UM JORNAL DOS TRABALHADORES NA LUTA PELO SOCIALISMO

terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Manifesto de Fundação da Frente Negra Revolucionária

Leia também


A Verdade reproduz trechos do Manifesto da FNR – Manoel Aleixo,
lançada oficialmente em 1º de fevereiro de 2025 em Recife.


Nós, o povo negro, maioria da população brasileira; nós, pretas e pretos, pardas e pardos, cansados do açoite contemporâneo do Estado capitalista, exaustos da exploração rica e branca do fascismo, indignados com a opressão selvagem imposta pelo racismo que tenta nos esmagar, nós nos levantamos, aquilombamos e decidimos lutar! 

Assim, nasce a Frente Negra Revolucionária (FNR) – Manoel Aleixo. Avança a Unidade Popular, impulsionada pela união de militantes negros e negras de várias organizações, como o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), o Movimento de Mulheres Olga Benario, o Movimento Luta de Classes (MLC) e a União da Juventude Rebelião (UJR).

A história do negro no Brasil, ensinada nas escolas, narrada pelos brancos europeus, é contada a partir do período da escravidão, destacando os horrores do percurso enfrentado e as atrocidades desse desumano sistema social e econômico.

Não falam, ou apenas citam de relance, o Brasil de antes da invasão Europeia, das grandiosas realizações dos povos originários que governavam este território de norte a sul, sem a existência de fome, miséria ou destruição da natureza, e que foram os primeiros a sofrer com o genocídio promovido pelo invasor e que nunca deixaram de lutar lado a lado com o conjunto dos oprimidos e explorados por liberdade e justiça.

Não falam também da história do nosso país “agigantada” pela nossa ancestralidade negra que traz consigo beleza, cultura, tecnologia e todas as suas cores alegres e fortes, de um povo altivo e desenvolvido. Apresentam apenas, de maneira superficial, a nossa rica cultura afro-brasileira e a tradição negra, ocultando o legado histórico e cultural de luta e resistência dos povos escravizados. 

Nosso país ainda sofre com os resquícios dos mais de 400 anos de escravidão. Em pleno século 21, longe de sermos minorias, somos os menos favorecidos, os desaparecidos políticos, os encarcerados, os desempregados, os menos remunerados, somos aquelas que cuidam dos filhos dos patrões, nas mesmas “casas grandes”. Somos as mães que perdem os filhos pelas balas nada perdidas dos policiais. Vivemos asfixiados por um sistema socioeconômico, dito democrático, que, na tentativa frustrada de esconder suas mazelas sociais, nega o racismo, mas defende o lucro e não gente.

Somos a maior população negra fora do continente africano: 56,7% da população brasileira é preta e parda, ou seja, negra (PNAD – Contínua, segundo semestre de 2024). Somos a maioria dos trabalhadores (55%). E, se tudo produzimos, tudo a nós pertence!

É nessa perspectiva de combate e transformação que a Frente Negra Revolucionária (FNR) se organiza para pôr fim aos herdeiros dos senhores de escravos, a atual classe rica e dominante brasileira e para organizar os negros que ainda hoje necessitam vender sua força de trabalho para sobreviver e seguem sendo massacrados, física e “espiritualmente”, pelo sistema capitalista, racista e opressor. 

“Ser livre da matéria escrava, arrancar os grilhões que nos flagelam”

(“Livre”, Cruz e Sousa)

A letalidade policial no país aumentou 189% nos últimos dez anos, sendo que 90% do total de mortos eram negros (Agência Brasil, 2023). Dessa forma, as chacinas passaram a ser notícias correntes nos noticiários, revelando a maneira como a polícia tem operado nas periferias, como revelam as chacinas de Jacarezinho (RJ), do Guarujá (SP), de Camaragibe (PE) e a Operação Escudo (SP).  

Não esqueceremos: Evaldo Rosa, teve seu carro alvejado com mais de 250 tiros por militares do Exército em 2019 (recentemente, absolvidos); Amarildo Dias, que desapareceu após ter sido detido por policiais militares em 2016 (seu corpo nunca foi encontrado); Cláudia Silva, baleada por PMs e arrastada por cerca de 350 metros pela viatura policial. Lembraremos sempre de: Marielle Franco (RJ), Mãe Bernadete (Quilombo Pitanga dos Palmares, Bahia); Josimar da Silva (Acampamento São Francisco, Vitória de Santo Antão/PE); Giovanne Gabriel (RN) e Genivaldo de Jesus Santos (SE), do Menino Miguel (PE), dentre milhares de outros irmãos e irmãs. Nem mesmo as crianças são poupadas do extermínio, como ocorreu com a menina Ágatha e Thiaguinho (Rio de Janeiro, 8 anos e 13 anos respectivamente) e Jonathas (Engenho Roncadorzinho, Barreiros/PE, 9 anos). Essa situação se agravou a partir do governo fascista de Bolsonaro e seus seguidores e cúmplices nos estados. 

Não resta dúvida, portanto, que o racismo dialoga diretamente com o fascismo, que usa das opressões para silenciar, esmagar e aniquilar o povo para que garanta os privilégios das classes dominantes, ricas. Hoje, o enfrentamento à extrema-direita se faz cada vez mais necessário. Nosso inimigo não é apenas o discurso da meritocracia ou do senso comum; nos últimos tempos, enfrentamos diretamente uma política de morte e violência. 

Por isso, é urgente desmilitarizar as polícias, as escolas e a sociedade, seguindo o exemplo daquelas mulheres e homens que, em nosso país, lutaram contra a ditadura militar fascista de 1964-1985. Sendo assim, se faz necessário e urgente, resgatar a memória dos que lutaram contra o golpe militar e foram perseguidos e por isso, lutamos por memória, verdade, justiça e reparação no Brasil.

A luta de Ventania segue! Manoel Aleixo está vivo!

Nascido no dia 04 de junho de 1931, no engenho Cova da Onça, em São Lourenço da Mata (PE), Manoel Aleixo começou a trabalhar ainda criança para ter direito a comida e a vestuário semelhante ao dos escravos da senzala. Seus pais, João Aleixo da Silva e Maria Sabino da Silva, foram alcançados pela escravidão quando meninos. Trabalhador rural, Manoel foi líder camponês com atuação no Estado de Pernambuco. Após o golpe de 1964, ficou conhecido como “Ventania” e tornou-se militante do Partido Comunista Revolucionário (PCR). Foi morto sob torturas, após ser sequestrado de dentro de sua casa, em 29 de agosto de 1973, no Município de Joaquim Nabuco (PE). Pelo seu exemplo e bravura, decidimos homenagear Ventania como patrono da Frente Negra Revolucionária. 

Ao líder dessa luta de resistência pela democracia brasileira e pelo socialismo, e em memória de todos aqueles que, como Manoel Aleixo, dedicaram suas vidas pela construção de uma nova sociedade: a FNR os vingará! 

Reaja ao racismo: lute pelo socialismo!

Para avançar o nível de consciência dos nossos militantes e do povo, é necessário elevar o nível de organização, de modo a termos pessoas trabalhando, sistematicamente, pelo êxito dessa tarefa. A nossa luta é de gênero, de raça e de classe! Um chamado para construir “o porvir em frente do passado, a liberdade em frente à escravidão” (“Ode ao dois de julho”, Castro Alves).

Portanto, nós que lutamos pelo fim da exploração capitalista, para que nossa luta seja completa e consequente, temos que lutar pela igualdade racial e enfrentar qualquer tipo de racismo e preconceito.

Chamamos, portanto, todo o povo negro do Brasil a se organizar, defender e se aquilombar:

  1.  Lutar contra o racismo e o preconceito em todas as partes: locais de trabalho, bairros, lugares de ensino, campo, etc; 
  2. Lutar contra o extermínio do povo negro, especialmente das periferias. Pela desmilitarização das polícias; punição dos responsáveis; fim do auto de resistência;
  3. Pôr fim ao encarceramento em massa e os maus tratos nos presídios e locais de reeducação de jovens infratores. Apoio aos familiares de presos e denúncia das prisões injustas. Contra o racismo no Judiciário, eleições de juízes e tribunais através do povo;
  4. Garantir a apuração e reparação quanto aos genocídios promovidos pelos regimes autoritários; direito à memória, verdade, justiça e reparação. Punição aos criminosos da ditadura militar implantada com o golpe de 1964. Implantação das recomendações da Comissão Nacional da Verdade;
  5. Exigir a garantia de educação pública e de qualidade em todos os níveis, erradicando o analfabetismo e o cumprimento da lei 10.639/2003 (ensino de história e cultura afro-brasileira) e a descriminalização e incentivo das expressões de cultura negra e popular;
  6. Defender a igualdade e a liberdade das práticas religiosas. Combate aos ataques promovidos a locais de culto religioso e de natureza discriminatória contra os seus praticantes, especialmente quanto às religiões de matriz africana;
  7. Defender condições adequadas de saúde e acesso a tratamento no Sistema Único de Saúde;
  8. Defender os direitos das mulheres contra todas as formas de violência e opressão, incluindo de gênero;
  9. Pela garantia de moradia digna e pela reforma urbana. Contra o racismo ambiental. Demarcação das áreas quilombolas e dos povos originários e reforma agrária;
  10. Defender a promoção, valorização e estímulo da cultura do nosso povo com o ensino da história afro-brasileira;
  11. Proteger as crianças e adolescentes contra a violência e contra o trabalho infantil. Acesso à educação, esporte, lazer, saúde, alimentação e cultura;
  12. Propagandear a história do povo e dos heróis negros do nosso país e do mundo;
  13. Conectar permanentemente a luta contra o racismo com a luta pela superação do capitalismo e a construção do socialismo, entendendo que não há contradição entre as duas pautas e só se cria a condição para acabar em definitivo com o racismo, destruindo o sistema capitalista.

Publicado na edição n° 306 do Jornal A Verdade.

More articles

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Últimos artigos