No curso de Letras da USP, a possibilidade de estudar uma língua estrangeira é determinada pelo “ranqueamento”, um processo que seleciona os estudantes com base nas notas de seu 1º ano de graduação. Denunciando a arbitrariedade desse mecanismo, alunos organizam plebiscito e outras ações para questioná-lo
Rael Brito* e Redação SP
No curso de Letras da Universidade de São Paulo (USP), os estudantes estão organizando uma luta contra o “ranqueamento”. Através desse processo, a universidade seleciona os alunos que cursarão as habilitações de línguas estrangeiras e de Linguística, com base na média das notas do primeiro ano de graduação. Os alunos denunciam que esse processo acaba sendo um “vestibular depois do vestibular”, que restringe a possibilidade de estudar a língua que se deseja.
De acordo com a universidade, o ranqueamento precisa existir devido ao número insuficiente de professores no curso de Letras. Contudo, isso só demonstra que esse mecanismo é fruto da política de desmonte das universidades públicas em São Paulo, que vem sufocando o orçamento da Educação e deixando estudantes sem professores, bolsas e moradia estudantil. Além disso, o Movimento Correnteza denuncia que, ao tolher os caminhos de formação dos alunos, ele também contribui para a alta taxa de evasão no curso.
Por isso, de 17 a 19 de março, um plebiscito está sendo promovido na Letras USP para difundir a luta pelo fim do ranqueamento e ouvir as opiniões dos estudantes sobre esse processo.
Uma falsa meritocracia
“Hoje, o ranqueamento é o que mais complica a vida dos estudantes de primeiro ano. Gera um clima de competitividade entre todo mundo que acabou de entrar, em que você está disputando com seus colegas a língua que você quer estudar”, explica Leonardo, estudante de Grego na Letras USP, ao jornal A Verdade.
O ranqueamento alega ter como princípio a meritocracia, segundo o qual aqueles que mais se esforçam têm notas maiores e, portanto, têm mais merecimento de cursar a língua que desejam. Caso o aluno não consiga, é porque não se dedicou o suficiente aos estudos.
No entanto, esse discurso não se sustenta quando se leva em consideração a desigualdade vivida na universidade. A presença crescente de estudantes de baixa renda na USP é também acompanhada de relatos de dificuldade de estudar devido às dificuldades econômicas, longos deslocamentos, falta de tempo para os estudos devido à necessidade de conciliá-lo com o trabalho, entre outros fatores.
Na realidade, o ranqueamento ainda gera outras distorções: os estudantes relatam que há receio de se apoiar nas matérias durante o primeiro ano, já que você pode estar “entregando a vaga” a um colega ao ajudá-lo a melhorar. Além disso, os graduandos se impedem de fazer matérias que desejam, com receio de que a nota os impeça de estudar a língua com que sempre sonharam.
“Os estudantes evitam fazer matérias optativas no primeiro ano, já que isso pode afetar sua média ponderada e te prejudicar. Atualmente, o ranqueamento é a principal barreira entre o estudante de Letras e os assuntos que ele deseja estudar”, continua Leonardo.
Falta dinheiro?
Quando os estudantes exigem mudanças na universidade — da troca de fechadura dos banheiros à reposição de professores –, a direção dos cursos e faculdades da USP têm respondo sempre da mesma forma: “Não há dinheiro”. Apesar disso, a instituição têm tido saldos financeiros na casa dos bilhões de reais. O que acontece na verdade é que, através do que a reitoria chama de “parâmetros de sustentabilidade”, tem sido imposto um teto de gastos que segura recursos que poderiam estar resolvendo problemas estruturais do cotidiano estudantil.
O Movimento Correnteza luta pelo fim dos parâmetros de “insustentabilidade”, dos editais de mérito e pela volta da reposição automática de docentes, pois essa política de austeridade já mostrou que só serve para desmontar a educação pública.
Para os estudantes em luta, as alegações de falta de dinheiro escondem que, na verdade, o ranqueamento existe por um projeto político de limitar o acesso a uma série de habilitações em línguas estrangeiras. Enquanto alguns cursos mais demandados pelo mercado estão em melhores condições, outros vivem eternamente sob risco de fechamento e com vagas extremamente limitadas.
Com bilhões de reais em caixa, a USP tem a possibilidade de custear infraestrutura, professores e ferramentas de ensino para que cada estudante pudesse seguir livremente a habilitação que gostaria, mas toma a decisão política de não fazer assim e manter o mecanismo excludente do ranqueamento.
Lutar para conquistar melhorias
Diante de desse cenário, o plebiscito dos dias 17 a 19 de março tem tudo para ser um importante espaço para que os estudantes de Letras da USP se manifestem contra todas essas distorções.
Para evitar as meias soluções que não resolvem o problema dos graduandos, o Movimento Correnteza defende a importância de que os estudantes sejam categóricos na luta pelo fim do ranqueamento, em defesa do livre ingresso nas habilitações e pela criação de condições orçamentárias e físicas que garantam qualidade em cada uma das habilitações, além da realização de dezenas de contratações que enfrentem a falta de professores. Alternativas apresentadas pela universidade, como a transferência do ranqueamento para a FUVEST ou o fim da dupla habilitação, precisam ser rejeitadas.
“No lugar de precarização, queremos permanência! No lugar do ranqueamento, queremos mais contratações e salas de aula! No lugar do edital de mérito, queremos mais orçamento para a Letras!”. Essas são as palavras de ordem que têm mobilizado a luta dos estudantes da Letras USP por um ensino de qualidade e por uma universidade verdadeiramente pública.
Somente com a luta será possível inverter a atual lógica de sucateamento da universidade, em que a excelência é exigida dos alunos mas não é entregue pela própria instituição, que precariza continuamente a qualidade do ensino. Por isso, todos os estudantes são convocados a votar no plebiscito da Letras USP e se manifestar acerca da luta pelo fim do ranqueamento.
*Rael Brito é estudante de Letras e membro do Movimento Correnteza na USP