Filho de Zuzu Angel, o jovem Stuart Angel foi assassinado pela ditadura, mas os militares não admitiam tê-lo matado. Por lutar para que o regime reconhecesse sua responsabilidade pelo desaparecimento de Stuart, a estilista também foi morta e tornou-se símbolo da luta contra os crimes da repressão
Igor Barradas | Macaé (RJ)
Zuleika Angel Jones, conhecida como Zuzu Angel, foi uma estilista brasileira. Nasceu em Curvelo, no interior de Minas Gerais, no dia 05 de junho de 1921. Ainda criança, mudou-se com a família para Belo Horizonte. Logo depois, morou em Salvador, na Bahia e começou a costurar roupas junto ao seu pai. Desde pequena, fazia peças para suas primas e amigas.
Ainda em Salvador, casou- se com o estadunidense Angel Jones. Em 1946, nasceu seu primogênito, Stuart Edgar Angel Jones. Mudaram-se para o Rio de Janeiro, onde Zuzu passou a se dedicar profissionalmente à costura, abrindo seu próprio ateliê, chamado “Zuzu Saias”. Com o tempo, o trabalho de Zuzu conquistou prestígio. Em 1966, já era uma conhecida estilista, aparecia na imprensa, promovia desfiles e chegava na mídia de moda internacional.
Ditadura militar
Em abril de 1964, as Forças Armadas dão um golpe para manter os privilégios das classes dominantes e barrar mudanças a favor das camadas mais pobres da população. Neste momento, instaura-se uma ditadura militar fascista; comunistas e progressistas foram presos e torturados, entidades estudantis fechadas, greves proibidas, sindicatos sofreram intervenção.
A imprensa foi censurada, junto com as canções, filmes e peças teatrais. Artistas, cantores e atores foram presos. No meio deste regime de terror, que nada fica a dever ao regime nazista de Hitler, brasileiros e brasileiras se organizaram clandestinamente e não mediram sacrifícios pela luta por liberdade no país. Foi o caso do jovem Stuart. Ele era militante da Dissidência Estudantil do PCB da Guanabara, depois conhecido como Movimento Oito de Outubro (MR-8), que desenvolvia ações de resistência armada à ditadura.
Em 1969, Stuart Angel já havia se tornado dirigente da organização e era um alvo visado pela repressão. No dia 14 de maio de 1971, foi sequestrado e barbaramente torturado até a morte pelos agentes do Cisa (órgão de repressão da Aeronáutica), buscando que ele revelasse o paradeiro de Carlos Lamarca.
O oficial afirma que Stuart foi submetido a uma sessão de choques elétricos, afogamentos e amarrado ao para-choque de um jipe. Arrastado nessa condição por várias horas, ele morreu, o corpo foi colocado em um helicóptero e jogado no mar. Stuart não revelou nenhum segredo para seus algozes.
Denúncias de Zuzu
Stuart estava desaparecido. Zuzu, na busca incessante por seu filho, foi às prisões e quartéis do Rio de Janeiro para encontrá-lo. Ao receber uma carta de Alex Polari, militante que ficou preso com Stuart e presenciou sua tortura e seu assassinato, confirmando a morte do rapaz, seguiu buscando o corpo de seu filho.
A partir daquele momento, ela dedicaria a sua vida a buscar informações sobre o filho e ao direito de sepultá-lo, denunciando as arbitrariedades praticadas pela ditadura à imprensa e a órgãos internacionais.
Ainda em 1971, realizou um desfile-protesto no consulado brasileiro em Nova York, sede do imperialismo norte-americano que articulou o golpe junto às Forças Armadas. Suas criações levavam símbolos que denunciavam o regime fascista, com estampas representando tanques de guerra, canhões, pássaros engaiolados, meninos aprisionados, anjos amordaçados. Nesse evento, fez também um discurso em que denunciou o desaparecimento e a morte de seu filho.
De fato, a ditadura fascista reservou aos comunistas – homens e mulheres que lutam por uma revolução socialista, como Stuart Angel – as torturas mais desumanas e ainda desaparecia com seus corpos.
Morte tramada
Na madrugada do dia 14 de abril de 1976, Zuzu Angel dirigia seu carro na Estrada da Gávea, quando, na saída do túnel Dois Irmãos, em São Conrado, Rio de Janeiro, o carro derrapou, capotou e caiu fora da pista. Zuzu morreu no local. A ditadura militar armou uma farsa, alegando que o acidente ocorreu porque ela estaria alcoolizada, cochilou ao volante ou sofreu um infarto, resultando na derrapagem do carro.
Porém, antes de sua morte, temendo o pior, a estilista escreveu dezenas de bilhetes que deveriam ser publicados caso ela desaparecesse e os entregou a artistas e intelectuais, como o jornalista Zuenir Ventura, o dramaturgo Paulo Pontes e o compositor Chico Buarque. Zuzu já estava sendo ameaçada pelos militares naquele momento. Em seus bilhetes, dizia: “Se eu aparecer morta, por acidente, assalto ou qualquer outro meio, terá sido obra dos mesmos assassinos do meu amado filho”.
Em 1998, uma nova perícia foi realizada, solicitada pela Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos. A investigação concluiu que a estilista não sofreu um atentado realizado por agentes da repressão.
Em 2019, sua filha Hildegard Angel conseguiu emitir as certidões de óbito de sua mãe, Zuzu, e de seu irmão, Stuart. As causas das mortes foram atestadas como “morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro, no contexto da perseguição sistêmica e generalizada à população identificada como opositora política ao regime ditatorial de 1964 a 1985”.
Chico Buarque homenageia Zuzu Angel na letra de “Angélica”, com música de Miltinho, do MPB4: “Quem é essa mulher/ Que canta sempre esse estribilho?/ Só queria embalar meu filho/ Que mora na escuridão do mar”.
Zuzu lutou pela busca do filho, assim como pelo aparecimento de muitos outros filhos de tantas outras mães. Usou seu ofício e alcance internacional para protestar e foi assassinada por isso. A luta por memória, verdade e justiça, pela abertura dos arquivos da ditadura, mais que uma pauta sobre o passado, é um enfrentamento do presente e do futuro.
Matéria publicada na edição impressa nº 304 do jornal A Verdade