Leia resenha de “Às Portas de Moscou”, romance de Alexandr Bek publicado pelas Edições Manoel Lisboa. Pelo olhar de um regimento que protegeu a capital soviética, obra apresenta a heróica luta dos comunistas para conter a ameaça nazifascista na Segunda Guerra Mundial
Rafael Moraes | Belo Horizonte (MG)
O ano era 1941, em plena Guerra Patriótica (Segunda Guerra Mundial). O Exército nazista já havia invadido e ocupado uma parte do território da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e se chegava à cidade de Volokolamsk, a ínfimos 120 km de distância do principal centro político e administrativo do Estado soviético, literalmente, Às Portas de Moscou. É neste contexto que Alexandr Bek, na época, correspondente de guerra, apresenta sua obra a partir da narrativa do oficial Momych-Uli.
Primeiro-Tenente de nacionalidade kazak (nascido no Cazaquistão, na época umas das Repúblicas Soviéticas), Momych-Uli recebe a missão de ser Comandante de Batalhão de um regimento composto por trabalhadores e civis que foram convocados e se prontificaram para defender a URSS. Inseridos na 316ª Divisão de Caçadores, dirigida pelo General Panfilov, Momych e seu batalhão tinham uma enorme responsabilidade: eles estavam em uma das últimas linhas de defesa que protegia Moscou, ou seja, todo o legado e a sobrevivência do Estado socialista soviético.
Ao refletir sobre a participação dos combatentes soviéticos na Segunda Guerra Mundial, não se pode olhar sob a mesma ótica dos combates das forças armadas dos países capitalistas; é exatamente o inverso. Nas guerras da burguesia, os soldados, integrantes da classe explorada de um país, confrontam-se com outros soldados, também de mesma origem, num confronto que não tem nenhum sentido àquelas pessoas. Colocam suas vidas em jogo por um interesse de uma minoria, da burguesia, que assiste de longe ao massacre.
Por outro ponto de vista, temos a guerra sob a ótica dos comunistas e dos Estados Socialistas. Antes de tudo, é necessário, para precisar o debate, trazer a perspectiva de Lênin, líder da Revolução Russa de 1917:
“Os socialistas sempre condenaram as guerras entre os povos como coisa bárbara e brutal. Mas a nossa atitude em relação à guerra é fundamentalmente diferente da dos pacifistas (partidários e pregadores da paz) burgueses e dos anarquistas. […]
Nós, marxistas, distinguimo-nos tanto dos pacifistas quanto dos anarquistas pelo fato de reconhecermos a necessidade de estudar historicamente (do ponto de vista do materialismo dialético de Marx) cada guerra em particular. Na História, houve repetidamente guerras que, apesar de todos os horrores, atrocidades, calamidades e sofrimentos inevitavelmente ligados a qualquer guerra, foram progressistas, isto é, foram úteis ao desenvolvimento da humanidade, ajudando a destruir instituições particularmente nocivas e reacionárias (por exemplo, a autocracia ou a servidão), os despotismos mais bárbaros da Europa (o turco e o russo).”
A atitude dos socialistas
A guerra, como foi o caso da Guerra Patriótica, pela defesa de uma obra coletiva de uma classe, significava defender as conquistas da Revolução, e isso coloca aos combatentes um grande aspecto moral, uma disciplina e um sacrifício conscientes.
Neste raciocínio, em uma das passagens do livro, Momych-Uli, após ouvir uma palestra do Politruk (Comissário Político, oficial encarregado da educação política, moral e cultural da tropa), sobre as razões de entregarem-se integralmente às batalhas, decide fazer uma intervenção:
“Esperei que acabasse a sua palestra. Depois, fiz sinal a um dos meus soldados, mandei que levantasse e perguntei-lhe:
– Sabe você o que é a pátria?
– Sim, Comandante.
– Diga-o
– É a nossa União Soviética, nossa terra.
– Sente-se.
Dirigi-me a outro:
– Você aí, que acha que seja a pátria?
– A pátria… Bem, a pátria é o lugar onde nasci… Isto é… Não sei explicar… afinal é onde…
– Sente-se! E você?
– A pátria? É nosso governo soviético… é… tomemos por exemplo Moscou. Estamos aqui para defendê-la. Nunca lá estive… Jamais a vi, porém é a pátria…
– Então, você nunca viu sua pátria?
O soldado ficou calado.
– Que é, afinal, a pátria?
[…]
– A pátria é você. Mandam-no matar aquele que desejaria fazer-lhe a mesma coisa. Por quê? Por quem? Por você mesmo, por sua mulher, seus pais, seus filhos!
Toda a tropa me ouvia. O comissário político, Dordia, tomara lugar do meu lado, e me olhava, a cabeça ligeiramente inclinada para trás, piscava os olhos levemente.
Ao falar, eu me dirigia a ele também, e aos outros, porque desejava que compreendessem uma coisa: a cruel necessidade da guerra não está na palavra ‘morrer’, mas sim na palavra ‘matar’.”
Este trecho do livro, entre diversas questões que poderiam ser abordadas, apresenta como era profundo o significado e as tarefas de um comandante militar soviético. Além de um chefe militar, era um dirigente político, que não apenas mandava, mas deveria comandar à vitória. Todavia, é apenas um trecho, somente a leitura completa pode dar a dimensão e a beleza desta obra. Sendo assim, fica a recomendação!
Matéria publicada na edição nº 304 do jornal A Verdade