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quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

A nova mulher e a moral sexual

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Trechos extraídos do livro A nova mulher e a moral sexual (1978)

Alexandra Kollontai


TEORIA MARXISTA – A dura realidade exige outras qualidades nas mulheres trabalhadoras. Precisa agora de firmeza, decisão e energia […]. Privada da proteção que até então lhe prestara a família, ao passar do aconchego do lar para a batalha da vida e da luta de classes, a mulher não tem outro remédio senão armar-se, fortificar-se, rapidamente […].

A mulher da classe operária contempla como nasce e se fortalece dentro de si a consciência de sua independente individualidade. Tem fé em suas próprias forças. Gradualmente, de forma inevitável e poderosa, desenvolve-se o processo de acumulação de novos caracteres morais e espirituais da mulher operária, caracteres que lhe são indispensáveis como representante de uma classe determinada. […] 

A vontade individual submerge e desaparece no esforço coletivo de milhões de mulheres da classe operária, para adaptar-se às novas condições da vida. Também nesta transformação desenvolve o capitalismo uma grande atividade. Ao arrancar do lar, do berço, milhares de mulheres, o capitalismo converte essas mulheres submissas e passivas, escravas obedientes dos maridos, num exército que luta pelos seus próprios direitos e pelos direitos e interesses da comunidade humana. Desperta o espírito de protesto e educa a vontade. Tudo isto contribui para que se desenvolva e fortaleça a individualidade da mulher. […]

O novo tipo da mulher, que é interiormente livre e independente, corresponde, plenamente, à moral que elabora o meio operário no interesse de sua própria classe. A classe operária necessita, para a realização de sua missão social, de mulheres que não sejam escravas. Não quer mulheres sem personalidade, no matrimônio e no seio da família, nem mulheres que possuam as “virtudes femininas” – passividade e submissão. Necessita de companheiras com uma individualidade capaz de protestar contra toda servidão, que possam ser consideradas como um membro ativo, em pleno exercício de seus direitos e, consequentemente, que sirvam à coletividade e à sua classe. […]

A força dos séculos é demasiado grande e pesa muito sobre a alma da mulher do novo tipo. Os sentimentos atávicos perturbam e debilitam as novas sensações. As velhas concepções da vida prendem ainda o espírito da mulher que busca sua libertação. O antigo e o novo se encontram em contínua hostilidade na alma da mulher. Logo, as heroínas contemporâneas têm que lutar contra um inimigo que apresenta duas frentes: o mundo exterior e suas próprias tendências, herdadas de suas mães e avós. […]

Determinemos, pois, quem sāo essas mulheres que constituem o novo tipo feminino. Desde logo, não são as encantadoras e “puras” jovens cujas novelas terminam com o matrimônio feliz, nem as esposas que sofrem resignadamente as infidelidades do marido, nem as casadas culpadas de adultério. Não são, tampouco, as solteironas que dedicaram toda a sua vida a chorar um amor desgraçado de juventude, nem as “sacerdotizas do amor”, vítimas das tristes condições da vida ou de sua própria natureza viciada. Não. Estas mulheres são algo novo, isto é, um quinto tipo de heroína desconhecida anteriormente, heroínas que se apresentam à vida com exigências próprias, heroínas que afirmam sua personalidade; heroínas que protestam contra a submissão da mulher dentro do Estado, no seio da família, na sociedade; heroínas que sabem lutar por seus direitos. Representam um novo tipo de mulher. […]

A característica típica da mulher do passado, considerada seu maior ornamento e defeito, era o predomínio do sentimento. A realidade contemporânea, que arrastou a mulher à ativa luta pela existência, exige, antes de tudo, a ciência de saber vencer seus sentimentos e os numerosos obstáculos de ordem social que se seu espírito pouco resistente, seu espírito que cede com demasiada facilidade, por meio da vontade. Para conservar seus novos direitos conquistados, a mulher tem que realizar um trabalho de autoeducação muito mais profundo que o do homem. […]

A realidade contemporânea exige, de uma maneira implacável, que toda mulher que se vê obrigada a trabalhar num ofício ou profissão, em qualquer trabalho que a leve para fora do lar, possua autodisciplina e força de vontade necessárias para saber vencer seus sentimentos; qualidades que somente poderíamos encontrar excepcionalmente nas mulheres do tipo antigo. […]

Outro traço característico da mulher contemporânea consiste nas exigências, cada vez maiores, que fazem ao homem. A mulher do passado estava acostumada por seu amo e senhor, durante séculos e séculos, a esquecer-se de si mesma, a descuidar completamente seu pequeno mundo espiritual. A mulher do passado não dava nenhum valor a sua própria personalidade, acostumada aos sorrisos indulgentes que os homens tinham para com suas debilidades e sofrimentos de mulher. Por isto resignava-se, sem protestar, a que seu companheiro não prestasse a menor atenção ao que pensava e sentia. Ainda em nossos tempos, admiramo-nos de que somente alguns homens extraordinários saibam compreender a mulher, ainda que nos momentos de maior intimidade. […]

A mulher do passado, incapaz de enfrentar a vida sozinha, tinha medo da solidão, e por isso, estava sempre disposta a renunciar, quando se lhe apresentava a menor ocasião, à sua inútil e desagradável independência.

A mulher do novo tipo não somente não tem medo da independência, como, a cada dia, aprecia mais seu valor, à medida que seus interesses se sobrepõem aos limites impostos pela família, pelo lar e pelo amor. […]

O amor deixa de ser para a mulher o conteúdo único de sua vida, começa a ficar relegado a um lugar secundário, como sucede com a maioria dos homens. […]

A nova mulher não abdica da sua natureza de mulher, não foge da vida, nem de suas alegrias terrenas, que a realidade, tão avara em sorrisos, lhe concede. As heroínas modernas são mães sem estarem casadas; abandonam o marido ou o amante; sua vida pode ser rica em aventuras amorosas. […]

Esta é a mulher moderna: a autodisciplina, em vez de um sentimentalismo exagerado; a apreciação da liberdade e da independência, em vez de submissão e de falta de personalidade; a afirmação de sua individualidade, e não os estúpidos esforços por identificar-se com o homem amado; a afirmação do direito a gozar dos prazeres terrenos, e não a máscara hipócrita da “pureza”; e, finalmente, o relegar das aventuras do amor a um lugar secundário na vida. Diante de nós, temos não uma fêmea, nem uma sombra do homem, mas sim uma mulher-individualidade.

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