Em época de redes sociais e velocidade na comunicação, o humor tem se mostrado aqui no Brasil como um espaço político e que precisa ser observado. Aqui analisamos um pouco dessa expressão cultural e sua importância, e pela sua representação contemporânea com comediantes como Tiago Santineli.
Clóvis Maia | Redação Pernambuco
Rir dos poderosos versus o politicamente incorreto
Popularizado nos EUA na década de 60, o stand-up (Comédia em pé) se caracterizou pelo uso de pouco ou nenhum cenário e um comediante trazendo temas da atualidade para dialogar diretamente com o público, o que rompe com o formato mais sisudo e formal do teatro tradicional. As origens vem de muito longe, tendo inclusive nomes como Mark Twain (1835-1910) sendo um dos percursores dessa modalidade artística.
Calcada no teatro de revista e entretenimento (o Vaudeville), a comédia de cara limpa se popularizou chegando aqui no Brasil nos anos 60, com Chico Anysio e Jô Soares como exemplos, mas ganhando notoriedade especialmente no início da década de 2000 para cá.
Usando a desculpa da liberdade de expressão e contra qualquer tipo de censura, comediantes de extrema-direita tornaram-se referência, sobretudo nas redes sociais, alguns chegando a possuir milhões de seguidores nas redes, além de se tornarem empresários milionários no processo.
Fazendo piadas racistas, sexistas e homofóbicas, mas passando pano para a extrema-direita, alguns humoristas não tardaram a de posicionar ao lado do golpe de 2016, defende o governo ilegítimo de Michel Temer e do Bolsonaro e trabalhar para empresários financiadores do golpe de 08 de janeiro.
Por outro lado, com a disposição de se contrapor a esse discurso de ausência de política, o que por aí só já é perigoso, artistas como João Pimenta, Jhordan Matheus, Yuri Marçal, Daniel Duncan entre outros, tem se destacado por fazer um humor sobre racismo, violência policial e uma reflexão sobre questões do cotidiano, trazendo um olhar crítico sobre a nossa sociedade, o que não poderia deixar de refletir também sobre os últimos governos que tivemos.
A hipocrisia da chamada extrema direita bem como situações que de tão absurdas, merecem passar pelo crivo do humor, transformando em sorriso certos comportamentos e atitudes, como reforçou certa vez Gregorio Duvivier, “graça mesmo é rir do opressor, não do oprimido”.
Tiago Santineli e o humor militante
O humorista vem desde 2017 se destacando no Brasil por ter se posicionado contra o fascismo, o pensamento anticientífico e a mau uso da religião. Se Gil Vicente em seu “Auto da Barca do Inferno” usou o discurso religioso para denunciar a hipocrisia da sociedade portuguesa de sua época, Santineli usa sua experiência pessoal religiosa para desconstruir de modo muito inteligente certas posturas religiosas muito usadas hoje para aprisionar, extorquir e lesar milhares de pessoas em nosso país.
Em novembro de 2024, Caruaru e Recife receberam o show de stand-up do humorista e podemos ver o quanto que é importante artistas como ele fazer uma arte sem precisar usar o discurso da neutralidade ou tentar fugir de certos temas para não desagradar ou perder público. Pelo contrário, Tiago Santineli tem feito um enfrentamento ao fascismo por meio da comédia e utilizando suas redes sociais para denunciar o fundamentalismo religioso, o que lhe tem rendido, como era de se esperar, campanhas de difamação nas redes e ameaças por parte da extrema direita.
Filiado a Unidade Popular, em suas apresentações ele faz questão de se apresentar se definindo como “ex-comediante e agora militante”, algo que reforça a necessidade do público não apenas se indignar (e sorrir) da nossa realidade, mas também transformá-la, ou seja, a comédia que não fica apenas no entretenimento.
Em tempos tão difíceis, sorrir, como cantou o maior de todos os comediantes Charlie Chaplin (1889-1977) ainda é algo que os poderosos não conseguiram nos tirar, apesar e tanta dor que vemos nesse mundo. Sorrir ainda é um campo a ser disputado em nosso dia a dia e um reforço de esperança e humanidade, além de uma ferramenta de luta que não deve ser subestimada.