasil-AC), também está mobilizando suas bases para avançar com os projetos do pacote anti-MST.
Apuração do portal De Olho Nos Ruralistas revela que outros nomes conhecidos também estão envolvidos na agenda contrária aos movimentos sociais e, junto a eles, doações e financiamento de eleições realizadas por donos de fazendas, condenados por trabalho escravo e suspeitos de garimpo ilegal.
O autor do PL 895, que proíbe ocupantes de terras improdutivas de acessar direitos sociais como o Bolsa Família, é Luciano Zucco (PL-RS), ex-presidente da “CPI do MST” e beneficiário de uma doação de 10 mil reais do fazendeiro Bruno Pires Xavier, condenado por escravizar 23 trabalhadores no Mato Grosso e alvo de denúncias que resultaram no resgate de 324 trabalhadores em outras fazendas durante cinco fiscalizações do Ministério Público do Trabalho.
Já Ricardo Salles (PL-SP), ex-ministro de Jair Bolsonaro, é o relator do PL 895. Em 2018, Salles recebeu uma doação de 30 mil reais de Antonio Marcos Moraes Barros, sócio da Elamar Participações e Agropecuária Ltda, cujo 1,5 mil hectares estão sobrepostos em território Guarani Kaiowá.
O PL 709/2023 é de autoria de Marcos Pollon (PL-MS), que defende que condenados por “invasão de propriedade urbana ou rural”, além de perderem o direito de receberem benefícios e auxílios do governo, também sejam impedidos de assumirem cargos ou funções públicas. Pollon teve parte da campanha financiada por Rovilson Alves Correa, notório inimigo do povo Kadiwéu no Mato Grosso do Sul, que busca a retomada de suas terras – essas sim, invadidas por Rovilson – desde 1987.
Outro item do pacote, o PL 4183/2023, proposto por Coronel Assis, impõe que movimentos populares sejam obrigados a terem CNPJ regulamentado, como forma de rastrear seus integrantes. Assis recebeu 80 mil reais do minerador e madeireiro Edmar de Queiroz, investigado pela Polícia Federal por participar de um esquema ilegal de comercialização de ouro e por suspeita de contrabando de madeira ilegal da Amazônia.
Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, é o responsável por colocar os projetos em votação e articular a pauta com a extrema direita no Congresso. O portal De Olho nos Ruralistas divulgou um dossiê com informações sobre o despejo de camponeses em Quipapá (CE) por Lira e seu pai, a criação de gado em território Kariri-Xocó e seis fazendas ilegais de familiares de Lira nas margens do Rio São Francisco, também território Kariri-Xocó.
Pressionar, ocupar e resistir
Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), registrados ao longo do 1º semestre de 2024 pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (Cedoc), houve aumento nas ocorrências de ameaça de expulsão de terras e o número de ocorrências de pistolagem foi o segundo maior da década. Os maiores causadores dessa e de outras violências registradas – como contaminação deliberada por agrotóxicos, poluição proposital de água, trabalho escravo e assassinatos – são empresários, fazendeiros, grileiros e o próprio Governo Federal.
A mera existência de um pacote “anti-invasões” já é sinal de alerta para todos os movimentos sociais e populares que utilizam das ocupações, rurais e urbanas, como forma de denunciar o descaso do estado com políticas públicas que combatam as opressões sofridas pelos trabalhadores.
Movimentos como o Movimento de Mulheres Olga Benario, que já realizou mais de 17 ocupações em todo Brasil para resguardar a vida de mulheres vítimas de violência, estão sob risco de terem suas atividades cerceadas. O MLB (Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas) também pode ser outro alvo desse projeto. Ocupando prédios abandonados e redes de supermercado em todo o Brasil, nas jornadas contra a fome, o movimento se articula pelo direito à moradia e alimentação dignas para a população periférica.
Em declaração ao jornal A Verdade, um trabalhador da indústria que não quis ser identificado declarou: “É hora de cobrar o Governo federal, o presidente nasceu da luta dos trabalhadores e não pode nos abandonar nesse momento de luta”.